Uma viagem pelo desconhecido. Foi tateando nas expectativas que narradores e comentaristas enfrentaram a primeira corrida não apenas da temporada, mas de um regulamento completamente novo. As duas largadas abortadas só aumentaram a tensão – que até deixou o narrador britânico David Croft um pouco confuso quando 2014 começou para valer: “Hamilton sai bem, excelente largada de Magnussen. A largada é um caos para alguns e vemos uma Williams, acho que de Massa, na brita. E todos vão passando Vettel, que não tem potência.”
Na verdade, era Rosberg que pulava para a ponta. “Ricciardo largou mal, Hamilton também e Rosberg pula na frente. Hamilton começou muito lento, deve ter algum problema”, observa Antonio Lobato, na Antena 3 espanhola. “Vem a disputa ali atrás e o Felipe Massa já foi tocado e fica fora”, Galvão Bueno se decepciona na Globo.
Uma primeira volta movimentada assusta o comentarista Martin Brundle, da Sky Sports. “Eles têm esse novo sistema de freio que iria dificultar as primeiras curvas, mas não há motivo para permitir que vire uma loucura como estamos vendo”, diz o britânico, que logo chama a atenção para Hamilton, que perde posições. “Seria um problema ou ele está economizando combustível?”
Para Reginaldo Leme, as mensagens de rádio de Sebastian Vettel, que acusa falta de potência, podem ser uma dica. “Alguma coisa desse tipo deve estar acontecendo também com o Hamilton porque ele está perdendo muito.”
Lobato está preocupado com Alonso, ultrapassado por Hulkenberg e pressionado por Vergne. “O que está acontecendo com Fernando? Ele não tem velocidade.” Mas o comentarista Pedro de la Rosa não sabe. “Pode ser qualquer coisa, é possível ter deficiências momentâneas do sistema de energia.”
Brundle avisa que “Isso vai acontecer muito: se uma parte do sistema não está funcionando bem, o resto é afetado. Não é como antes, quando dava para simplesmente continuar sem o Kers, por exemplo.”
Na Globo, o replay da largada é o estopim para uma malhação pública – e que dura por toda a prova – em cima de Kobayashi, que aparece perdendo completamente a freada e acertando Massa em cheio. “Olha a barbeiragem do Kobayashi para cima do Felipe Massa. Ele veio atropelando tudo. O Massa estava na dele, certinho, e tomou a pancada”, Galvão não se conforma. “Foi um absurdo, é a primeira prova e a Caterham nem sabe se vai terminar a temporada. Agora existe uma regra de pontos e o Kobayashi deve levar um monte por essa pancada”, opina o comentarista Rubens Barrichello. “A causa da batida foi o cérebro do Kobayashi”, define o narrador.
Britânicos e espanhóis, contudo, inocentam o japonês logo de cara. “Parece um problema do brake by wire”, diz o comentarista da Antena 3 Jacobo Vega. De la Rosa gargalha. “Lógico que vão falar que é culpa do freio. O que mais dá para dizer?” Mais um replay e Vega novamente busca uma confirmação com o piloto de testes da Ferrari. “Foi o brake by wire, com certeza, Pedro” – e ele confirma: “Com certeza”.
Na Sky, o único comentário é de Croft. “Pode ser que não tenha sido culpa do Kobayashi, pode ter sido uma falha no sistema de freio eletrônico.”
O destaque da primeira parte da prova é Valtteri Bottas. “Uma ultrapassagem por fora e outra por dentro, grande pilotagem de Bottas. Esses caras novos, como ele e Magnussen, têm muita confiança”, salienta Brundle, mas Croft desconfia que o finlandês “está gastando muito combustível.” Para Vega, contudo, “se não tiver problemas de confiabilidade, certamente chega ao pódio.”
Isso, se não fosse um muro no meio do caminho, com o qual “vimos seu companheiro flertando por todo o final de semana”, como lembra Brundle. Um toque rasga seu pneu e traz o Safety Car à pista. “Foi azar dele porque vi muitos batendo mais forte ali e nada acontecia”, defendeu o britânico.
“É uma pena para a Williams porque são nessas corridas que se ganha pontos importantes”, lamenta Lobato, com o mesmo tom de Galvão, que declara prematuramente fim de prova para Bottas. “Ele se empolgou com a velocidade. E o Rosberg com isso é mais líder do que nunca porque, se alguém podia o incomodar, seria ele.” O finlandês, entretanto, troca os pneus e segue na prova.
Quem se deu bem com o Safety Car foi Jenson Button, que entrou nos boxes uma volta antes dos rivais. “Fiquemos de olho em Button, que vai se aproveitar por ter entrado antes”, alerta Lobato. Na Globo, o crescimento do inglês na prova só tem a ver com sua tocada. “É um regulamento feito sob medida para ele”, defende Galvão.
O repórter britânico Ted Kravitz foca em Raikkonen, “que perdeu muito tempo porque teve de ir bem devagar já que a Ferrari o parou junto de Alonso. É a vida de segundo piloto da Ferrari”, diz em tom de brincadeira.
