Com um toque de compaixão, Martin Brundle, da britânica Sky Sports, lembra que as equipes decidiram três minutos antes do início da volta de apresentação que pneus colocar nos carros, enquanto o narrador David Croft observa que apenas as HRT apostaram na chuva forte. A água havia começado a cair, de leve, cerca de 10 minutos antes e pronunciava uma longa jornada para as TVs. “A água vai ser ruim para quem largar nas posições ímpares, que têm muito mais borracha”, observa Antonio Lobato, da espanhola Antena 3, enquanto seu colega Marc Gené se preocupa com os acertos de embreagem, “que agora não servem para mais nada”.
O comentarista é quem vê a ótima largada de Grosjean, já que Lobato só focava em Alonso. Na Globo, Galvão Bueno chega a ver Button pulando na frente de Hamilton, o que não acontece. “Já não se enxerga nada, coitado de quem vem atrás. Massa deve até ter perdido posições. E o Schumi rodando… bora, Schumi!”
Corrida na chuva é tão imprevisível que até as zebras escolhidas a dedo como promessas para surpreender podem ficar pelo caminho logo de cara. Que o digam Marc Gené, da espanhola Antena 3, e Martin Brundle, da britânica Sky Sports, apostando por Michael Schumacher antes do início do GP da Malásia. Quando o alemão roda na primeira volta, o inglês zomba do próprio engano, mas não se rende por completo. “Deve ter sofrido um toque. Imagino que tenha sido o Grosjean.” Os espanhóis não veem o porquê do toque. “Acho que ele tocou a zebra”, diz Gené, enquanto o outro comentarista, Jacobo Vega, acredita que o alemão se estranhou com Raikkonen, “porque Grosjean está muito na frente.”
Croft vê Senna rodando no fundo da imagem, exatamente no momento em que Galvão diz que “Senna tenta ganhar posições e Felipe deve ter perdido porque tomou muito cuidado [o brasileiro ganhou quatro].” Inclusive, quando o piloto da Williams para nos boxes, a opinião geral é de que está apenas mudando de estratégia.
Ninguém quer colocar a mão no fogo pela decisão de Sergio Perez, de colocar os full wets. “Depende do clima, mas não sei”, diz Gené. “Decisão delicada. Está chovendo muito no paddock, mas não tanto na parte de trás”, reporta Ted Kravitz para os britânicos, que logo voltam atrás na desconfiança quando Button, de full wets, passa Schumacher como um foguete. Na Globo, comemoram que Massa foi um dos primeiros a parar. “A Ferrari, que costuma errar na estratégia, acertou e ele se deu bem. A corrida pode começar a caminhar para o Button”, aposta Galvão. “Agora vamos ver quem tem mais garrafa vazia para vender.”
Os replays mostram que foi mesmo Grosjean quem tirou Schumacher da corrida. O incidente normal para espanhóis – que só comentam que o francês não passou da terceira volta em ambas as provas – e britânicos, ganha outras proporções na Globo. “Não sei se foi uma boa decisão para a Lotus. Assim foi a vida dele quando substituiu Nelsinho. É rápido, treina bem, mas não sei se consegue controlar a ansiedade “, diz Galvão, que continua minutos depois. “Se bobear, vai fracassar de novo. Não sei se já não está tomando o caminho da casa.” O narrador ganha o apoio de Reginaldo Leme. “Piloto francês, a equipe vinha procurando um piloto francês.”
Mas nada teria proporções tão díspares quanto o alarme falso da bandeira vermelha, que levou o repórter Carlos Gil aos trend topics nacionais no twitter. “É, Charlie Whiting. Apertou o botão errado ou será que foi o do lado, o Herbie Blash?”, pergunta Galvão em tom de deboche, referindo-se aos principais responsáveis pelo Race Control. O repórter, único na Malásia, intervém. “Muitos rádios e o próprio sistema das equipes caiu. Talvez tenha sido uma falha no sistema que acusou a bandeira vermelha.” O narrador reage. “Claro, Carlos Gil. Foi só uma questão de bom humor. Só uma brincadeira, já que os dois apareceram com cara de assustados. O bom humor cabe sempre”. E seguiu a transmissão respeitando sua “linha do bom humor”. É a mesma de Lobato, que diz “alguém bebeu” na hora que a mensagem some do monitor.
