Ninguém parece muito animado antes do GP da Europa começar. Afinal, como lembra o comentarista Reginaldo Leme, na Globo, “dos quatro anos, só em um o carro da pole não venceu, e foi com Rubens Barrichello.” O narrador da BBC, Ben Edwards, segue na mesma linha. “Ninguém nunca venceu um GP da Europa pela terceira vez e Vettel está na posição perfeita de fazê-lo. Ou talvez um dos pilotos da Lotus possa continuar com o conto de fadas de vencedores diferentes.”
Quem espera muito da dupla da Ferrari fica inquieto antes da largada. Afinal, os vermelhos largam em 11º e 13º após “uma meio que trapalhada”, como define Galvão Bueno. “Eles sabem que, se tivessem feito duas tentativas com macios no Q2, estavam entre os dez. Mas, agora que têm pneus novos, duas paradas é o ideal.”
Na espanhola Antena 3, a preocupação é com os pilotos que largam perto de Alonso e estão com pneus médios. “Estamos falando em duas ou três paradas ou será que alguém pode cometer a loucura de ir a uma?”, pergunta o narrador Antonio Lobato a Marc Gené. “Sim, é possível, mas serão muitas voltas com os macios. Creio que a estratégia de Fernando é mais lógica.” Mas nem mesmo os conterrâneos de Alonso confiam em um bom resultado: antes da largada, já secam a concorrência. “Confiamos que o ritmo de corrida da Ferrari seja bom, como mostrou na sexta, e o da Lotus também, para trazer problemas a Hamilton e Vettel”, espera Lobato.
Com seu piloto fora do top 10, Lobato se encarrega de narrar o que acontece na largada dos ponteiros, enquanto Vega e Gené ficam de olho em Alonso. “Madre mia, que arriscado”, sofre o piloto de testes da Ferrari. “Maldonado adora achar alguém na largada. Foi quase”, exclama Galvão. Também sobra para Grosjean, que fez manobra arriscada. “Ele tem curto-circuito quando larga!” A briga do venezuelano com ambas as Lotus confundiu Edwards, que acredita estar vendo Raikkonen em terceiro. Afinal, era o finlandês que largara por dentro. “Não, é Grosjean! E as Ferrari ganham terreno.”
O comentarista David Coulthard chama a atenção para “Massa e Button, um em cima do outro, na curva 4”. Para Galvão, isso fez com que o brasileiro ganhasse uma posição a menos que o companheiro na largada. “Espalharam para cima do Felipe!”
Os brasileiros se empolgam com o início agressivo do compatriota. “Foi o repeteco do Felipe no Canadá. Passou Rosberg por fora lá também e o alemão não gostou. Agora provou que não tem medo”, diz Luciano Burti.
Na frente, Vettel passeia e Hamilton segura o pelotão. “O engenheiro diz que Lewis está fazendo um bom trabalho. Pode ser que estejam tentando fazer uma parada a menos”, supõe Burti. Coulthard segue na mesma linha. “Nesse início, a McLaren não está conseguindo colocar energia no pneu ou será que Hamilton recebeu a instrução de fazer o contrário do Canadá e parar apenas uma vez. Porque a diferença para Vettel é muito grande”. A discussão na BBC é se Vettel vai fazer uma parada a mais que os outros. O analista técnico Gary Anderson não se arrisca.
Já os espanhóis estão pra lá de preocupados. Apesar do ritmo ruim de Hamilton, que “beneficia Vettel, claro, mas também Fernando, porque todos estão muito junto”, como observa Gené, estão assustados com “um domínio que ainda não tinha sido visto em 2012” do líder da prova. “Olha a distância do Vettel. Parece 2011”, define Lobato. “Nesse ritmo, Vettel vai dar uma volta em todos”. A crença espanhola é de que Grosjean poderia acompanhar o alemão, mas está bloqueado por Hamilton. Quando o francês se livra, no entanto, estão no comercial. Os britânicos, por outro lado, viram bem. “Ao contrário de Massa, ele se certificou de que Lewis não tivesse escolha a não ser desistir. Ultrapassagem muito madura de Grosjean. Foi muito profissional da parte de Lewis”, define Coulthard. “Hamilton foi muito correto”, concorda Burti, que logo observa que “a McLaren não está tentando fazer nada diferente. É falta de ritmo mesmo.”
Voltas depois, é a vez de Raikkonen superar Maldonado. Para Galvão, porque o venezuelano “deu mole, deixou o lado de fora aberto”. Seus colegas não concordam. “Ele teve dificuldade para segurar o carro porque teve de ir rápido demais para quem está do lado de fora”, justifica Reginaldo. “Que bonita a ultrapassagem de Kimi”, exclama Lobato. “Arriscou bastante. Quem disse que em Valência não dava para ultrapassar?”
