Na perspectiva de Platão: o ‘fico’ de Mazepin e a F1 (a)política

(Joe Portlock – Formula 1)

Continuando com temas mais políticos aqui no Blog Takeover 2020/2021, o ano em que fomos quase que forçados a parar, e pensar, termina com o texto da Andréa Borges Leal. A advogada de Belém – sim, a diversidade segue sendo o eixo principal – divide com a gente como a filosofia de Platão pode ser aplicada à F1.

Até antes do início da temporada 2020 de Fórmula 1, caso alguém me perguntasse se existe política na principal categoria do automobilismo, eu responderia – sem pestanejar – que sim. Tentando provar meu ponto, eu traria à tona Ayrton Senna versus Alain Prost, a chefia de Bernie Ecclestone, a passada de pano no escândalo sexual nazista envolvendo Max Mosley, a anulação do banimento de Briatore pelo Singapore Gate, o circuito de Abu Dhabi fechando a temporada… mas, em 2020, eu me convenci de que não é bem assim, ou melhor, não é nada disso.

No curso de Direito, filosofia compõe a grade das matérias de 1° e 8° semestres. Estudamos Locke, Hobbes, Kant, Rousseau, Arendt, Stuart Mill e outros que nunca aprendi a, sequer, pronunciar. Contudo, quem me convenceu de que política e Fórmula 1 percorrem, na verdade, rotas antagônicas foi a boa e velha filosofia de Platão – aquela que estudamos ainda no ensino fundamental.

Platão (um clássico idealista, diga-se), na obra “A República”, afirma que todos os homens se consideram capacitados para exercer a política, muito embora essa seja uma arte para poucos. Em suma, a política em Platão é o meio para corrigir injustiças, que apenas se proliferam porque falsos intelectuais assumem o compromisso de administrar a pólis (cidade), sob o ilusório fundamento de que governarão em benefício de todos.

Surge, então, o que Platão designou como as quatro virtudes cardeais, quais sejam, sabedoria, coragem, moderação e justiça. Deve administrar a pólis, portanto, quem as detém, de modo que tão somente são detentores dessas virtudes os filósofos.

E vocês devem estar se perguntando o que isso tem a ver com Nikita Mazepin ou com a Fórmula 1 em geral. Eu digo: tal como na Grécia Antiga, os más administradores da Fórmula 1 se julgam filósofos.

Aliás, a temporada 2020 exigiu uma postura mais ativa de um esporte que sempre tentou se esconder das questões sociais. Enquanto um piloto negro de raízes pobres assumiu o papel de protagonista, a Fórmula 1 se utilizou de um dublê para dar a cara à tapa. Foi assim que eles passaram a falsa impressão de que todos correm como um só; de que se importam com as vidas negras; de que mulheres podem ocupar o mesmo espaço dos homens. No circo da Fórmula 1, nós, que acreditamos em todas essas falácias, fomos os bobos da corte.

Nikita Mazepin, o piloto que deliberadamente publicou um vídeo assediando uma mulher, fica. Por dinheiro, por patrocínio. Isso não é política; é corrupção de interesses. A manutenção do contrato do russo causou grande barulho nas redes sociais, mas o silêncio de uma categoria inteira (chefes, equipes, pilotos, diretores, patrocinadores, federações) nos ensurdeceu.

No dia que a Haas comunicou a permanência de Mazepin, declarando que “nenhum outro comentário (sobre o assédio) deve ser feito”, o twitter da Fórmula 1 postava propaganda sobre a F1TV. No dia que Lewis Hamilton subiu ao pódio pedindo justiça por Breonna Taylor, a FIA abriu uma investigação contra o heptacampeão.

Se houvesse política, Mazepin nem ao menos seria opção. As virtudes cardeais não permitiriam. No entanto, a Fórmula 1 não abriga filósofos. Sábios, corajosos, moderados, justos… seria uma utopia acreditar que o administrador da nossa pólis governa em benefício de todos. Talvez os filósofos sejamos nós e talvez por isso nosso lugar seja nas arquibancadas.


Enquanto Mazepin fica, todo o discurso social e representativo construído ao longo desse ano, pela Fórmula 1, vai embora. A vaga de Mazepin não significa unicamente que teremos um assediador no grid de 2021, mas indica que, não importa o esforço que fazemos para lutar pelo que é ético, esse esforço jamais será suficiente para combater o que é financeiramente conveniente.

Filósofos normalmente são tidos como loucos. E que assim seja, afinal, não estamos dispostos a dividir espaço com aqueles que não respeitam nosso espaço. Eu finalizo afirmando: a Fórmula 1 é apolítica não por ser isenta, mas por ser hipócrita.

A Fórmula 1 e seu mundo de papel

Lewis Hamilton/Twitter

Como assim dois textos no mesmo dia? Minha ideia original com o Blog Takeover era publicar 12 textos em quatro semanas, mas achei que podia agrupar alguns que dialogavam entre si e, ainda por cima, escolher 16 autores diferentes. Indo na mesma linha do Fábio, o Rodrigo Seraphin foi no âmago da questão: enquanto não doer no bolso…

Dos papéis de contrato milionários, aos papéis de bobo cada vez mais recorrentes aos fãs, o universo da F1 se constrói e reconstrói, cada dia apontando mais quem – e como – dá as cartas. Lembre-se, num universo de papel, nada mais lógico que Deus seja o papel-moeda, também conhecido como dinheiro.

Quando Hamilton se propôs a discutir ações práticas no combate às gritantes restrições de cunho racial no universo da F1 na primeira metade de 2020, parecia o inglês renegado a um papel de bobo da corte, por uma organização precária e nada midiática aos atos antirracistas antes das corridas e pelos questionamentos infundados de personalidades do esporte – brancas, é importante dizer – como Jackie Stewart ou Bernie Ecclestone, além, claro, de um silêncio conveniente de grande parte do grid com quem o britânico disputa.

Mas, se o rei dinheiro manda, os súditos o seguem. Foi a oportunidade de o marketing institucional aparecer e a FIA sequer titubeou: We Race as One pra lá, arco-íris com as equipes do circo pra cá e uma campanha que, no seu papel, parecia genuinamente ótima. Afinal, a categoria de tantas restrições criadas por pré-estruturas sociais estaria revendo seus conceitos, buscando novos horizontes, saindo cada vez mais da gestão de Bernie Ecclestone em direção ao showbiz estadunidense da Liberty.

Só que aí, a campanha de todo um ano, os discursos tão bem intencionados e o suposto suporte à sua principal estrela tiveram três grandes testes contra o Deus do papel, dinheiro. Acabariam sendo reprovados em todos eles. Acabariam FIA e a Liberty vendo seu castelo de cartas no âmbito social, frágil como um sulfite, desmoronar frente à própria palavra. Como diria o poeta, palavras ao vento.

Em Mugello, Hamilton exigia em sua camiseta justiça pelo assassinato de Breonna Taylor, mulher negra, pela mão de policiais brancos. A exigência nada mais é que sobre direitos humanos. Sobre sobrevivência. Mas ao ver o assunto tomar a frente de seus patrocinadores no quadro da vitória a FIA não vacilou e lá foi proibir “manifestações políticas” no pódio, temendo que Lewis poderia ter atitude semelhante no GP seguinte, na Rússia. Mais à frente, em novembro, a categoria que viu seu caixa ser inundado pelos petrodólares sauditas da Aramco, confirmou, para 2021, a inauguração do GP no país, ainda que o atual governo sofra e enfrente diversas sanções de cunho humanitário por políticas nada agradáveis, sobretudo contra as populações LGBT e contra as mulheres. 

Por fim, a categoria vê Nikita Mazepin comprar por cerca de 40 milhões de dólares uma vaga na Haas, e concede ao russo imediatamente um passe livre. O papel de Nikita é patético, desastroso, inconcebível para qualquer pessoa, ainda mais em condição pública e num meio com tanta formação de ídolos. Comportamentos raivosos e explosivos nas disputas na F2, comentários xenofóbicos, racistas e insensíveis à respeito da COVID-19 e assédio sexual carregado com exposição e humilhação públicas sem qualquer sinal genuíno de remorso foram todas varridos para debaixo do tapete nas últimas semanas, junto com a campanha da categoria – afinal, dificilmente qualquer mulher fã ou trabalhadora na categoria se sentirá confortável ou plenamente segura com Mazepin no paddock no próximo ano. 

A impressão que fica é que no mundo dos papéis da F1, existem protagonistas e coadjuvantes, donos da voz e aqueles que só é dado o direito de escutar. Seja como for, é um universo frágil, perigoso, que pode se esvair num sopro, num rasgar, numa gota de água, e absolutamente nada, nem uma tonelada do metal mais pesado é páreo para o Deus, dinheiro.

We don’t race as one

Quem vai abrir a temporada 2020/2021 do Blog Takeover é o Fábio Andrade, que está no Twitter como @fabyoloso. O Fábio abre essa série de textos produzidos por leitores por diversos motivos. O tema que ele discute muito bem aqui foi central em muitos dos artigos que vocês enviaram, mostrando que a F1 terá de acompanhar o ritmo de mudanças de seu novo público. E também porque o tema é diversidade e representatividade e o Fábio levanta uma bandeira importante: ser gay e curtir F1.

No início da temporada, na primeira vez que vimos as referências e as ações da campanha We Race As One, foi difícil encontrar quem não ficou arrepiado. A Fórmula 1, um esporte historicamente pautado no fetiche do dinheiro e que, por tantas vezes, não ligou de correr em meio à ditadura no Brasil e na Argentina – tampouco se furtou de disputar provas no apartheid sul-africano – modernizava seu discurso, enfim.

“Corremos como um só”, dizíamos, animados com atos de repúdio ao racismo em todas as corridas, lindos arco-íris e easter eggs da campanha nos carros, embalo na popularidade e no engajamento de uma estrela do quilate de Lewis Hamilton.

A expectativa era de que a Fórmula 1 estivesse marcando um golaço. A categoria nunca tinha feito muito esforço para pensar e agir de forma menos elitista. Pilotar carrões superpotentes era uma das principais expressões do “ser homem” no século XX e não foi por acaso que a maior categoria do automobilismo mundial sempre foi um território do homem branco, com dinheiro para financiar suas aventuras, corajoso ou insano o suficiente para fazer isso por esporte, mas sempre percebido pela opinião pública como destemido, viril, forte e, por isso, admirável.

Era a Fórmula 1 com as neuroses próprias do seu tempo e à imagem e semelhança do homem de baixa estatura que a tornou grande: Bernie Ecclestone.

Mas o mundo mudou. Gerações passaram e vimos um piloto negro chegar ao esporte há pouco mais de uma década. Era um Lewis Hamilton tímido, inseguro de si, entrando pela porta da frente na Fórmula 1 apoiado desde a infância pelo campeoníssimo time da McLaren.

Que referências esse Hamilton tinha de seus iguais em posição semelhante a sua no passado? Em quem com uma história parecida poderia buscar referências? Quais companheiros, entre pilotos, engenheiros e mecânicos brancos poderiam comungar com ele dos códigos do subúrbio metropolitano de Londres, onde nasceu e cresceu?

Em qualquer dimensão da vida, ter referências, ouvir histórias contadas pelos seus, sentir que o seu local e a sua gente fazem parte do contexto pretendido, todos esses são fatores decisivos para novas gerações almejarem atingir um objetivo.

Para entender, basta fazer um exercício simples: teria sido factível para Piquets, Sennas, Barrichellos, Massas, Morenos e afins se imaginarem como pilotos de Fórmula 1 – esse esporte busca dinheiro em toda parte do mundo, mas que tem orgulho de ser um negócio dos europeus –  sem que antes um Landi chegasse e um Fittipaldi ganhasse, mostrando que era possível?

Enquanto você reflete, o mundo segue mudando. Ele mudou desde que Hamilton estreou. Se não tinha referências para si mesmo, o britânico tratou de as criar por conta própria. Seu vestuário fala por si e é um choque se comparado aos looks cleans de quando começou na McLaren. Se nos primeiros anos de F1 a aparência de Hamilton parecia quase um pedido de desculpas por ser negro e estar naquele lugar, à medida que foi ganhando corridas, títulos e confiança, o britânico pareceu fazer cada vez mais questão de deixar claro quem ele era.

Seu modo de abordar a Fórmula 1 também é inédito: é piloto profissional, enquanto cuida de sua marca de roupas e se reúne com seus amigos da música com inúmeras escalas nos Estados Unidos sem deixar de entregar resultados excelentes (e que também falam por si) na pista.