Na Sky Sports, o repórter Ted Kravitz fez intervenção semelhante à de Gil. “O motivo da bandeira vermelha é que caiu um enorme raio no paddock”. E, sem ser interrompido, prosseguiu. “Karthikeyan é décimo e acho que Vergne ainda está com os intermediários.”
Brundle, em Sepang, confirma a informação – “a força caiu na nossa cabine e acredito que no Race Control também” – e é outro que se impressiona com o feito do estreante: “com os outros escapando nos full wets, como o Vergne está conseguindo se segurar na pista?”
A bandeira vermelha é confirmada após algumas voltas atrás do Safety Car. Outro que se deu bem foi Perez, ainda que Galvão frise que “não adianta ter estratégia e escapar”, quando o mexicano sai da pista. “Isso é bom para ele, que estava com dificuldades em se manter na pista”, observa Vega. “Ele é bom em escolher os pneus, esse menino Perez”, vê Brundle.
A diversão das transmissões é ver o “camping” formado pelas barracas que as equipes armaram no grid. Kravitz, inclusive, informa que foram buscar a autorização da FIA para fazê-lo, ideia que surgiu após o dilúvio do Canadá, quando vários computadores foram perdidos no aguaceiro. “Todos colocaram uma tenda e a Ferrari está tão para trás que nem tenda tem. É impressionante como o centro de inteligência dessa equipe foi se desfazendo”, observa Galvão, antes da barraca vermelha aparecer. “A Ferrari está um pouco lenta com sua tenda, assim como o carro, infelizmente”, Brundle também não perdoa. Mas Gené, consultor da Scuderia, explica. “É que queríamos uma vermelha.” E Gil se vinga. “Seguindo a linha do bom humor, agora virou um circo de verdade.”
Os britânicos lamentam que era a primeira vez que viam chuva desde que haviam chegado na Malásia, enquanto Galvão explica que “chove todo final de tarde” e acredita que “tudo isso é uma grande gozação do Bernie Ecclestone. Toda corrida é às 14h e ele colocou essa às 16h porque chove. Vão falar que é pelo horário da Europa, mas sigo na linha do bom humor.” E a Globo segue a linha dos VTs. Dos 40 anos de transmissões da F-1 a quando Schumacher cedeu uma vitória a Irvine.
Enquanto isso, a Sky entrevista a chefe de Perez, Monisha Kaltenborn, que dá uma dica do que viria pela frente. Perguntada se teria algum temor de que seus pilotos se desconcentrassem, a indiana faz uma ressalva. “Com Checo, temos de ter mais cuidado, porque ele é mais temperamental.”
Reginaldo acha que alguns pilotos devem reiniciar a prova com os intermediários, ainda que a regra os impeça. Regras que também confundem os espanhóis, que não sabem – e são salvos por Gené – se Vergne poderá trocar seus pneus.
Na relargada, o comentarista espanhol não conta Perez como adversário pelo pódio. “É factível que ele perca posições”. Os britânicos apostam em Alonso com a pista molhada. Gené acha que a pista está pronta para os intermediários e se irrita com a demora do SC, mas Galvão e Lobato acham que o risco dos ponteiros entrarem é muito grande. Button é o primeiro a pagar para ver. “Arriscou muito”, aponta o narrador brasileiro.
Mas realmente era a decisão certa. E logo o pit ficou engarrafado. Preocupados com a Ferrari errar com Alonso e fazer Massa perder tempo em uma parada dupla, os brasileiros são salvos por Burti, único a ver que o espanhol superara a dupla da McLaren em uma tacada só. Os espanhóis estão em cima, inclusive observando os setores para se certificar de que seu compatriota havia passado Perez na pista. “Fernando liderando com a Ferrari! Quem diria. Mas falta muita corrida. No momento, é impressionante, sempre fazendo mágica para compensar”, Lobato controla a empolgação. “Que parada ruim! Ele passou completamente das suas marcas”, Brundle foca na parada de Hamilton.