Os ponteiros param e voltam no tráfego. E que tráfego. “Parece trânsito das 18h”, define Galvão. “Parece uma corrida de turismo. Por fora, por dentro, dá na mesma”, Lobato dá sua versão. E logo fica apertado demais para Bruno Senna e Kamui Kobayashi. “Kimi passou, Kobayashi tentou fazer o mesmo, mas foi fechado contra o muro. Para mim, parece um incidente de corrida. Tenho certeza de que Senna não vai concordar. Ele tomou sua trajetória e não devia saber que Kobayashi estava lá”, define Coulthard, que se surpreende com a punição ao brasileiro. “Não leria dessa maneira. Claro que eles têm mais informações, mais câmeras, GPS. E não falo isso só para ficar em cima do muro. É verdade.”
Galvão não se conforma com a manobra do japonês. “Tocaram Bruno Senna por trás. Ele podia bater no muro ou no Bruno. Tocou nos dois. Tentou passar onde não podia.” A primeira reação de Burti é de que “quem vai à frente tem o direito de proteger a linha”, mas logo depois Reginaldo lembra que a regra fala em deixar espaço de um carro. A punição sai e Galvão a classifica de “rígida porque acho que não havia um carro antes dele começar a manobra”.
O narrador, então, surge com uma “maldade”. “Mika Salo, comissário aqui, é finlandês e tem um finlandês na Williams que estão loucos para colocar no lugar do Bruno.”
Os espanhóis passam praticamente batido pelo incidente. Estão impressionados pela maneira como Alonso avança no pelotão. “Fernando não se rende nunca. Metade da Espanha deve estar de pé nesse momento. Que corridaça que estamos vendo aqui. Nem precisava de assentos na arquibancada, porque ninguém senta”, diz Lobato. “Além disso, faz tudo com muita cabeça”, completa Gené, que não se contém. “Magistral o que fizeram Ferrari e Fernando agora. É uma de suas melhores corridas do ano. Uma pena que esteja tão fácil para Vettel.”
E realmente estava. Até um dos aspirantes à vaga do alemão no futuro, Jean-Eric Vergne, cometer uma barbeiragem para cima de Kovalainen. “Esse sim merece uma passagem pelo box”, desconta Burti. “O que Vergne fez?”, Gené não entende.
O Safety Car entra na pista e os britânicos vão à loucura com a demora na parada de Hamilton, que o faz perder posições para Alonso e Raikkonen. “Demora uma eternidade, eternidade, para Lewis sair do pit!”, exclama Edwards. “Parece que o macaco falhou. Será que é de praxe eles terem um reserva ou eles esperavam ter problemas?”, questiona Coulthard. “E eles eram a única equipe treinando pit stop hoje de manhã. Ficaram obcecados com isso. Vão começar a fazer estratégias minimizando o número de pits”, Gené tira sarro.
Todos quase esquecem o líder. “Imagina a cara de Vettel com esse Safety”, diz Galvão. “Mas, Antonio, com o ritmo que ele tem…”, Jacobo Vega acredita que a vitória do piloto da Red Bull continua certa. “Sim, mas agora tem Grosjean atrás, vamos ver o verdadeiro ritmo. Cuidado que a corrida começou de novo, agora com Alonso em terceiro, graças a seu talento, aos riscos que correu e ao golpe de sorte com o erro da McLaren.” Coulthard, por outro lado, duvida que o francês faça frente ao alemão. “Se estivéssemos no Canadá, eu diria que Grosjean lutaria pela vitória. Mas a vantagem que Vettel conseguiu no começo foi muito grande. Agora eles estão com pneus médios, vamos ver o que acontece.”
A discussão fica em segundo plano quando, logo após a relargada, Alonso passa Grosjean por fora na curva 2, repetindo manobra anterior com Webber. “Talvez o engenheiro de Grosjean gostaria de ter avisado seu piloto que Alonso esteve praticando esse mesmo truque com Webber antes. Fantástico”, se empolga Coulthard. “Gigantesco Fernando Alonso! Em uma circunstância como essa, ele vai lutar pela vitória”, acredita Galvão. “O Alonso, para mim, e um piloto melhor que o Schumacher.”
Lobato quase perde o fôlego. “Ele passou!!IN-CRE-Í-BLE Fernando! Arquibancadas não acreditam. Valeu a pena gastar o que não tinha para vir para cá”. Gené diz que “há anos não via uma atuação dessas. É antológico.”