E, à medida faz tudo isso, ganha notoriedade, que somada a seu carisma, dá a Hamilton o status de estrela, uma estrela que sabe bem o peso que seus atos e falas têm dentro e fora da Fórmula 1. Ciente de tudo o que criou, este homem se torna um piloto-celebridade, conseguindo se equilibrar perfeitamente entre os dois universos.

Mas, ainda assim, Hamilton simplesmente “não está certo”. Tem quem encontre espaço para contestar o maior piloto da história em números, o único que venceu corridas em todas as temporadas que disputou e que é dotado de uma regularidade e constância invejáveis.

Suas roupas e seu cabelo não condizem com o de um campeão, dizem muitos, como Bernie Ecclestone, essa figura que não é um anjo. “Ele não parece um piloto de corrida”, “ele não é como Piquet ou Schumacher”, prossegue o ex-comandante da Fórmula 1, com sua habitual metralhadora semi automática de palavras.

Mas o mundo seguiu mudando e o século XXI felizmente chegou. Bernie não comanda mais a Fórmula 1. No entanto, Lando Norris ainda é criticado publicamente por fãs por não reproduzir o comportamento do machão de gangue exibido por pilotos até outro dia, tendo até sua sexualidade questionada por isso. Hamilton é tolhido pela FIA ao manifestar sua indignação pelo assassinato de Breonna Taylor, enquanto nada acontece com o assediador de mulheres Nikita Mazepin, que vai estrear na Haas sem qualquer espécie de reprimenda formal após o vídeo que registra seu abuso contra uma mulher dentro de um carro se tornar público.

E, então, precisamos voltar a Bernie. Em seu pensamento equivocado, o britânico não deixa de expor um fato incômodo: we don’t race as one coisíssima nenhuma.

Bernie nunca foi muito afeito a campanhas de marketing. O velho britânico é um dinossauro ainda vivo no campo das ideias, mas em uma coisa não errou: não há marketing que sustente um blefe. Apesar do grande empurrão que Hamilton começou a dar na modernização da imagem do esporte, não se livra em poucos anos a Fórmula 1 do rótulo – que dura décadas – de um dos esportes mais elitistas e excludentes do planeta com uma campanha de marketing bonitinha.

Entre o que a Liberty deseja que a Fórmula 1 seja e o que ela ainda é, há um abismo que a nova dona da categoria não parece saber como solucionar. E que não vai se resolver tão cedo, porque não há como correr como um só enquanto o modelo comercial da categoria continuar fazendo equipes pequenas serem totalmente dependentes de qualquer dinheiro que surja, mesmo que de origem duvidosa.

Mesmo que de um flagrante abusador de mulheres.

Falar que corremos como um só é bonito, agrada aos acionistas e patrocinadores de Chase Carey. Mas, para a frase deixar de ser só um jogo bonito de palavras, precisamos tirar Bernie do comando da Fórmula 1. Sim, ele já saiu na prática, mas o comando da categoria no plano simbólico pouco mudou. O “modus operandi” da Fórmula 1, na prática, ainda é o mesmo de Bernie, com uma carpintaria mais refinada aqui e acolá.

Mulheres, negros, pessoas LGBT+, com deficiência e todos os demais grupos minorizados são raras no ambiente da Fórmula 1. Em que momentos da transmissão a gente vê representantes desses grupos nos boxes? E nas arquibancadas?

Para que esses grupos possam, de fato, dar alguma credibilidade e levar a sério o discurso que a Fórmula 1 tenta encenar, é preciso que eles se vejam lá. Como Hamilton precisava no início de sua carreira. Nenhuma pauta identitária se faz só com frases bonitas e atos isolados como a campanha We Race As One quer nos fazer acreditar ser possível.

Enquanto a Fórmula 1 não compreender isso, nós não correremos como um só. E Bernie continuará no comando da categoria.

Este espaço é seu também

Uma pergunta que vira e mexe eu recebo é “qual curso eu deveria fazer para começar a trabalhar na área?”. Foram tantas vezes que eu até pensei em, eu mesma, criar um projeto deste tipo para ajudar essa nova geração que vejo chegando em peso especialmente de uns dois anos para cá no mundo da F1. 

Enquanto me falta tempo para levar essa ideia adiante, o mínimo que posso fazer é dar espaço. Sei que muitos de vocês já estão produzindo seu próprio conteúdo em blogs e no YouTube e é uma grande notícia. Costumo dizer que a melhor coisa que fiz na faculdade de jornalismo foi começar a trabalhar logo no segundo ano. Os grandes aprendizados não vieram na teoria.

Então, pelo segundo ano (aqui os textos do ano passado), estou abrindo esse espaço para quem tiver algo legal e diferente para dizer. Não precisa ser jornalista e não há muitas regras em termos de formato. E aí vai a primeira lição: o texto ou o vídeo vai ser do tamanho do que você escolheu como tema. Tentar alongar só para chegar num número de palavras ou tentar colocar um tema que renderia uma enciclopédia em um texto só é o começo para um conteúdo desinteressante ou vazio.

Vocês notaram que falei em vídeo: sim, o formato é livre, podendo ser em vídeo também. É só me mandar um WeTransfer da vida e, se o vídeo for selecionado, vemos onde é melhor subir.

Houve algumas dúvidas também se só vale textos sobre F1. Não, necessariamente. Mas é legal que tenha algum tipo de relação, até por conta do público-alvo do blog.

A regra mais importante é que o material seja original, e gostaria que vocês se perguntassem “o que não é feito por aí e eu gostaria de ler/assistir”?

Vamos aos dados práticos: serão 12 textos/vídeos escolhidos e o prazo é até dia 26, ou seja, o próximo sábado. Os textos ou vídeos devem ser mandados para o juliannecerasolif1@gmail.com.

E mãos à obra!

(O SC que matou a) Estratégia do GP de Abu Dhabi

F1 Pool

O GP de Abu Dhabi é daqueles que já começam sem muitas saídas para os estrategistas. Perde-se muito tempo na saída dos boxes “enjoada”, a única que em que se passa por um túnel. Mesmo com a zona de DRS dupla, é difícil chegar próximo de um carro cuja performance é parecida. Ao mesmo tempo que, por essa zona de DRS dupla começar depois de um grampo, se seu pneu estiver muito desgastado, sua tração será tão ruim que será difícil defender. E, por fim, com o asfalto liso e a corrida noturna, não é tão difícil evitar o superaquecimento e cuidar dos pneus para fazer só uma parada.

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Alguma coisa poderia mudar esse cenário? Talvez um Safety Car com umas 15, 10 voltas para o final, como aconteceu com outras corridas que pareciam decididas, como Imola ou mesmo Sakhir. Algo que gerasse a dúvida: ‘arrisco ficar com os pneus duros frios na relargada ou faço a troca?`, e respostas diferentes a essa pergunta.

O Safety Car apareceu. Mas na hora errada: dentro da janela na qual a “bola de segurança” seria entrar, colocar os duros, e só administrar até o final. O pior dos cenários para o GP que encerrou uma temporada que foi muito melhor do que isso, até porque neutralizou as jogadas diferentes – largar com os duros ou com os médios. A não ser no caso de um piloto. Mas vamos por partes.

Quando o motor novinho de Sergio Perez apresentou a mesma falha que lhe tirou o pódio do GP do Bahrein duas semanas antes, na volta 9, e logo ficou claro que seria necessária a entrada de um trator, foi a dica para as equipes de que seria um SC, e não somente um VSC, e quase todos entraram. Dos 19 pilotos que estavam na pista 14 não só fizeram a parada, como colocaram o mesmo composto. 

Então, além de Abu Dhabi ser Abu Dhabi, o SC significou que as estratégias estavam engessadas também.

Isso porque a corrida tinha começado com algumas alternativas, apesar de tudo. Os três primeiros largaram com o médio e fariam a melhor estratégia (médio-duro). A única dúvida era a respeito do ritmo da Red Bull, embora Max Verstappen tenha colocado 2s2 em Valtteri Bottas em duas voltas e a diferença não diminuiu depois disso. Quando Bottas ouviu o pedido de forçar (para ficar perto o suficiente de Max e tentar o undercut), e possivelmente visando um ataque 2 x 1, com Valtteri chamando Verstappen para o box e Hamilton fazendo o overcut, alongando o stint, o piloto da Red Bull imediatamente respondeu, mostrando que tinha ritmo.

O SC significou que não tivemos a chance de ver se a Mercedes sequer tinha condições de fazer isso. Depois que todos estavam nas mesmas posições, com Max primeiro, Valtteri segundo e Lewis terceiro, e com os mesmos pneus, as Mercedes, que aparentemente correram com uma limitação de potência por todo o final de semana, diminuíram ainda mais o ritmo e o pódio estava definido.

Mais atrás, no SC, a Ferrari tentou algo diferente com Leclerc, basicamente pela falta de opções (a explicação oficial foi evitar tráfego): ele estava com o pneu médio, mas ainda assim não parou. E terminou atrás da Alfa de Kimi Raikkonen, que se defendeu da Ferrari como se lutasse pelo campeonato. Já Vettel esteve entre aqueles cuja tática de largar com os duros perdeu um pouco de força com o Safety Car, já que ele estava atrás demais para conseguir andar sem trânsito, como esperava fazer assim que todo mundo parasse em uma corrida um pouco mais normal.

Mais na frente, Ricciardo conseguiu isso: ele era o líder entre os que largaram com os duros (Vettel e Magnussen eram os demais), então acabou se colocando em primeiro entre os que não eram Mercedes ou Red Bull após a relargada, conseguindo, assim, fazer o próprio ritmo e cuidar dos pneus. Foi parar somente com 16 voltas para o fim, caiu para sétimo e parecia, até, que poderia lutar com as McLaren no final, se os pneus deles perdessem rendimento. Mas nem isso Abu Dhabi proporciona. Talvez com um asfalto tipo o do Bahrein, mais abrasivo, a história seria um pouco diferente.

Para Ricciardo, o sétimo posto acabou de bom tamanho para quem largou em 11º, e ainda por cima em Yas Marina. Ele acabou sendo o piloto que mais avançou, ganhando quatro posições na corrida. Mas não fez nenhuma ultrapassagem de verdade: estava com ritmo melhor que o de Ocon, que recebeu ordem para abrir, e depois superou as duas AlphaTauri e Stroll só pelo ritmo que conseguiu manter quando estava correndo de cara para o vento: até o piloto que mais ganhou posições não teve uma tarde das mais animadas.

Na luta pelo terceiro lugar entre os construtores, prevaleceu a ótima classificação dos dois pilotos da McLaren – Norris em quarto e Sainz em sexto – embora Lando tenha dado sorte com o SC, já que acabou com seus pneus macios nas primeiras voltas e fatalmente teria de antecipar sua parada. Já Sainz tinha conquistado, no Q2 no sábado, a vantagem de largar com os médios, mas acabou não podendo aproveitar algo que poderia ter lhe dado o quarto lugar. Na verdade, isso é algo difícil de cravar, uma vez que Alex Albon disse que finalmente se entendeu com o carro. Ele teve a menor diferença em relação a Verstappen em classificações no ano, passou Norris no começo da corrida e, também de cara para o vento, fez seu ritmo e quase colocou pressão em Hamilton no final. Na base do antes tarde do que nunca, fez uma prova até mais consistente do que seus pódios logo no último GP.

F1 Pool

Abu Dhabi foi, ainda, a segunda corrida de Pietro Fittipaldi na F1. Ele conseguiu se colocar na briga com a Williams no começo, andando no ritmo de Magnussen com a outra Haas até o SC. Ele entrou e o companheiro, com duros, não, mas um pit stop 5s mais lento o devolveu à pista atrás de Latifi, em último. Para completar, as duas Haas sofreriam com um problema de superaquecimento, e o brasileiro seria o único a fazer três paradas – Magnussen fez duas. Ainda assim, terminou a cerca de 20s do dinamarquês e fechou dois finais de semana sem erros graves e com uma evolução sólida. Um excelente trabalho para quem não andava em uma competição de alto nível fazia mais de dois anos.

Drops do GP de Abu Dhabi: Hamilton de volta, Nikita, GP Brasil

Dizem que em time que está ganhando, não se mexe (Foto: Mercedes)

Chamou a atenção a reação de Lewis Hamilton a ter George Russell em seu carro. Na quinta-feira em Sakhir, os repórteres da Fleet Street (rua famosa por ter vários jornais diários, principalmente os tabloides) tentavam tirar de George informações sobre alguma conversa entre os dois sobre a chance que o piloto de 22 anos teria. Ficou claro que ele tentava se esquivar sem causar uma má impressão, citando uma conversa após a corrida de Imola.