A corrida de Button sofreria outro golpe, com um toque com Karthikeyan que surpreende a todos. “Precipitação”, diz Reginaldo. “Do Karthikeyan é que não foi culpa”, ironiza Lobato. “Ele deve ter pensado que a HRT ia sair da frente”, justifica Brundle.
Os espanhóis começam a dança da chuva. “Alonso dando uma aula de velocidade na chuva”, diz Lobato. “Uma mágica a cada curva. Estou ficando sem adjetivos para descrever o que ele está fazendo com este carro”, completa Gené. “Se ele ganhar essa corrida, deviam mudar o nome do circuito.” A empolgação do comentarista é tanta que até Lobato pede calma. “Acabamos de passar a metade da corrida.”
Para Brundle, além da liderança de Alonso, o segundo lugar de Perez mostra que o motor Ferrari “deve usar um mapeamento de motor melhor para a chuva”. Kravitz explica a consolidação da liderança do espanhol “em parte por sua habilidade, mas também porque a Ferrari tende a superaquecer seus pneus, e isso não acontece nessas condições.” E Croft se certifica de que o público está acompanhando o que está acontecendo: “vocês não estão ouvindo coisas, Alonso está liderando a corrida.” Enquanto isso, “Massa está alimentando mais umas semanas de rumores porque não tem como comparar os dois carros”, lembra Lobato.
Os espanhóis continuam desconsiderando Perez ao observar o ritmo dos rivais que podem tirar a vitória de Alonso. “Ainda que a Sauber seja rápido, calculamos que perdemos 0s7/volta para a McLaren em seco”, justifica Gené. Os brasileiros seguem na mesma linha. Quando Galvão diz que Alonso cairá quando a pista secar, Reginaldo lembra que o espanhol “já tem 12s para Hamilton” e ignora o mexicano, que, para Galvão, “parece ser um piloto muito bom, só precisa de mais tempo.”
Quando o mexicano começa a se aproximar, Lobato diz começar “a pensar que precisamos de chuva”. Os espanhóis se impressionam porque só a Sauber é mais rápido, não é Alonso que perde rendimento em relação aos demais, algo que também surpreende os britânicos. E Gené coloca os pingos nos is. “Alonso merece ganhar e Perez merece um pódio.”
Mas o mexicano está impossível e a discussão sobre a provável primeira vitória da Sauber como equipe independente [oficialmente, triunfou como BMW-Sauber em 2008, quando eram controlada pela montadora alemã] começa. Croft diz que seria a primeira vitória, Kravitz corrige, mas Brundle dá razão ao narrador. “Minha teoria é que aquela vitória é da BMW.” Discussão semelhante têm Reginaldo e Galvão, com o narrador seguindo o pensamento de Brundle, que dá mais atenção à diferença entre os pilotos da Sauber do que à ‘polêmica’: “Kobayashi é quase 2s mais lento!” Mas Lucano Burti alerta: “No mundo do automobilismo, dizemos que não pode escorregar na baba.”
Enquanto isso, Croft reescreve as regras ao dizer que eles não precisam colocar slicks “porque já usaram dois compostos de chuva”, o que Brundle sequer comenta.
“Essa corrida vai ser decidida por quem colocar primeiro os slicks”, decreta o comentarista inglês, pouco antes de Daniel Ricciardo ser o primeiro a cansar de esperar a chuva que não vinha e colocar pneus para pista seca. “Valente, porque não está tão seco”, acredita Gené. Após também titubear sobre o momento certo para fazer a troca, Brundle se desespera quando Alonso vai para os boxes e Perez não o segue. “Eles são 5s mais rápidos. A Sauber deu a chance de Hamilton entrar no jogo.”
O inglês não é o único que não se conforma. “Sauber pode ter perdido a chance de ganhar. É a história daquela equipe que não está acostumada a esse tipo de situação”, crê Reginaldo. Os espanhóis só ficam (um pouco mais) aliviados quando veem que a chuva não caiu na volta em que os líderes estavam com pneus diferentes. “Que todos entrem e esqueçam a dança da chuva. E que Alonso se aproveite do tempo que vai ganhar”, espera Gené.