Mas a situação iria melhorar para o espanhol quando o líder Vettel encostou sua Red Bull. “Alonso lidera. O que aconteceu com ele? Será um furo? Drama no GP da Europa”, diz Edwards. “Enlouquece o torcedor!” diz Galvão. “Que longas são as corridas de F-1! Não é um sonho. É um presente dos céus, meu Deus!”, completa Lobato.
Mas a sensação geral é de que o piloto da Ferrari não terá vida fácil. Os espanhóis não se importam. “Mesmo se o Grosjean o ultrapassar, o segundo lugar é um resultado muito bom”, Gené pensa no campeonato, enquanto Coulthard questiona não ter SC com carro de Vettel na pista.
A discussão logo perde sentido, pois o francês também abandona. Os espanhóis, mais uma vez, estavam no comercial. “O que está acontecendo com esses carros confiáveis da F-1? Ano passado, todos completaram aqui, e agora perdemos o líder e aquele que estava em segundo lugar”, questiona Edwards, enquanto Coulthard destaca que Grosjean se preocupou em achar lugar para estacionar. “Esse é um cara que se sente à vontade com sua posição na F-1.”
Todos concordam que o único que pode atacar Alonso é Raikkonen, que está preso por Hamilton. “Os pneus de Alonso estão acabando, mas os de Hamilton também. Quem poderia lutar pela vitória é Raikkonen, mas ele tem de passar logo porque ficar atrás de Lewis só vai prejudicar seus pneus”, observa Anderson.
Quando vai ficando claro que o finlandês não tem velocidade para superar o inglês, começam as homenagens ao feito de Alonso. “Ele é inacreditável. Sei que a sorte jogou a seu lado hoje, mas ele tem um ritmo implacável e é um exemplo de líder, trazendo a Ferrari desde as dificuldades da pré-temporada. Todos achavam que seria uma vergonha. Não tem nada vergonhoso em ser o primeiro a vencer duas corridas na temporada”, afirma Coulthard. “É um GP em que um espanhol está fazendo mágica, lidera e merece como ninguém. Fernando tem o Kers das arquibancadas”, vê Lobato. “Alonso vai para vitória histórica, largando em 11º em pista de difícil ultrapassagem. Foi extremamente agressivo”, destaca Galvão.
Mas a corrida ainda guardava algumas brigas e, justamente o desgaste excessivo de pneus, que virara fantasma para os espanhóis e evitava uma comemoração antecipada, ‘atacara’ Hamilton. Raikkonen foi o primeiro passar, bem no momento em que Coulthard o criticava. “Sou apenas eu que estou vendo ou Kimi parece hesitante? Ele faz a manobra só para me calar!” Depois, é a vez de Maldonado. “Esses dois têm histórico!”, lembra o escocês. “Vai com calma que você vai passar, Pastor”, torce Lobato.
Mas o tal histórico entre os dois ganha mais um capítulo. “Que burros os dois”, define Vega. “Acho que é mais erro de Hamilton, porque Maldonado já tinha passado. Se os comissários considerarem Maldonado culpado, é porque ele estava com as quatro rodas fora da pista quando tentou ultrapassar.” Coulthard não concorda. “Maldonado estava do lado de fora e bateu na lateral de Hamilton. Se tiver de culpar alguém…”, ri o escocês. “Às vezes um quarto lugar é melhor que nada”, lembra Galvão ao ver Hamilton no muro. “Batida bastante discutível.”
“Alonso viu seus principais rivais fora e venceu em casa. Que dia para ele”, diz Edwards. Mas o choro do espanhol ainda no rádio quando, mesmo com Domenicali pedindo “nos diga algo, Fer”, nada saía, mostrava que era mais do que isso. “É a vitória mais emocionante da sua carreira. Ele fez coisas memoráveis, mas não lembro de uma vitória como essa. Vitória apoteótica. Vou me calar e deixá-los ouvir a arquibancada”, atesta Lobato. “Vou puxar a orelha de Fernando porque ele disse que o pódio era impossível. Ele sabia que era. Ele sabe que, em qualquer situação, é possível para ele. Ele é um cara duro, mas não vai aguentar algo como isso. Tremendamente emocionado depois do que obteve em um GP que desejava com toda sua alma.” Para Gené, “não há nenhum piloto na história que consiga tirar proveito das corridas dessa maneira, que sempre consegue o máximo de seu carro, de sua corrida, de sua estratégia.”
Os brasileiros vão além e a emoção de Alonso parece contagiar até Galvão. “A Espanha vive momento difícil, povo está sofrido e ele mesmo reconhece que o esporte pode dar alegria. Assim como aconteceu com Ayrton Senna no Brasil. É muito bonito ver um campeão chorar de emoção em um esporte em que o dinheiro fala tão alto.” E Reginaldo emenda. “É daqueles momentos de que a F-1 não esquece.”