Ao longo do final de semana, George disse que Lewis tinha mandado uma mensagem falando: “Cuide bem do meu carro”. Em Abu Dhabi, nada (de acordo com o próprio George). Depois, foi óbvio o esforço do heptacampeão de voltar o mais rápido possível. Imagine como seriam os meses de especulação, sem muita notícia de verdade na F1, se Russell vencesse em Abu Dhabi? Até mesmo para mostrar seu comprometimento para a equipe e patrocinadores enquanto acerta os detalhes do novo contrato, ele não daria essa chance. 

Isso, claramente sem estar totalmente recuperado, mas a equipe deixou nas mãos dele a decisão de voltar ou não. Não deve ter sido uma decisão fácil. Quem teve covid sabe que você tem, algumas vezes, a sensação de estar recuperado, até seus níveis de energia se esgotarem de uma hora para a outra. É difícil julgar.

De qualquer maneira, em Abu Dhabi, Hamilton seria perguntado sobre Russell na quinta, mas ainda estava lidando com as várias regras de Bahrein e Abu Dhabi – que foram flexibilizadas para ele, como adiantei aqui semana passada. Na sexta, só um jornalista (Will Buxton) fala com ele, por uns dois minutos, mais sobre o treino livre. No sábado, seria a primeira chance. E ele saiu em defesa de Bottas, dizendo que o finlandês o pressiona na pista e tem uma relação muito profissional com ele fora dela. E ainda deu uma alfinetada. Quando Verstappen estava falando da volta dele, jogou, do nada, um “essa pista é bem mais difícil do que a da semana passada!”. E o holandês concordou.

Hamilton estaria preocupado em perder a vaga ou todo o prestígio que construiu em oito temporadas na equipe? Óbvio que não. Num esporte contado nos milésimos de segundo, qualquer milímetro é brecha. E ele a fechou.

A temporada foi bem mais curta mas o ano foi tão “longo” que deu tempo de a McLaren ir do pedido (negado) de um empréstimo milionário na Inglaterra até a venda de ações do time para um grupo de investidores norte-americanos, a MSP Sports Capital, que também investe na NBA, MLB, ESPN, entre outros. Eles ficarão com 15% da equipe inicialmente, e chegarão a 33% das ações em 2022. 

Eles começaram o ano como uma das três equipes mais ameaçadas do grid, juntamente com Williams e Haas. A Williams acabou encontrando (também na América) um comprador, e a Haas acabou se rendendo ao investimento de Mazepin. É por isso que, quando perguntado por Andrew Benson, da BBC, de forma muito bem colocada, quais seriam as consequências para Nikita tendo em vista que “um comportamento desses levaria à demissão em qualquer empresa séria”, Guenther Steiner não tinha muito a dizer. Pilotos perderam o emprego por menos porque os patrocinadores retiraram o apoio. O papai não vai fazer o mesmo.

De qualquer forma, o silêncio da grande maioria dos jornalistas brasileiros nas mídias sociais foi notado. No mundo mais civilizado, não foi assim.

Por fim, vocês notaram que o GP do Brasil não foi confirmado pela F1? Ao que parece, o calendário de 2021 ainda está no forno (e não tem outro jeito mesmo, já que também será um ano de pandemia, com a diferença que o mundo dos eventos esportivos aprendeu a lidar melhor com ela). Sobre o Brasil, o que o governo de São Paulo tinha informado era que o contrato seria assinado após a eleição. Mas estava realmente estranha aquela história de uma negociação relâmpago, já que havia muitas arestas entre F1 e Interlagos. São estas arestas que estão sendo aparadas ainda, embora haja um acordo em princípio e o mais provável é que a corrida siga adiante. Com Austrália e China ainda com fortes restrições para quem vem de fora e a grande dúvida do Vietnã, depois de se virar para conseguir fazer 17 provas em 2020, um feito e tanto, o pessoal da Liberty não vai ter muito refresco nos próximos meses.

(Vindo do futuro para atualizar, no final das contas minha informação estava alguns dias atrasada. O contrato foi assinado logo antes do GP de Abu Dhabi. Mas de qualquer maneira havia, mesmo, arestas a serem aparadas e por isso houve esse mês a mais de negociações)

GP de despedidas

Ferrari

O GP que encerrou a temporada 2020 da Fórmula 1, e que teve vitória de Max Verstappen, foi marcado por muitas despedidas e mensagens de agradecimento. E a mais marcante acabou sendo justamente na relação que termina com mais decepções: Sebastian Vettel teve o cuidado de compor a letra de uma música, em italiano, carregá-la escrita em um papel consigo durante a corrida e cantá-la via rádio para a equipe após cruzar a linha de chegada em um melancólico 14º lugar.

A canção foi escolhida a dedo: “Azzurro”, famosa na voz de Adriano Celentano, é uma música dos anos 1960 que acabou virando quase um segundo hino italiano e é muito usada em comemorações esportivas. Na versão de Vettel, ele diz que ter gostado de estar com a “equipe vermelha apaixonada”, e que “sentir a energia do time foi uma sensação extraordinária.” Agradeceu a todos os funcionários e desejou que “sejam felizes e estejam com saúde.”

O alemão explicou por que decidiu encerrar sua carreira na Scuderia dessa forma. “Toda vez que eu tinha um bom momento com a Ferrari, por algum motivo, começava a cantar. Então achei que seria uma boa maneira: cantar pela última vez. E a música que escolhi é muito popular. Mudei a letra, então tomara que não tenha problemas com os direitos autorais!”, brincou. “Achei que era uma boa maneira de agradecer à equipe.”

A corrida de despedida depois de seis temporadas, 55 pódios, 14 vitórias e 12 poles positions foi um desenho da temporada, com Vettel largando fora do top 10, e terminando sem pontuar mesmo com uma estratégia diferente. O tetracampeão irá para a Aston Martin no ano que vem.

A despedida mais dolorosa, contudo, foi de Sergio Perez, que vai sair da equipe, que hoje é a Racing Point, para dar lugar a Vettel. O mexicano largou em penúltimo por ter trocado de motor e foi justamente a unidade de potência que falhou logo no início da corrida e fez com que a história do piloto na equipe terminasse com um abandono. E a emoção de alguns mecânicos com o resultado é fácil de explicar: todos queriam que Perez tivesse um bom resultado em sua última prova (que também pode ser sua despedida da F1) especialmente depois que o piloto foi fundamental para salvar a equipe no processo de administração de 2018.

Fora da F1 ano que vem, Kevin Magnussen e Daniil Kvyat também saíram do GP de Abu Dhabi sem pontos. O dinamarquês, penúltimo, aproveitou para dar zerinhos com a Haas e disse que estará torcendo pela equipe no futuro. E o russo agradeceu por “mais uma temporada intensa” na AlphaTauri. Ele não fez uma despedida oficial porque sua saída não foi confirmada, mas a expectativa é de que seu cockpit fique com o japonês Yuki Tsunoda.

Adeus com festa para Sainz

McLaren

Daniel Ricciardo também foi bem em sua última corrida pela Renault. O australiano, que vai ocupar a vaga de Sainz ano que vem, largou em 11º e terminou em sétimo. E de quebra, deixou uma última boa impressão na equipe: “Eu forcei muito para fazer a volta mais rápida, para que a minha última volta na Renault fosse a volta mais rápida da corrida, e consegui”.

A temporada da Fórmula 1 acabou tendo 17 etapas ao invés das 22 inicialmente previstas por conta da pandemia. Mas a categoria tem planos ambiciosos de fazer 23 provas ano que vem, começando em março na Austrália.

Turistando na F1 e 10 coisas que você não sabia sobre Abu Dhabi

Julianne Cerasoli

Não é sempre que a F1 visita lugares cuja história é mais recente que a do Brasil pós-colonização, não é verdade? O GP de Abu Dhabi é um dos poucos exemplos, como a corrida em Melbourne ou Austin, por exemplo. Ao mesmo tempo, é um lugar bem diferente, embora o prefeito de Cabo Frio tenha feito lá suas comparações!

Já falei por aqui dos pratos, de como é o clima do lugar e quanto sai ver uma corrida no GP que tem o ingresso básico mais caro de toda a temporada. Agora vamos de curiosidades no encerramento da quarta temporada do Turistando.

Enquanto Dubai é o mais conhecido dos emirados, Abu Dhabi é o mais raiz, e muito mais antigo. O local se tornou parada de beduínos na segunda metade do século XVIII, quando Dubai, que é mais ao norte, sequer existia. Os dois lugares evoluíram no final do século XIX devido ao comércio de pérolas, mas depois decaíram. Só voltaram a crescer depois da descoberta do petróleo. Em Abu Dhabi, isso ocorreu em 1958 e em Dubai, oito anos depois. Aliás, Abu Dhabi não é em Dubai, nem Dubai é em Abu Dhabi. Ambos são emirados, que fazem parte do país chamado Emirados Árabes Unidos. São sete no total e Abu Dhabi é, de longe, o maior deles. Porém, muito de sua área é desértica.

Mas quanto petróleo existe por lá? Abu Dhabi tem 23 VEZES mais petróleo que Dubai. Na verdade, pode até ser mais porque, no final de novembro, eles descobriram o equivalente a 22 bilhões de barris, o que é bem mais do que o Brasil tem no total. No ritmo atual de consumo e não descobrindo mais nada, eles terão petróleo por mais 150 anos pelo menos.

Numa sociedade cuja riqueza vem do petróleo, quem diria que Abu Dhabi terá uma cidade com capacidade para 40 mil pessoas, 100% sustentável? O projeto era para 2025 e está atrasado devido à covid, mas mostra bem como esses países ricos do Oriente Médio estão dando uma repaginada na imagem – basta ver como a Arábia Saudita passou a se abrir para eventos ocidentais: essa “cidade do futuro”, chamada Masdar vai ter 220.000m2 e terá painéis solares gerando 17000 horas de megawatts por ano, o que é mais que o suficiente para uma cidade dessas dimensões. Além de petróleo, sol não falta por lá, afinal.

Falando em novas cidades dentro do emirado, a cada ano que voltamos para o GP, há algum empreendimento diferente. Quando a ilha artificial de Yas foi feita para ter a pista de F1 e o parque Ferrari World, não havia mais nada, só um ou outro hotel nas redondezas. Hoje há um shopping gigantesco, o Yas Mall, um parque aquático, outro da Warner Bros e inúmeros condomínios. Foram gastos 40 bilhões de dólares na ilha.

Falando no parque da Ferrari, vou colocar um item aqui que não tem a ver com curiosidades de Abu Dhabi em si, mas é de alto teor cômico. Não poderia deixar esse vídeo morrer. Repare aos 25s, quando o Alonso, além de estar odiando o maldito evento promocional, ainda perde tudo o que tinha no bolso! 

A gasolina é muito barata – menos de 60 centavos de dólar. Então por que não gastar dinheiro na placa do seu carro? A mais cara do mundo é lá de Abu Dhabi: custou 14.3 milhões de dólares para um cidadão ter a placa simplesmente com o número 1. E nada mais.

Nas quatro oportunidades em que estive em Abu Dhabi, notei uma grande quantidade de taxistas somali nas ruas por lá, atraídos pela possibilidade de ajudar financeiramente suas famílias (ainda que quase todos com que conversei odiarem o lugar) ao mesmo tempo em que vivem em um lugar em que religião e costumes não são tão diferentes dos seus. Mas a grande maioria dos imigrantes de lá vem principalmente da Índia e do Paquistão. São eles que levantam os arranha-céus dos emirados, muitas vezes em condições péssimas de trabalho. Os imigrantes, inclusive, são 20% da população do país, uma das maiores porcentagens do mundo. 

Dá para ir na praia em Abu Dhabi, de biquíni, no estilo ocidental. Mas não em qualquer lugar. Uma opção são os próprios hotéis, que têm praias particulares, ou na praia pública, em que há algumas regrinhas. Por exemplo: há uma área reservada para mulheres e crianças, em que homens só podem entrar acompanhados de mulheres. E já fiquei em hotel por lá em que eu tinha de cobrir pelo menos os ombros o tempo todo e em que as piscinas e academias eram separadas entre homens e mulheres. Lá dentro, elas treinavam com roupas como as que usamos no ocidente, mas só saíam para as áreas comuns com abayas, geralmente pretas. Mas era um hotel que servia como clube para os militares, então era mais conservador.