O alívio aumenta quando observam que Perez colocou os pneus duros, algo que também surpreendeu os ingleses e que passou despercebido na Globo. E os britânicos procuram Hamilton à frente do mexicano quando a Sauber sai do box – e o encontram também fazendo sua troca com uma volta de atraso. “É ótimo que Sergio seja segundo porque os rivais pelo título não pontuam muito”, comemora Lobato, para minutos depois se desesperar novamente. “Madre mia, como chega!”
Até Gené se rende. “Acho que em seis voltas ele ultrapassa com facilidade porque tem mais velocidade de reta e seu pneu duro deve estar melhor no final.” E o discurso muda: agora, os dois mereciam a vitória.
Minutos depois de Brundle salientar que o ritmo das Red Bull era muito forte com os slicks, Vettel aparece lento, com traseiro esquerdo destroçado após se encontrar com Karthikeyan. “Nessa temporada as coisas não estão funcionando para ele. Ele não tinha passado completamente e fechou a trajetória”, vê o inglês. É tão devagar que às vezes o piloto não consegue evitar toque. É um absurdo um carro deste na pista”, Galvão segue outra linha. “É, as coisas mudaram para você, amigo”, diz Lobato.
Para Brundle, o GP da Malásia é o nascimento de dois heróis: Perez e Senna. Galvão também se empolga com a atuação do brasileiro, mas acha que o sétimo lugar está de bom tamanho. “Com calma, porque já está bonito. E não vale arriscar porque o Raikkonen não é flor que se cheire.”
A Sauber também parece achar que o segundo lugar está de bom tamanho para Perez e diz ao piloto: “precisamos desta posição.” Algo que Jacobo Vega ri quando ouve e acha que a mensagem é boa para Alonso. Quem questiona é Croft, perguntando a Brundle se a equipe “quer frear seu piloto”, mas o comentarista não se impressiona. “Não, é o mesmo cuidado que o deixou uma volta a mais na pista”, relembra a cautela exagerada na estratégia. “Dezoito pontos são muito valiosos para a Sauber. Por isso pediram para ele ter cuidado.” Para Gené, a mensagem não é o mesmo que pedir para segurar a posição, mas sim “quando for ultrapassar, não arrisque.”
Galvão reclama. “Ah, não fala isso…” Reginaldo também se diz contra, mas entende que “a pontuação vale dinheiro para a equipe. Mas o Sergio Perez, com uma chance dessas, tem de partir para cima!”
Não chegamos a ver a briga entre Alonso e Perez. O mexicano “coloca duas rodas na zebra”, como descreve Brundle, escapa da pista – e vê Alonso escapar de sua mira. “Pagou pela inexperiência e teve sorte de ter voltado. Alonso tira do carro o que ele não tem, mas às vezes dá uma sooorte”, observa Galvão. “Nesse caso, a gente tem de dar razão ao engenheiro, ele tem a leitura de muito mais dados”, Reginaldo volta atrás.
Os espanhóis comemoram o “oxigênio” que Alonso ganhou. “Que longo isso!” Lobato não aguenta mais, mas ainda tem fôlego para prever o futuro. “Fernando é líder e agora chegam as peças novas da Ferrari…”
Brundle também se impressiona com o espanhol. “Temíamos que eles estivessem no meio do pelotão – e estiveram – mas Alonso não desiste. Foi mais a experiência do que o ritmo que lhe deu a vitória. Imagino o que Massa vai pensar, tendo chegado 97s atrás. Imaginávamos uma surpresa hoje, mas que ela viria da Lotus ou da Red Bull.”
“Mágico” para os conterrâneos, para Galvão, o bicampeão é um misto de “iluminado”, que “salvou a pele do Domenicali”, e “marqueteiro” dentro da equipe. Mas impressionante mesmo para a dupla da Globo foi ver Peter Sauber chorar. ”Nunca imaginei que fosse ver isso.”
Perez também ganha as merecidas homenagens. “Ele se estabeleceu com todas as credenciais como uma estrela do futuro. Já sabíamos que era bom, mas agora sabemos que ele pode ganhar corridas”, acredita Brundle.
E Lobato, para encerrar a longa manhã, pede: “por favor, se alguém puder acabar com o campeonato agora, por favor o faça…. Ou não. Temos 18 corridas emocionantes pela frente. Se melhorar o carro, não tememos ninguém.”