Com a relargada e a supremacia de Rosberg, Galvão começa a alertar para a possibilidade de quebras. “Ninguém sabe o que vai acontecer. O companheiro dele já teve de abandonar”. Enquanto isso, Brundle comenta sobre o novo motor. “Pelo menos dá para ouvir a narração no sistema de som do circuito. Antes muita gente ia descobrir o que aconteceu na corrida só quando chegava em casa.”
Espanhóis buscam, sem sucesso, maneiras de Alonso passar Hulkenberg. Resta apenas elogiar o rival. “Que difícil para Perez dividir a equipe com um piloto como Hulkenberg, que faz grande corrida”, diz Lobato, apoiado por Brundle. “Qualquer carro que você dê para ele, ele anda bem.”
O narrador espanhol também não esquece Vettel. “A vida não está como de costume para ele, mas lembramos que não vai demorar muito tempo para que isso mude. Quando a Renault resolver os problemas, o carro vai muito bem”, alerta.
Na Globo, o destaque é para Bottas que, “mesmo com toda a confusão que arrumou na corrida, já está na zona de pontuação. Parece ser o segundo carro mais rápido na pista”, Galvão aproveita para animar a torcida futura para Massa.
Já tínhamos até esquecido que os pneus se degradam quando Button antecipou sua segunda parada para superar Alonso e Hulkenberg em uma só tacada. Mas os britânicos não confiam que seria possível. “Será que o undercut ainda é a melhor estratégia?”, questiona Croft, enquanto De la Rosa não duvida que o inglês “é um perigo” para a corrida de Alonso. Barrichello destaca a quebra da ponta do bico do McLaren do ex-companheiro. “Caiu a ponta do nariz. Ele vai ficar com frio ali, Galvão. Mas é estranho quebrar aquilo, porque tudo o que você quer num acidente é que aguente. É claro que vai quebrar, mas é de se esperar que aguente mais do que uma pancada de macaco.”
De fato, a estratégia de Button dá certo. “Precisamos de uns cavalinhos, hein?”, reclama Lobato, descontente com o rendimento de Alonso. “Dá para conseguir, mesmo com a homologação, mas também precisamos melhorar a aerodinâmica porque tudo vai junto. Vemos a Red Bull, com uma deficiência no motor, andando na frente”, lembra De la Rosa.
Mas havia um outro motivo para o rendimento mediano da Ferrari, como explica Kravitz. “A Ferrari está com um problema elétrico em ambos os carros e não estão com toda a potência que poderiam. Isso é uma boa notícia pensando nas próximas corridas.” Problemas à parte, Galvão aposta que “Kimi jamais imaginou que, em seu retorno à Ferrari, seria ultrapassado duas vezes pelo Bottas e levaria pressão de um menino de 19 anos”, referindo-se a Kvyat. Já a explicação de Reginaldo para a performance de Alonso, que consegue lutar com pilotos com motor Mercedes, é de que “a Ferrari está muito atrás e o Alonso está muito à frente de outros pilotos e por isso consegue colocar o carro nessa posição.”
Na Sky, o destaque é para a Red Bull – e a nova geração. “Parabéns à Renault, em conjunto com a Red Bull. Eles nem acreditavam que poderiam fazer 46 voltas seguidas há 10 dias, muito menos com esse ritmo”, lembra Kravitz. “Ricciardo é muito calmo ao volante e é algo que vai o ajudar neste ano. E a performance de Magnussen mostra que também há espaço para o talento, não apenas meninos endinheirados”, emenda Brundle, enquanto Croft pergunta: “O que teria acontecido se Lewis Hamilton pudesse ter competido hoje?”
Provavelmente isso seria o único complicador da prova de Rosberg, cujo rendimento assustou Lobato. “Madre mía, que forte está a Mercedes!”. Galvão destaca vitória “30 anos” após Keke Rosberg na Austrália. “Claro que tem o melhor carro, mas foi perfeito por toda a corrida”, opina. “Muito foi falado dele quando o Hamilton chegou para ser seu companheiro, mas ele está crescendo muito e está pilotando muito”, endossa Barrichello.
A Mercedes na frente, porém, era esperado. As surpresas estavam a seu lado. “Os três que estão no pódio tiveram que ouvir muita gente só falando de seus companheiros antes da temporada começar”, lembra Croft. “E o que dizer de Magnussen, no pódio na primeira corrida de sua vida. Quem preveria um pódio deste?”, se impressiona Lobato, enquanto Brundle brinca com a precocidade do dinamarquês, que “parece tão novo que dá a impressão que a mãe dele o deixou brincar nesse carro hoje à tarde.”
Para Galvão, “de positivo, fica para o Felipe Massa a posição do Bottas depois de ter largado em 15º e batido e, mesmo assim, foi o sexto.” E Reginaldo lembra que “finalmente ele tem um carro e a liberdade de correr como ele pode, algo que não tinha na Ferrari.”
Para finalizar, Lobato lança um comentário despretensioso, mas que hoje soa como uma praga. “Bom, daqui a pouco, todos os carros vão ter que demonstrar que estão de acordo com as regras, que não gastaram mais de 100kg de combustível e respeitaram o fluxo de 100kg/h”, o que, para De la Rosa, “seria surpreendente em uma prova em que houve um Safety Car.”