Essa sou eu tentando tirar foto da enorme e maravilhosa mesquita

Falando em vestimentas, costumo matar tempo em aeroportos no Oriente Médio tentando aprender mais sobre elas. Com o tempo, dá para tentar adivinhar de onde vem a pessoa de acordo com como ela cobre a cabeça, as cores usadas, etc. No caso dos homens emirati, geralmente é tudo branco – aliás, é um grande mistério como tudo fica tão limpo no meio de tanta areia! – até mesmo a ghutra ou keffiyeh (o tecido que vai na cabeça para proteger do sol e da areia). Já a maioria das mulheres usa apenas o hijab (cobrindo o cabelo), mas algumas cobrem, com preto, o cabelo e o rosto, deixando os olhos de fora (geralmente com muita maquiagem). A burca mesmo (que é sempre de um tom mais claro de azul, com tipo uma renda que cobre o rosto) devo ter visto uma ou duas vezes em aeroportos, já que é vestimenta afegã e bem rara nessa região.

Abu Dhabi é famosa por ter caixas eletrônicos de ouro. É isso mesmo. Você paga no cartão ou com dinheiro, e sai com uma barra de ouro. Hoje há outras cidades, como Londres, que têm o serviço, mas ele começou lá nos emirados há cerca de 10 anos. Eu nunca vi – elas não devem estar nos lugares que freelancers frequentam!

Estratégia do GP de Sakhir e como Perez ganhou saindo de último

“Depois da sexta-feira, já sabíamos o que fazer”. Ir para o GP de Sakhir já tendo decidido fazer uma parada foi fundamental para o resultado da Racing Point, como explicou Sergio Perez. O foco era pontuar mais do que as rivais diretas na luta pelo terceiro lugar entre as equipes. A vitória (e o pódio duplo para o time) foi o resultado de uma série de circunstâncias – uma delas, inclusive, que ao mesmo tempo atrapalhou e facilitou a própria vitória do mexicano.

Ao final da primeira volta, ele se viu em último lugar, após toque com Charles Leclerc, pelo qual o monegasco foi punido com a perda de três posições no grid do GP que encerra a temporada. Foi um lance que acabou tirando um rival da Racing Point (o ferrarista) e um piloto que teria um ritmo muito maior (Max Verstappen, que não encontrou aderência do lado de fora da pista para controlar seu carro), e fez com que Perez pudesse usar a melhor estratégia da prova: fazer o primeiro stint com os médios e o segundo com os duros. E também fez com que, no fundo do pelotão, ele conseguisse adotar um ritmo tão rápido quanto o grupo do meio, enquanto todo mundo estava limitado um pelo outro, atrás do trenzinho de Sainz. Então, antes mesmo de as paradas começarem, na volta 26 (desconsiderando a parada antecipada de Norris), ele já estava em nono e tinha perdido só 11s em relação a Sainz.

Como a Racing Point já entrou na corrida decidida a fazer apenas uma parada, isso significava que o time sabia, naquele momento, que estaria na frente de todos os que parariam duas vezes. Restava saber quem eram eles. Albon e Ocon eram os grandes candidatos, já que tinham largado, fora do top 10, com pneus médios: Perez tinha passado Albon e Ocon estava logo à frente dele. Em sexto, Stroll estava tentando a mesma estratégia de uma parada, mesmo tendo largado com os macios.

Foi então que os carros começaram a sair da frente das Racing Point: Sainz, Ricciardo, Gasly, Kvyat estavam, como esperado, numa tática de duas paradas. Na volta 40, Stroll liderava a corrida do meio do pelotão e era terceiro na pista, com Ocon atrás e Perez em “terceiro”. O mexicano, então, estendeu seu stint.

Quando voltou à pista, com pneus seis e cinco voltas mais novos que seus rivais, passou Stroll e Ocon e se colocou em terceiro na corrida de verdade e em primeiro na corrida do meio do pelotão. De motor mais velho mesmo (já que o novo quebrou no GP do Bahrein e a opção do time foi por usar um velho e não levar punição), e com o assoalho também antigo.

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Estamos na volta 61 de 87: lá na frente, George Russell vivia uma corrida dos sonhos. Mesmo sem estar totalmente adaptado ao carro, cuja frente é tão presa, gerando tanta aderência, que ele até tinha dificuldade de saber como contornar as curvas da melhor maneira, o fato de ter tomado a ponta na primeira curva tinha o colocado na melhor situação possível. Poderia ditar o ritmo, o melhor cenário para cuidar dos pneus e ganhar de ponta a ponta logo na sua primeira oportunidade numa equipe grande, como Max Verstappen também conseguiu, embora num contexto um pouco diferente.

A Mercedes fazia a melhor estratégia para corrida, e a mais segura também: médios no primeiro stint, duros no segundo para ir até o final sem sustos, usando o único jogo de pneus novo que tinha à disposição para ambos os pilotos. Bottas estava apostando no ritmo com pneu duro, que sabia ser melhor que o de Russell, então ficou mais tempo na pista com os médios, planejando dar o bote nas voltas finais, com borracha mais nova. 

Quando Jack Aitken, ironicamente, no carro de Russell, tocou no muro e perdeu a asa dianteira, trazendo um Safety Car para a pista, o inglês liderava com 5s de vantagem para Bottas, e a dupla da Mercedes tinha 40s de vantagem para Perez. Não havia muito o que pensar: 5s era tempo suficiente para fazer uma parada dupla e, mesmo se houvesse algum atraso com Bottas, a dobradinha estava garantida tamanho a vantagem para o terceiro. Ficar na pista com os duros e arriscar que eles perdessem temperatura atrás do SC, prejudicando os pilotos na relargada, não fazia sentido algum. E eles sabiam que seria um SC longo, já que sete retardatários tinham voltas para recuperar. Para Perez e Ocon, que também estavam com os duros, isso significaria perder posição de pista, então a decisão foi arriscar não parar (no caso de Perez, era uma decisão ainda mas fácil, depois que o time tinha perdido um pódio em Imola justamente por cometer exatamente este erro).

No pitwall da Mercedes, os dois lados da garagem foram avisados para trazer os pneus médios para as paradas. Mas George estava falando com o engenheiro no mesmo momento em que a mensagem foi passada para os mecânicos, que não ouviram o primeiro chamado. Parece ser mais um exemplo (assim como o que ocasionou o chamado a Hamilton em Monza, com o pitlane fechado) de um sistema mal implementado na Mercedes, já que uma mensagem não deveria influir na outra.

Com esse atraso, foram os pneus de Bottas que chegaram primeiro. Russell fez a parada normalmente, e só quando Bottas estava trocando seus pneus o mecânico do dianteiro esquerdo parece ver que está colocando o pneu com a inscrição lateral de GR no carro de VB. A única solução é recolocar os duros usados no carro de Bottas e chamar Russell de volta aos boxes para que ele use seus pneus, e não os do companheiro.

Isso, geralmente resultaria em uma exclusão do resultado do piloto, mas a FIA usou o bom senso e aplicou a mesma linha de pensamento de quando compostos diferentes são misturados numa parada: se o time reverter em menos de três voltas, não há punição esportiva. E levou em consideração que foi um erro, que prejudicou o resultado da equipe, e não algo intencional.

Mesmo assim, a corrida não estava perdida para Russell. Com duas paradas sob o SC, ele estava em quinto, atrás de Bottas, que se apoiou no fato de estar com os pneus duros frios para se render. Que ele seria mais lento que Russell na relargada, era claro, mas a maneira como teve 18 voltas para reagir com o melhor carro do grid (e os mesmos compostos de Perez e Ocon lá na frente) e terminou só em oitavo dá a medida do quão entregue ele está. Bottas definitivamente é um piloto melhor do que tem sido de metade do campeonato para cá.

Começou a parte impressionante do fim de semana de Russell: mesmo com toda a decepção, ele não tirou os olhos da vitória, nem estava esperando chegar na curva 1 para fazer ultrapassagens, e em cinco voltas tinha pulado para segundo e estava à caça de Perez. Mas talvez sua própria agressividade nas manobras tenha feito com que ele pegasse algum detrito no pneu, que causou uma perda lenta de pressão, algo não raro para a Mercedes neste ano (que o diga Bottas!). Voltou em 15º com oito voltas para o fim e chegou em nono, com a volta mais rápida da prova.

Como 2020 não é o ano dos contos de fadas, no alto do pódio Perez vibrava sem saber se essa seria sua última chance de vencer na F1, e Russell lamentava os primeiros pontos que tanto perseguiu na categoria.

Drops do GP de Sakhir da despedida de Grosjean à ascensão de Russell

“Fiquei decepcionado que vocês não me recepcionaram com um arco de fogo”, brincava Romain Grosjean, de volta ao paddock na quinta-feira, quatro dias depois do terrível acidente do GP do Bahrein. Ele tinha algumas missões por lá. Queria, obviamente, encontrar o médico e o piloto do carro médico que ajudaram no seu resgate, assim como o bombeiro que veio correndo do outro lado da pista  e que conseguiu abrir um buraco no fogo para que o Dr. Ian Roberts pudesse ver onde ele estava.

Mas havia outras missões, pelo que ele disse, dadas pelo grupo de psicólogos que o acompanha há 8 anos: ir no cockpit da Haas, tentando se colocar mentalmente no lugar onde achou por alguns segundos que morreria. Disse não ter sentido nada de estranho. 

A segunda era contar o maior número de vezes possível e com a maior quantidade de detalhes possível tudo o que sentiu e tudo por que passou naqueles 28s e logo depois de emergir das chamas. Essa é a recomendação para que ele já comece o tratamento para o estresse pós-traumático. Ele achava importante correr em Abu Dhabi e pelo menos cruzar a linha de chegada, mesmo lá no fundo do grid com a Haas, ao invés de ter as cenas de horror do Bahrein como suas últimas lembranças da carreira na F1. 

Isso porque a mente de pilotos de corrida não funciona como qualquer outra. Quanto pior o acidente, mais rápido eles querem voltar para provar que não perderam aquela pitada de insanidade imprescindível para fazerem o que fazem da vida. Mas ele entendeu que não fazia sentido correr o risco de agravar a situação das suas mãos, talvez até para sempre, só para se arrastar no fundo do grid mais uma vez com a Haas.

Outro nome do final de semana foi George Russell. O clima era como quando Hamilton estreou, Leclerc foi para a Ferrari, Verstappen apareceu no meio da temporada na Red Bul: um cara de quem se espera muito tendo a chance de andar no melhor carro do grid. A Mercedes garantiu que a abordagem foi a mais pragmática possível: se Bottas estivesse fora, Russell seria colocado frente a frente com Hamilton. O importante era dar a ele essa experiência.

E ele também sabia que estava sendo observado. Em nenhuma entrevista, em nenhum rádio, houve qualquer deslumbre. Ele agiu como se pertencesse desde sempre à equipe. Ou tentou, pelo menos, entre uma pergunta e outra de “onde fica isso”? George tem aquele ar que fica entre o determinado e o convencido que muitas vezes faz a gente esquecer que ele só tem 22 anos.

E Hamilton, volta?

Mas, enquanto trabalhava para deixar o pupilo o mais confortável possível – algo difícil para alguém um pouco grande demais para o carro – o time também focava em tentar a liberação de Hamilton que, ao que tudo indica, pegou covid em Dubai. Pelo que sei dos procedimentos bastante rígidos dentro dos quais Abu Dhabi aceitou receber a F1, Hamilton só corre por lá se as regras não valerem para ele.

Em teoria, todos têm esta segunda-feira para voar para Abu Dhabi, usando apenas voos fretados ou jatinhos. E só é permitido voar apresentando ou quatro testes negativos em sequência ou tendo estado no Bahrein dentro da bolha da Fórmula 1 por pelo menos sete dias (obviamente, sem apresentar testes positivos). O que a Mercedes tenta é que Hamilton entre com um teste negativo e mais para o fim da semana. Ou seja, com regras que só valem para um heptacampeão do mundo.

Um GP de estreias

F1 Pool

Foi um domingo de primeiras vezes no que também era a estreia de um traçado diferente no anel externo do circuito do Bahrein. A primeira vitória de Sergio Perez veio para coroar a melhor temporada da carreira do mexicano, que ainda está a pé para o ano que vem. O primeiro pódio de Esteban Ocon vem num momento importante para o francês, que busca se firmar em um time que terá Fernando Alonso na próxima temporada dando as cartas. A primeira corrida dominante, até a confusão da Mercedes no pit stop, de George Russell, um piloto de que se espera muito. E a estreia do brasileiro Pietro Fittipaldi na Fórmula 1.

Essa vitória de Perez veio com mais de oito anos de “atraso” e deixou o piloto, em suas próprias palavras, em paz consigo mesmo. Perez chegou muito perto de vencer o GP da Malásia de 2012, quando corria pela Sauber, que usava motores Ferrari. Nas voltas finais, ele vinha muito mais rápido que o líder Fernando Alonso, então na Ferrari, e a ultrapassagem parecia uma questão de tempo. Até que ele se desconcentrou e errou. Pouco antes, tinha recebido uma mensagem via rádio para que pensasse no pódio (“precisamos dessa posição”), o que foi interpretado na época como uma tentativa de ordem para não passar Alonso.

Porém, como Perez já tinha mostrado, desde sua estreia, na Austrália em 2011, que cuidava muito bem dos pneus Pirelli, sua primeira vitória era tida como uma questão de tempo. Ainda mais quando ele substituiu Lewis Hamilton na McLaren em 2013. Mas o time caiu de produção, Perez foi muito mal durante aquele ano e perdeu o que seria sua grande chance em um time grande, não tendo o contrato renovado ao final do ano. Voltou ao meio do pelotão, pela Force India, que hoje é a Racing Point, e conquistou seis pódios para o time antes da vitória em Sakhir.

Na verdade, seriam três pódios seguidos, não fosse o estouro de motor nas voltas finais da corrida do último domingo, o GP do Bahrein, quando ele era terceiro. Se a Racing Point recuperou o terceiro lugar no mundial de construtores e vai para a etapa final com 10 pontos de vantagem para a McLaren, deve muito ao piloto que dispensou para dar lugar a Sebastian Vettel ano que vem.

Ironicamente, Perez se colocou em posição de aproveitar a lambança da Mercedes depois de um toque que o jogou para o fundo do pelotão na primeira volta, mas que tirou dois rivais – Max Verstappen e Charles Leclerc – do caminho e permitiu que ele colocasse os pneus médios e otimizasse sua estratégia de uma parada. Assim, ele escalou todo o pelotão e era o terceiro quando Jack Aitken causou um Safety Car na volta 54.

O cartão de visitas de Russell

Até ali, a corrida era, pela primeira vez, de George Russell. Acostumado às vitórias nas categorias de base, o britânico amargara a rabeira do grid por quase duas temporadas inteiras na Williams, ou pelo menos até ter a chance de pilotar o carro de Lewis Hamilton no Sakhir. Largou bem e tomou a ponta, controlou o ritmo e parecia fazer o mesmo que Max Verstappen: vencer na estreia por um time grande, mesmo com o campeonato em andamento.

Mas uma parada desastrada da Mercedes, cujos mecânicos não perceberam que os pneus de Russell não estavam preparados e calçaram os de Bottas no lugar, começou a complicar sua tarde. Ele caiu para quinto, mas vinha escalando o pelotão quando teve um furo no pneu e teve de parar pela quarta vez. Ainda assim, conquistou seus primeiros pontos na F1, com o nono posto e o ponto extra pela volta mais rápida.

Deu seu cartão de visitas para a Mercedes e, perguntado se achava que tinha causado um problema para Toto Wolff definir sua dupla de pilotos em 2022, respondeu. “Ou talvez até mais cedo”. O obstinado britânico de 22 anos quer a vaga de Valtteri Bottas já para o ano que vem, ainda que a Mercedes garanta que não vai mudar.

Foi a primeira vez, também, de Esteban Ocon no pódio. Ele vem perdendo nas classificações para o companheiro Daniel Ricciardo por muito pouco, e desta vez essa foi sua sorte: fora do Q3 e se classificando em 11º, ele teve a chance de escolher o pneu com que largaria, fez a primeira parte da prova com os médios, e conseguiu fazer uma parada a menos que os rivais. Foi um pódio, inclusive, no estilo Sergio Perez, e que lhe dá confiança para enfrentar Fernando Alonso na Renault em 2021.

Aprendizado para Fittipaldi

E também foi uma boa estreia para Pietro Fittipaldi. Ele sentiu na pele algo sobre o que ouviu os pilotos titulares da Haas reclamarem o ano todo: o carro sofre demais com a turbulência de outros carros, fica muito instável nas freadas. Largado em último, ele conseguiu acompanhar Kimi Raikkonen na primeira parte da corrida, e depois que começou a levar uma volta dos líderes, se distanciou um pouco do pelotão com a outra Haas, as Alfa Romeo e as Williams.

No final, com o Safety Car, teve outra chance de encostar e ficou em uma briga com Aitken, mas faltou velocidade ao motor Ferrari. No geral, uma estreia do jeito que ele queria: chegando até o final, sem erros, e com muito aprendizado para ser usado na segunda chance, em Abu Dhabi, já no próximo final de semana.

Estratégia do GP do Bahrein e a tática engessada pelo SC

F1Pool

É até difícil lembrar que houve uma corrida depois do terrível acidente de Romain Grosjean, que encheu o guard rail em plena reta em um ângulo e velocidades tão incomuns que abriu um buraco na proteção, fazendo com que a parte de trás do carro se soltasse, expondo o tanque de combustível e gerando um incêndio como há muito, mas muito tempo não se via na F1. Foi um daqueles lances de largada em que os pilotos vão tendo de tirar para o lado, dividir freada no meio do pelotão, e um vai tirando mais o pé que o outro, e decidindo para que lado tirar. Lá atrás, Kimi Raikkonen tirou para o lado esquerdo, onde não tinha ninguém, e Grosjean escolheu o direito, sem ver que Daniil Kvyat estava ali. E o que se passou foram cenas incríveis do francês escapando do fogo e do meio do guard rail apenas com queimaduras nas mãos.

Isso quis dizer que a corrida, mesmo, só começou mais de uma hora depois, na segunda largada, com um grid um pouco diferente, já que a direção de prova levou em consideração a classificação de quando os pilotos passaram pelo último mini setor de cronometragem antes da bandeira vermelha. Então o GP do Bahrein finalmente começou com Hamilton, Verstappen, Perez, Bottas, Albon, Ricciardo, Norris, Ocon, Gasly, Vettel. Gasly apostava nos duros, assim como Leclerc, 12º, enquanto Sainz, sem muitas opções depois que uma falha no freio fez com que ele acabasse com um jogo de médios, ia de macios.

A bandeira vermelha não tinha mudado muito o desenho da estratégia: os pilotos largaram com a ideia de fazer duas paradas, evitando ao máximo o pneu macio, que se desgastava rapidamente. E os carros mais rápidos não descartavam fazer até três paradas se isso significasse ficar mais tempo de cara para o vento.

Mas as chances de fazer uma estratégia de três pits funcionar acabaram quando, na relargada, Kvyat foi otimista para cima de Lance Stroll, que capotou, provocando a entrada do Safety Car. A corrida só recomeçou na nona volta, o que significava que o pelotão não abriria os espaços necessários para alguém tentar arriscar fazer três paradas.

Esse alguém que estava estudando adotar a tática era Max Verstappen. A ideia era driblar a Mercedes, até levando o primeiro stint próximo do que seria o ideal para fazer duas paradas (lá pela volta 20), mas depois antecipar o segundo pit e ver se Hamilton seguiria a tática de Max. Mas tudo ficou no ‘se…’ porque o pelotão ficou tão compacto que os pneus dos ponteiros acabaram antes mesmo que se abrisse um buraco, e a Red Bull teve que parar Verstappen na volta 20 mesmo com ele voltando no tráfego, respondendo o pit stop de Hamilton na volta anterior, mesmo com ele voltando no tráfego.

Nas primeiras paradas, houve estratégias diferentes entre as equipes: uns (como Hamilton) colocando os médios e outros (como Verstappen) preferindo os duros. Isso dependia de quantos jogos tinham sido guardados ao longo do final de semana, mas não fez muita diferença: o rendimento e a duração dos médios e duros se mostraram bastante semelhantes, o que fez com que Verstappen até ensaiasse um ataque no começo do segundo stint, mesmo estando com o composto, em teoria, mais lento, mas Hamilton logo respondeu e mostrou que tinha ritmo sobrando. Mais uma vez, coube a Verstappen maximizar o que era possível para a Red Bull. Quando Hamilton respondeu ao ataque de Max sendo 0s3 mais rápido na volta 26, e 0s5 na 27, as duas primeiras posições da corrida estavam definidas.

Um pouco mais atrás, Sergio Perez fazia uma corrida solitária. Com cinco voltas para o final, tinha 5s de vantagem para Alex Albon e até já tinha pedido para a equipe acordar, de tão solitário que estava no carro. Mas seu motor o deixou na mão, e a Racing Point saiu zerada do GP do Bahrein, e ainda viu a McLaren pontuar muito bem com um quarto e quinto lugares.

Isso porque, mais uma vez, a equipe e os pilotos deram show de execução. Originalmente, Norris largava do fim do top 10, Sainz só em 15º e tendo de usar os pneus macios no começo da prova. A atuação do espanhol foi magistral, levando o pneu, que não durou por mais de 4 voltas nos treinos livres, até o 21º giro. E mais, passando Vettel, Gasly, Ricciardo e Leclerc no meio do caminho. Após as primeiras paradas, já era o sétimo. E logo passou Ocon também. A McLaren optou por sempre parar seus pilotos depois dos rivais diretos, então eles perdiam posições por conta do poderoso undercut, já que quem parava antes conseguia um ritmo muito mais forte na volta à pista, mas recuperavam na pista. E foi por isso que vimos duelos bacanas entre o espanhol e seu futuro companheiro Leclerc. Como a Ferrari, a Renault buscou o undercut nas paradas, e viu as duas McLaren terminarem na frente – e é fato que Ocon e Ricciardo encontrarem-se na pista tantas vezes, um segurando o outro, não ajudou em nada o resultado do time francês.

Mas o grande temor das equipes do meio do pelotão era que alguém tentasse parar uma vez a menos. E foi essa a tática da AlphaTauri com Pierre Gasly, aproveitando a bandeira vermelha para um pneu duro novo. Isso abriu a possibilidade de fazer só uma parada especialmente depois do Safety Car, mas era claro que segurar-se no final seria difícil. Mais um Safety Car, causado por Perez, no final, salvou a pele de Gasly, e a aposta gerou um sexto lugar.

Se a sorte esteve com o francês, abandonou completamente Valtteri Bottas. Depois da largada ruim, ele teve um furo no pneu logo no reinício da prova, e depois outro. Foram tantas paradas que a Mercedes ficou sem pneus para trocar! Ele só tinha dois jogos de pneus médios, ambos já usados, e como o dianteiro direito tinha furado, quando eles tiveram que voltar a usar esse primeiro jogo depois do segundo furo, não tinham como trocá-lo. E lá foi Bottas com três semi-novos e um pra lá de usado até o fim, se arrastando até o oitavo lugar enquanto seu companheiro vencia novamente.

Drops do GP do Bahrein: antes e depois

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Quando vi que era a Haas do Grosjean que não passava na cronometragem do segundo setor e, então, era o carro que estava em chamas, a primeira coisa que me veio à mente foi a entrevista dele ao Will Buxton depois da classificação. Sentindo o desânimo de um piloto que, abertamente, tinha dito que estava até aliviado de sair da F1 porque não aguentava mais andar no fim do pelotão, ele perguntou: “you’re done, aren’t you?”, algo como “pra você, já deu, não?” e ele disse “não, não, estamos tentando tirar o máximo e blá, blá”, embora o corpo discordasse das suas palavras. E pensei como a vitória de que ele estava sentindo falta mudou completamente de sentido. Ainda bem.

Até que chega segunda-feira e os colegas me enchem de perguntas sobre Pietro. De onde veio essa superlicença? Como ele é? São histórias de se cruzam de uma maneira interessante, as de Romain e Pietro. Ambos acreditaram no projeto de Gene Haas e foram recompensados por isso. Comento sobre isso no Ju Responde dessa semana, como é bom salientar esse tipo de atitude ética que a equipe teve mais uma vez.

E falando em pessoas boas, outro personagem que ganhou “fama” no meio dessa história é o Dr. Ian Roberts. Eu não o conhecia até o GP de Mônaco de 2018. Estava com uma dor de cabeça insistente há dias, que se tornara insuportável. Depois de ouvir diversos “vai no Dr. Roberts”, resolvi, mais ou menos 1h antes de entrar no ar e 1h30 antes da largada, tentar encontrá-lo. Falei que achava que minha pressão poderia estar alta. A semblante absurdamente tranquilo dele mudou um pouco quando ele aferiu minha pressão pela primeira vez. Começou a me fazer perguntas genéricas. Aferiu outra vez. E outra. “Você disse que vai fazer a transmissão ao vivo? Que é só dor de cabeça? Você tem certeza? Não tem tontura, mais nada? Porque, se você estivesse num hospital, eu teria que te internar.” A voz seguiu doce e calma. Prometi ir ao médico na volta, e ele não se convenceu. Quis saber onde eu morava, se eu tinha cadastro no NHS (o SUS da Inglaterra). E eu não tinha. Começou com uma explicação mega detalhada de como eu conseguiria isso, até em que lugar (sim, ele foi conferir conforme meu endereço) teria que ir. Só saí de lá medicada depois que prometi mil vezes que seria minha primeira providência ao voltar.

Isso tudo deve ter demorado uns 20 minutos ou mais. E menos de 1h depois ele estava no grid se preparando para, caso necessário, salvar a vida de algum piloto nas ruas de Mônaco. Eu, lá com minha teimosia de workaholic assumida, me senti tão bem tratada como qualquer um deles. 

Depois desse dia, não teve um dia sequer que o Dr. Roberts me viu e não perguntou como estava a pressão (seguido de um “você tem certeza?”, porque ele tem motivos para não acreditar muito em mim!) 

Antes da corrida…

“Vamos lá, Max, manda ver. Nós precisamos de você!”

Esse foi Lewis Hamilton na coletiva de sábado quando perguntado sobre os pneus de 2021. Queria que Max, que estava ao seu lado, criticasse abertamente a Pirelli para conseguir o que a maioria dos pilotos quer: ficar com os mesmos pneus para o ano que vem. Pelo que Daniel Ricciardo contou, os pilotos foram muito claros (mas muito mesmo) em relação a sua opinião sobre o pneu na reunião de sexta-feira, que conta também com representantes das equipes, FIA, F1 e com a própria Pirelli.

Mas qual é o drama? As equipes barraram a introdução de novos pneus da Pirelli para 2020, sob a justificativa de que eles não eram bons o bastante e eles focariam no desenvolvimento do carro de 2021 de qualquer maneira, e não queriam desperdiçar recursos tentando entender outro tipo de pneu com o qual só correriam neste ano. Veio a pandemia, tudo foi atrasado por um ano, e vieram os estouros de pneu de Silverstone para escancarar que manter o produto por uma terceira temporada, com os carros evoluindo, seria temerário.

E então a Pirelli começou a desenvolver um pneu a toque de caixa, testando-o pela primeira vez em Portimão, num circuito sobre o qual tinha poucas referências (menos ainda com o asfalto novo), e agora pela segunda vez no Bahrein. Os compostos são os mesmos, mas eles fortaleceram a construção, o que gerou um aumento de peso de 2.8kg por jogo.

A resposta dos pilotos foi muito negativa e eles agora pressionam para que se continue com os mesmos pneus ano que vem. Perguntei a Ricciardo sobre a questão da segurança, além do fato de que a Pirelli, inevitavelmente, vai ter que aumentar a prescrição de pressão para proteger seus pneus, o que gera superaquecimento e congela (por mais que possa parecer um contraponto) as disputas na pista, porque um piloto não pode chegar muito perto do outro. E ele disse “sim, você tem razão, ninguém quer que as pressões aumentem, mas o passo que eles deram na direção errada foi tão grande, que a gente prefere isso a trocar para o pneu novo.”

A Pirelli se defende dizendo que os carros não estão otimizados para estes pneus, e os pilotos sentem muito a diferença por conta disso (o que provavelmente é aumentado pelo fato de a construção em si ser diferente). Mas os pilotos garantem que estão levando isso em conta. Vamos ver quem ganha essa briga.

Lições de casa

F1

“A célula de sobrevivência, o halo, os macacões à prova de fogo, os cintos de segurança, o sistema HANS (que ajuda a estabilizar a cabeça do piloto), o fato de o médico da FIA estar lá numa questão de segundos e indo impetuosamente ajudá-lo a sair do carro… claro que você sempre vai aprender com acidentes, mas bater em uma barreira a 220km/h e sair andando é o melhor resultado de hoje.”

O resumo de Christian Horner, chefe da Red Bull, mostra bem como toda a evolução da segurança da Fórmula 1 ao longo dos anos fez com que Romain Grosjean escapasse de um acidente impressionante, em que seu cockpit rasgou o guardrail e pegou fogo como há décadas não se via na categoria, apenas com algumas queimaduras.  O francês será liberado na terça-feira do hospital e a Haas confirmou que Pietro Fittipaldi será seu substituto.

Como acontece com todos os acidentes em todas as categorias chanceladas pela Federação Internacional de Automobilismo, os detalhes do que aconteceu na primeira volta do GP do Bahrein serão estudados com cuidado, mas as duas grandes questões levantadas após a batida foram por que o carro pegou fogo, e como ele abriu um buraco no guardrail.

Como explicou Sebastian Vettel, estes dois problemas podem estar relacionados. “Acho que a grande questão é que o guardrail se rompeu completamente. Não vejo como um guard rail pode falhar de forma a permitir que o cockpit passe por ele e fique preso, arrancando a parte de trás do carro da parte da frente. Isso deve ter exposto o tanque de combustível, o que causou o incêndio. É isso que não pode acontecer sob nenhuma circunstância”, disse o tetracampeão, que divide com Grosjean a presidência da associação de pilotos, que se reúne toda sexta-feira de GP para discutir, entre outros assuntos, questões voltadas à segurança. 

O chefe da Mercedes, Toto Wolff, concordou que há lições a serem tiradas do acidente, embora acredite que não seja algo que vá se repetir tão cedo. “Acho que foi um acidente estranho. O ângulo como ele bateu, acho que o carro pegou um pouco de lado, e foi preciso, como uma faca, partindo a barreira. Não achava que essas barreiras modernas poderiam se partir dessa forma, então precisamos analisar como isso aconteceu e como nós podemos otimizar as barreiras no futuro”, disse Wolff.

“O último acidente com fogo aconteceu em Imola há mais de 30 anos. A célula de combustível tem que se manter intacta. A traseira deveria se quebrar junto com o motor. Há muitas coisas para aprender e muita segurança para melhorar.”

O tanque de combustível fica acoplado na parte traseira da célula de sobrevivência, que é a parte que rasgou o guardrail. Ele é feito de kevlar, que é um dos materiais sintéticos mais fortes que existem. 

Outros pontos também devem ser avaliados, como o fato de Grosjean ter perdido sua sapatilha, que é parte da proteção anti-fogo, ao sair do carro, e a maneira como sua viseira derreteu, embora uma análise feita no capacete tenha mostrado que não havia entrado fumaça dentro dele.

Mas e o que funcionou para salvar a vida de Grosjean?

É justo dizer que foi uma combinação de medidas que vêm sendo tomadas há décadas que ajudaram a salvar a vida de Grosjean, como listou Horner. 

https://www.instagram.com/p/CILfInkhLsv/

Halo: A proteção de titânio, que passou a ser usada em 2018, foi muito criticada por vários pilotos e chefes de equipe, inclusive o próprio Grosjean. E quem dizia que o “risco é inerente ao esporte” cada vez mais reconhecendo que não é preciso perder vidas para provar sua bravura nas pistas. O acidente do francês claramente teria consequências muito graves sem ele, já que o capacete de Grosjean muito provavelmente teria batido diretamente contra o guardrail. E também foi impressionante como a estrutura aguentou praticamente intacta o que talvez tenha sido seu maior teste até hoje, e Grosjean tenha conseguido sair do carro mesmo num ângulo ruim, já que uma das grandes críticas ao halo era o temor de que ele dificultaria a extração do piloto em caso de incêndio. “Acho que lembramos como a introdução do halo foi controversa, e temos de dar o crédito ao [presidente da FIA] Jean Todt porque ele insistiu com essa ideia. E acho que poderíamos estar passando por uma situação diferente não fosse pelo halo”, lembrou o diretor técnico da F1, Ross Brawn. 

Célula de sobrevivência: Acoplada ao halo, a célula de sobrevivência existe há décadas, mas sua estrutura vem sendo reforçada ao longo do tempo e hoje é feita de uma camada bastante grossa de fibra de carbono e outra de kevlar. Embora o fato de o guardrail ter cedido estar longe do ideal, pelo menos a célula aguentou o forte impacto, evitando que Grosjean sofresse lesões mais sérias.

Roupa resistente ao fogo: Os pilotos usam macacões por cima de uma camiseta de manga comprida e uma calça, todas feitas de Nomex, um tecido sintético feito para aguentar temperaturas de até 800ºC por 10 segundos sem pegarem fogo. Em seu interior, a temperatura não pode passar de 41ºC quando expostos por 20 segundos ao fogo. Tudo isso é homologado pela FIA e, neste ano, alguns pilotos até reclamaram porque os macacões ficaram um pouco mais quentes devido a uma mudança de especificação que aumentou sua proteção em 10 segundos. As luvas e sapatilhas são feitas de um tecido um pouco mais leve para não prejudicar a sensibilidade no volante e nos pedais, e o fato de as queimaduras de Grosjean serem mais graves nas mãos pode mudar isso.

Resgate rápido: O carro médico chegou ao local do acidente apenas segundos depois devido a algo que o ex-médico da Fórmula 1, Sid Watkins, personagem fundamental no aumento da segurança entre os anos 1970 e 1990, brigou para implementar. O carro médico sempre faz a primeira volta inteira atrás dos carros, justamente porque a chance de acidentes é maior e isso dá possibilidade de chegar quase instantaneamente. O médico Ian Roberts reconheceu que ficou confuso quando viu a cena do acidente, pois “havia uma parte do carro apontada para o lado errado, e não dava para ver onde o piloto estava. O restante era uma bola de calor. Mas o fiscal chegou com um extintor e conseguiu abrir um espaço nas chamas, onde Romain estava saindo.” E foi aí que o médico o ajudou a pular o guardrail e escapar das chamas.

A ideia que me fez entrar na F1

A minha primeira entrevista, em setembro de 2011, um ano e 5 meses após começar o blog

Era para este post ter saído lá em maio, quando este espaço completou 10 anos. Queria apresentar para quem começou a me seguir depois, ou relembrar junto de quem já está nessa caminhada há uma década, textos que davam um trabalhão. Um conteúdo que não foi feito por ninguém nem antes, e nem depois deste blog.

Mas talvez até tenha sido melhor assim. Lá em maio acho que não tínhamos a noção de como a pandemia mexeria com a gente, o quanto seria difícil deixarmos o nosso ‘eu social’ de lado (e o quão frustrante ver quem só pensou e pensa no seu próprio ‘eu social’).

Mas o que uma coisa tem a ver com a outra? O início deste espaço, que seria também o início da minha carreira como jornalista de F1, me remete à pior fase da minha vida. Sabe quando você olha ao redor e simplesmente não vê como sua vida pode melhorar? Você se sente vivendo num lodaçal, andando e não saindo do lugar, e todas as portas parecem fechadas, inalcançáveis?

Foi nesse clima que comecei o blog, em maio de 2010. Não tinha um plano, nem uma meta de acessos, muito menos aquelas frases de coach me guiando. Só queria fazer algo que de eu tivesse orgulho, criar um projeto que me desse prazer. É claro que cada um tem sua história, mas se eu pudesse dar um conselho, seria esse: comece a fazer algo de que você se orgulhe. Seja o que for, comece. 

Muita água passou por debaixo da ponte, mas ainda me orgulho muito desses textos, que eram o carro-chefe do blog que começou como Faster F1 (inaugurado poucas semanas antes daquela corrida “faster than you”!). Levava de 6 a 7h para fazer: eu via a corrida três vezes, com três narrações diferentes, anotando o que era falado de mais relevante, e depois costurava estas três narrativas em um texto que contava a história da corrida.

De onde eu tirei essa ideia? Pelo que eu me lembre, foi por ir atrás dos conteúdos pré-corrida que encontrava na internet e ver narrativas completamente diferentes entre os ingleses e os espanhóis. E a construção de narrativas é algo que me interessa. E só parei de fazer esses posts por um bom motivo: eles foram se tornando mais escassos quando fui trabalhar no UOL e passei a ir à grande maioria das corridas. Fui fazer outras coisas para me orgulhar.

Vou deixar aqui 10 posts sobre as transmissões, sendo 8 dessas narrativas e duas entrevistas que fiz em 2013 com o Luciano Burti e o Jacobo Vega, personagens que são bastante citados nos textos. Quem quiser maratonar, é só ver a lista completa AQUI.

GP de Abu Dhabi de 2010: Decisão do primeiro título de Vettel

“Tínhamos tudo previsto, menos isso”

GP de Singapura de 2011: O que falavam de Hamilton em sua pior fase

“Hamilton é um caso de psiquiatra”

GP da Europa de 2012: A melhor corrida de Alonso na F1

“Fernando tem o Kers da arquibancada”

GP do Brasil de 2012: Decisão dramática em Interlagos e tri de Vettel

“Drama em Interlagos

GP dos EUA de 2013: Vettel no meio de sua sequência impressionante de 2013

Com requintes de crueldade

GP da Austrália de 2014: Prova que marcou o início da era Mercedes

Madre mía, que forte está a Mercedes

GP do Japão de 2014: Acidente de Jules Bianchi numa corrida muito polêmica

“Não tem outro carro ali, tem?”

GP da Espanha de 2016: Primeira vitória de Verstappen, na estreia na Red Bull

“Cena de cinema”

Entrevista com Luciano Burti

E com Jacobo Vega, que era comentarista da TV espanhola

(Outra) saída por cima da Honda a caminho?

(Joe Portlock/Getty Images/Red Bull Content Pool)

Chamou a atenção a calma de Helmut Marko ao comentar a situação dos motores de Red Bull e AlphaTauri no último final de semana. “Tudo indica que vamos comprar os motores da Honda”, disse ele. Isso, mesmo depois de Renault e Ferrari terem negado a proposta de congelar o desenvolvimento dos motores ao final de 2021, quando também seria o fim do investimento da Honda na F1.

“Seria” é a palavra-chave.

Quem não entende muito bem o que uma empresa como a Honda faz na Fórmula 1 correu para dizer que “eles sempre pulam fora”. Quando os japoneses decidiram, em 2013, voltar à categoria, entenderam que o custo em pesquisa e desenvolvimento se pagaria devido aos ganhos acelerados que teriam em termos de eficiência com a unidade de potência híbrida. Com o tempo, perceberam que o sistema adotado pela categoria é tão complicado que sua aplicabilidade é discutível e passaram a pressionar por uma mudança no regulamento. Mas, como a F1 não sabe que direção tomar com o motor, não está preparada ou convencida pela eletrificação, e só vai mexer nisso para a temporada 2026, a Honda julgou que o investimento não valeria a pena. Seria torrar milhões para algo que não está no horizonte imediato da montadora.

Lógico que todas as montadoras estão na F1 para vencer. Porém, para uma empresa do tamanho da Honda, assim como a Renault ou a Mercedes, essa é só a ponta do iceberg. E o restante iceberg japonês estava, por assim dizer, derretendo.

Mas a Red Bull conhece a história: quando a Honda, em meio à crise de 2008, decidiu que o investimento de centenas de milhões na Fórmula 1 não era sustentável e decidiu sair como equipe eles, na verdade, não deixaram seu time para trás. Na época, o então diretor-técnico Ross Brawn comprou o espólio da equipe Honda por praticamente nada e garantiu que a montadora pagasse por toda a operação da temporada. Ele fez isso porque acreditava, e estava certo, que os dois túneis de vento e a incrível estrutura que tinha sido montada tinham levado o time a descobrir uma saída de um regulamento que buscava diminuir bruscamente a pressão aerodinâmica gerada pelo carro. Eles tinham descoberto uma brecha chamada difusor duplo, que levaria a equipe Brawn a um título em seu único ano de operação.

Aquilo não foi um conto de fadas, mas algo que só foi possível devido ao apoio da Honda. E é essa mesma receita que a Red Bull quer fechar com os japoneses.

O plano é o seguinte: continuar contando com o desenvolvimento da Honda até o final de 2022, quando os motores, enfim, seriam congelados, e a F1 estará (ou pelo menos espera estar) em uma posição melhor para definir de onde virão seus cavalos a partir de 2026, quando entra em vigor um novo regulamento para as unidades de potência. E até lá a FIA segura a imagem de um motor verde com o que se tem hoje (que não é nada mal, na verdade, apenas complexo demais) e os biocombustíveis, com uma crescente presença de etanol (sim, é isso mesmo que você está pensando).

Congelar o motor daqui a dois anos é algo mais factível para Renault e especialmente Ferrari, que está preparando praticamente uma nova unidade de potência para o ano que vem, e teria tempo para melhorá-la de 2021 para 2022, uma vez que não é permitido mexer em muita coisa durante a temporada. E até para a F1, dar mais um ano para o desenvolvimento dessas UPs é positivo, uma vez que, do jeito que o cenário está, é provável que só mudar o carro (como ocorrerá em 2022) não seja garantia de que a relação de forças mudará tanto assim. O motor Mercedes não tem a vantagem de outrora, mas continua sendo o mais, digamos, polivalente.

Caso o plano se concretize, mais uma vez a Honda estaria “salvando” a F1 ao sair, de um jeito que só uma empresa japonesa mesmo poderia fazer. Uma Red Bull sem motor competitivo poderia desistir dessa brincadeira de ter equipe na F1, e um piloto do calibre de Max Verstappen poderia ficar sem uma máquina à altura, ainda mais com a expectativa de que Lewis Hamilton renove por mais três anos. Porém, ao que tudo indica, não precisamos nos preocupar com isso.

Estratégia do GP da Turquia e como os “encantadores de pneus” foram coroados

LAT Images

Antes de começar com qualquer explicação sobre o GP do heptacampeonato e uma das maiores vitórias de Lewis Hamilton na carreira, é preciso entender por que a corrida da Turquia não foi apenas uma corrida com pista molhada. Na verdade, ela pouco teve a ver com isso.

Tudo começa com a decisão de refazer o asfalto da pista a 10 dias da prova, bem depois que a Pirelli tinha optado levar os três compostos mais duros da sua gama, e sem que o novo asfalto tivesse tempo ou mesmo fosse usado (antes e durante o fim de semana da corrida) para ajudar na sua maturação. Ah, e a opção foi por um asfalto mais liso. E as temperaturas ficaram entre 12 e 16ºC por todo o fim de semana, com o céu nublado pela maior parte do tempo. Todos esses fatores apontavam para a mesma direção: diminuir a aderência do asfalto.

Quando não há tanto atrito entre o asfalto e o pneu, é mais difícil gerar temperatura. E os pneus da F1 são famosos por funcionarem em uma janela de temperatura muito pequena. Já há queda de rendimento quando o pneu cai 2, 3 graus abaixo dessa janela. Na sexta-feira, os pilotos estavam tentando rodar com pneus pelo menos 30ºC abaixo do que deveriam. Não foi por falta de braço que estava difícil permanecer na pista.

Isso foi antes de a chuva chegar, e diminuir ainda mais a aderência e a temperatura. Pelo menos, havia um consolo: tanto o pneu de chuva, quanto o pneu intermediário precisam de menos calor para entrar na janela ideal. Isso seria fundamental para a corrida.

E por que digo que não foi uma corrida de chuva e, sim, de temperatura, se a pista estava molhada na classificação e na corrida? Porque, sob condições normais na chuva, destaca-se o piloto que consegue entender qual é a linha ideal, com mais aderência, fora da trajetória normal. No asfalto “jovem” da Turquia, isso não existia. O que o piloto tinha de controlar era a temperatura de seus pneus.

Isso explica porque, mesmo sem tanta água, a maioria das equipes fez seus melhores tempos com pneus de chuva: eles funcionam com temperaturas mais baixas que os intermediários, e o carro da Racing Point foi o que conseguiu “acionar” os intermediários, que eram os melhores para aquela condição de pista e… bingo! Stroll na pole e Perez em terceiro. 

https://www.youtube.com/watch?v=bg3v8VKEtBc

No domingo, a chuva que caiu antes da largada não deixou dúvidas que o melhor seria começar com os pneus de chuva, mas, com os carros andando e sem mais água no radar por algum tempo, logo as condições já levariam todos a trocarem para os intermediários, para a alegria da Racing Point

No começo, Stroll e Perez, sem spray, abriram como se fossem as Mercedes originais, mesmo tendo o piloto do time no ano que vem, Sebastian Vettel, servindo como escudeiro (não por querer, obviamente) depois de ter uma largada sensacional, indo de 11º para terceiro. Na oitava volta, quando Vettel foi para os boxes, a diferença para Verstappen, que vinha em quarto, já beirava os 15s. A parada de Vettel veio depois que seu companheiro, Leclerc, tinha parado e vinha sendo o carro mais rápido da pista, o que começou a ajudá-lo a se recuperar do que era a 14ª colocação antes do pit stop.

Além de ter a “ajuda” de Vettel, seria o começo de algo que marcaria a prova: os carros que jogam temperatura mais rapidamente nos pneus, como as Racing Point e as Ferrari, conseguiam ser rápidos logo de cara, enquanto os carros mais equilibrados (Red Bull e principalmente, Mercedes) jogam temperatura de modo mais gradual nos pneus, o que é uma vantagem sob todas as condições, mesmo o asfalto pouquíssimo aderente da Turquia.

A Mercedes já tinha reagido rapidamente com Bottas, e logo depois o fez com Hamilton, que parou junto de Vettel. Sem o alemão a sua frente, Verstappen vinha sendo até 2s mais rápido que as Racing Point, que logo pararam também, assim como o holandês. Logo depois, a corrida foi neutralizada por um VSC.

Volta 15 e a situação é a seguinte: Stroll lidera com 9s de vantagem para Perez, que fez uma volta 3s mais lenta que os demais quando o VSC estava acabando e viu Verstappen tirar a diferença entre os dois. Albon tinha passado Hamilton e Vettel de uma vez e o trio estava a cerca de 19s da liderança. Hamilton não só não entendia por que não conseguia passar Vettel, como sofria com graining. Faltava tanta aderência que ele até achava que havia algo de errado nos seus freios. 

As coisas só começaram a melhorar para Hamilton depois, ironicamente, que o ritmo dele era tão ruim que Vettel começou a escapar, lá pela volta 25. Podendo fazer seu próprio ritmo por uma sequência de voltas, os pneus dele começaram a entrar na temperatura correta. Vettel também estava andando forte, assim como Albon, enquanto algo estranho parecia acontecer lá na frente: Stroll ia perdendo sua vantagem, com um ritmo muito ruim, e Verstappen já tinha saído de combate devido a uma rodada que o obrigou a parar pela segunda vez.

Stroll julgou que a dificuldade que tinha para pilotar era um sinal de graining, mas a equipe descobriu depois que se tratava de um pedaço da parte de baixo da asa dianteira que tinha se quebrado e ficado em uma posição ruim para a aerodinâmica do carro. Com tantos fatores afetando os dados da telemetria, não sabiam direito de onde vinha a perda de rendimento.

Isso explica por que o time decidiu parar Stroll, depois de discutir com o piloto por algumas voltas. Afinal, na volta 35, a vantagem dele para Perez era de menos de 1s e Leclerc, já em nono a essa altura, tinha novamente decidido parar e era de 2 a 4s mais rápidos que todo mundo.

Como o problema de Stroll não eram os pneus, no final das contas, trocá-los não melhorou a situação. Na verdade, dentro do contexto da prova, até piorou: pneus novos tinham mais propensão a sofrer com graining porque a pista estava secando e fazendo com que a temperatura dos intermediários subisse mais rapidamente do que na primeira fase.

Em circunstâncias normais, era o momento de colocar slicks, porque os intermediários, sem serem resfriados pela água, superaqueceriam. Mas não na Turquia com esse novo asfalto: colocar pneus de seco só faria as equipes voltarem aos problemas de sexta-feira, sem conseguirem colocar temperatura suficiente. O melhor seria usar os intermediários até eles virarem slicks e usar o fato de eles precisarem de menos temperatura para funcionar.

A maioria dos pilotos só percebeu isso quando trocou para um jogo novo de intermediários, teve um pouco mais de aderência no começo, e depois não conseguiu manter o ritmo por conta do graining.

O primeiro piloto a parar na segunda rodada, Leclerc, saiu do box em nono na volta 30, ganhou as posições de Ricciardo e Sainz quando eles pararam, e depois foi escalando, na pista, o restante: passou Albon e Stroll na mesma volta, depois Vettel, herdou a posição de Verstappen após sua terceira (e desnecessária) parada, e depois pagou por isso, sofrendo no final. Na tentativa de brigar com Perez, escorregou e viu Vettel lhe roubar o pódio. Andando sem trânsito na frente, o alemão fez uma corrida sem erros.

Foi um pódio merecido junto de Hamilton e Perez, que entenderam no meio do caminho qual era a chave da corrida. Os dois são famosos por lidarem muito bem com os pneus Pirelli, e mais uma vez mostraram isso. Mas é claro que as atenções recaem mais sobre Hamilton porque, quando ele entendeu o que estava acontecendo, seu ritmo foi absolutamente incrível. Ok, a Mercedes é muito melhor que sua cópia, mas não 2s mais rápida. Na volta 34, ele estava pouco menos de 5s de Perez. Na 44, ele estava quase 18s na frente, diferença que chegaria a 31s no final.

Foi tanta folga que a Mercedes até lhe ofereceu uma parada por segurança, já que ele temia que os pneus explodissem. Mas o inglês lembrou de como perdeu o título de 2007, naquela entrada do box na China, e decidiu seguir na pista. Foi uma corrida em que experiências do passado serviram mais para os detalhes mesmo, já que a situação de pista era bastante única. Mas os detalhes fizeram uma baita diferença no GP da Turquia.

Drops do GP da Turquia e o caos “controlado”

@F1 Pool

É difícil imaginar que a Liberty vá estender a cortesia deste ano de pagar por eventuais melhorias nos circuitos em que, eventualmente, tiver de correr no futuro no mesmo esquema deste ano. Os portugueses e os turcos aproveitaram a oportunidade para ganharem um asfalto grátis para suas pistas (quem sou eu para julgar se necessário ou não), economizaram alguns milhões de dólares e causaram uma dor de cabeça daquelas para pilotos e equipes. Em Portimão, o resultado foi uma corrida muito boa. Na Turquia, por uma série de motivos (temperatura mais baixa, falta de categorias de suporte e, claro, a chuva que apareceu em todos os três dias de atividades), a situação ficou no limite entre a chance de os pilotos e engenheiros mostrarem serviço e uma corrida daquelas que parecem que não vão ter fim, cheia de bandeiras vermelhas e SC. 

No paddock, a corrida dividiu opiniões. Os engenheiros e pilotos gostam de ser vistos como perfeitos, ou pelo menos andando sempre em alto nível, e não colocando silver tape nos dutos de freio ou rodando mais de uma vez durante a corrida.

Mas, no final das contas, na corrida com pior condição de pista em muito tempo, o Safety Car não foi acionado, raridade neste ano. Nada como os espaçosos Tilkódromos.

É por esses e outros gastos que o resultado financeiro do terceiro trimestre, ou seja, depois que o campeonato já tinha começado, foi negativo mais uma vez, e mudou até o discurso das equipes sobre os triple headers (três corridas em finais de semana seguidos). De não aceitarem nenhuma, passou por “talvez uma sequência dentro da Europa”. E chegou em Rússia-Singapura-Japão (!). Como já vimos inúmeras vezes na F1, quando a coisa pega no bolso, as convicções mudam. Foi o mesmo que aconteceu com o Brasil: a Liberty chegou a desistir da prova em 2021, e teve de voltar atrás. A corrida em SP não oferece a grana que eles queriam receber, e eles não têm a garantia de que as mudanças que queriam serão feitas, mas eles não estão em posição de escolher.

Até porque tem quem chame as 23 provas de “Calendário de Wall Street”, ou seja, para investidor ver, porque especialmente alguns GPs que estão no início do ano (Austrália e China) precisam de uma mudança significativa no cenário da pandemia para acontecerem. Então é melhor dar a bênção para o calendário agora e depois ver o que será realista em 2021.

Michael Masi tomou outra decisão questionável e, pela reação dos pilotos, dá para sentir que o apoio e a confiança no trabalho dele sofreram graves arranhões ao longo desta temporada. Ele decidiu liberar os carros durante a classificação quando ainda havia um trator na pista porque fora afirmado que ele sairia a tempo. Mas a saída do trator atrasou e ele não quis voltar atrás entendendo que dava para cobrir a situação com uma bandeira amarela. Os pilotos não gostaram nada disso, especialmente depois do incidente de duas semanas atrás, quando aqueles que tinham de descontar uma volta durante o SC em Imola estavam de pé embaixo quando descobriram que tinham sido liberados enquanto os fiscais ainda limpavam a pista. São decisões que mostram um Masi sob pressão de reiniciar as sessões rapidamente, e escolhendo ignorar protocolos de segurança para tal. Essa pressão é inerente à posição dele, e às vezes ele vai julgar errado, acontece. O problema é que, quando vimos várias vezes durante essa temporada, ele nunca admite sequer que poderia ter agido melhor ou diz que avaliará a situação para que não volte a acontecer no futuro.

Depois de um final de semana com o céu e ares tão carrancudos, não é que um arco-íris apareceu no céu? Foi o terceiro, por assim dizer. Um estava no capacete de Vettel e o terceiro, no discurso de Hamilton, inspirado após uma vitória que vai para o top 3 (pelo menos) da sua carreira. A Anistia Internacional cobrou um posicionamento em relação à Arábia Saudita e ele respondeu enquanto comemorava a vitória: “Só estamos no começo do trabalho para nos responsabilizamos, como esporte, e encarar – não ignorar – os problemas de direitos humanos dos países para os quais nós vamos, como podê-los ajudá-los e empoderá-los para fazer mais para que eles realmente possam mudar aqui a 10, 20 anos.” Recado dado.

Os 7 atos do hepta de Hamilton

É comum ouvir os rivais dizerem que Lewis Hamilton é impressionante por ser muito consistente. O diretor técnico da Mercedes, James Allison, é até mais enfático: “Quando temos um dia ruim, não precisamos nos perguntar ‘será que o Lewis teve um dia ruim?’. Sabemos que não fomos competitivos porque não fizemos um trabalho bom o bastante. É isso que trabalhar com um piloto extremamente talentoso nos dá: um grau de certeza a respeito do nosso nível de engenharia, porque podemos ter certeza do nível que o piloto pode dar.”

A corrida do heptacampeonato, que o colocou em pé de igualdade em número de títulos com Michael Schumacher, foi um grande exemplo disso. Mas não foi o único. Os dois grandes erros dele em 2020 na verdade foram mais falhas da equipe do que do piloto – entrar nos boxes com o pitlane fechado em Monza e ensaiar largada na posição errada antes do GP da Rússia.

Porém, o que mais impressionou na temporada do hepta foi a maneira como ele manteve a calma e encontrou saídas para quando as coisas não saíram como planejava. Isso, em uma temporada que tem sido mentalmente muito dura para todos na F1 devido à sequência inédita de provas em um curto espaço de tempo em resposta à covid, e a todos os procedimentos também relacionados à pandemia, que dificultam o trabalho de todos.

Mas Lewis não deixou que isso o abatesse, e construiu o hepta em sete atos:

The emotions spill out, as @LewisHamilton conquers the world for the seventh time ??#TurkishGP #F1 pic.twitter.com/KzqVKysLqL— Formula 1 (@F1) November 15, 2020

1º ato: De duas punições na Áustria à vitória no GP seguinte

A temporada não começou bem para Hamilton: ele foi punido pouco antes de alinhar no grid na Áustria por não ter respeitado bandeiras amarelas na classificação. Na ocasião, ele vinha rápido o suficiente para bater a pole provisória de Bottas, mas teve que tirar o pé porque o companheiro errou, não o fez e foi punido por isso. E, na corrida, levou outra punição, discutível, após briga com Alex Albon. Chegou em quarto. No final de semana seguinte, foi totalmente absoluto.

2º ato: Pole em Silverstone após rodada

O GP da Grã-Bretanha de 2020 vai ficar marcado pelas cenas da última volta, quando Hamilton teve um pneu furado e se arrastou para vencer. Mas ele só estava naquela posição por uma virada (que ele classificou como uma das mais difíceis da carreira) na classificação. O piloto não estava feliz com o equilíbrio do carro e teve uma rodada, “a primeira em muito tempo”, como ele salientou, na segunda parte do classificatório. Teve de se recompor e fazer uma tentativa a mais numa classificação que já se desenhava complicada para ele, já que Bottas é sempre forte em Silverstone. “É difícil porque classificação é uma crescente, e uma rodada corta isso. E foi ainda mais difícil porque o Valtteri estava colocando muita pressão em mim com as voltas rápidas que estava fazendo.” No Q3, Hamilton fez a pole. De quebra, colocou mais de três décimos em cima de Bottas.

3º ato: Mais calmo até que o engenheiro na Rússia

Ele disse que a classificação do GP da Rússia foi “horrível” e “estressante”, mas não foi o que ele deixou transparecer enquanto esteve na pista. Hamilton saiu da pista na última curva e teve a primeira volta no Q2 deletada. Quando estava a poucas curvas de terminar a segunda tentativa, a sessão teve uma bandeira vermelha devido a uma batida de Sebastian Vettel. Faltavam dois minutos para o fim da sessão e Hamilton estaria fora do top 10. Quando a sessão foi reiniciada, ele acabou ficando no final de uma fila de carros que também tentavam abrir a última volta antes de o cronômetro zerar. Hamilton foi dando espaço para o carro que ia à frente enquanto seu engenheiro, o geralmente frio Peter Bonnington, berrava “vai, vai, vai!”. Ele conseguiu abrir a volta, passou para o Q3 e, de quebra, cravou a pole position em uma pista na qual Bottas é especialista.

4º ato: À espera do erro de Bottas na Alemanha

É marcante como a grande arma de Hamilton já há algum tempo é sua adaptação aos pneus, algo que era seu ponto fraco nos primeiros campeonatos. E isso ficou claro no GP de Eifel. Ele largou na pole, mas perdeu a posição para Bottas na segunda curva. Nas voltas seguintes, o finlandês parecia escapar, mas era só Hamilton cuidando dos pneus e esperando para dar o bote. Ele viu que o companheiro começou a derrapar nas curvas e tirou quatro décimos em uma volta. Na seguinte, Bottas errou na volta 13, Hamilton passou e, a partir daí a fatura estava liquidada. Os pneus da F1 são tão sensíveis que tendem a sofrer com superaquecimento, o que acelera o desgaste, se um carro segue o outro até com três ou quatro segundos de diferença. Mas parece que, com Hamilton, isso não acontece.

5º ato: Decifrando os pneus em Portimão

Na primeira vez em que teve a oportunidade de se tornar o maior vencedor da história, Hamilton começou mal, com muitas dificuldades para fazer seus pneus funcionarem no asfalto novo de Portugal. Foi passado por Bottas e até pela McLaren de Carlos Sainz. Porém, mudou a maneira como estava pilotando durante a corrida e passou a andar em um ritmo que só ele encontrou, passando os dois com extrema facilidade e tendo uma de suas vitórias mais dominantes da temporada.

6º ato: Drible em Imola

Os pilotos foram para o GP da Emilia Romagna sabendo que seria muito difícil ultrapassar. E Hamilton não facilitou sua vida quando caiu para terceiro na largada. Mesmo já sendo o maior vencedor da história e tendo enorme folga no campeonato, ele focou no que poderia fazer para vencer a prova. Manteve-se perto de Valtteri Bottas, que liderava, e Max Verstappen, mas ao mesmo tempo estava cuidando de seus pneus para que, depois que os dois parassem, ele pudesse adotar um ritmo mais rápido para voltar à frente quando fizesse seu pit stop. É fato que a perda aerodinâmica do carro de Bottas depois que ele “atropelou” um pedaço da asa dianteira da Ferrari ajudou Hamilton em sua missão, mas a maneira como ele sobrou na prova foi marcante.

7º ato: A vitória do título dando uma volta no próprio companheiro

É bem provável que a vitória do título seja a performance mais impressionante de todas. A Mercedes é um carro projetado para andar bem no calor, para evitar superaquecer os pneus. Mas o asfalto escorregadio da Turquia, as baixas temperaturas e a chuva fizeram com que a vantagem na grande maioria dos cenários virasse contra a equipe, e Hamilton largou em sexto em Istambul, largou mal, chegou a escapar mas, assim como em Portimão, foi entendendo aos poucos como fazer seus pneus funcionarem, não quis parar quando a equipe pensava em copiar o que os rivais diretos faziam e, novamente, estava certo: a pista estava secando, então os pneus intermediários usados começaram a render melhor do que os novos.

No final, a equipe chegou a lhe chamar para uma parada de segurança, mas a lembrança do título que ele perdeu logo na sua primeira temporada, em 2007, quando escorregou na entrada dos boxes e abandonou, falou mais alto. Mais uma decisão correta de um piloto que sempre foi habilidoso, mas que hoje ganha com o braço e também com a cabeça.

Turistando na F1 e 10 coisas que você não sabia sobre a Turquia

E pensar que eu tinha preparado para esta semana, que seria a do GP do Brasil, um post com 10 coisas (acho que deu mais, inclusive) que os gringos não entendem sobre o nosso país, incluindo perguntas pertinentes sobre restaurantes por quilo e onde o papel higiênico vai parar. Mas fica para outra oportunidade!

Ao invés de São Paulo, a F1 vai para Istambul, uma cidade com uma história e cultura completamente diferentes, mas cujo povo guarda muitas semelhanças com os brasileiros. Ou pelo menos foi minha impressão na única vez por que passei por lá, já há 7 anos. Uma conexão é até óbvia: o futebol, uma grande paixão dos turcos. Brasil é sinônimo de Alex por lá.

Mas também há muita coisa diferente:

Istambul é uma das maiores cidades do mundo, e é bem provável que vocês vejam alguém da F1 citando o trânsito neste fim de semana, já que não há muitas opções de hotéis perto do circuito e é preciso encarar a movimentação da cidade com o 15º pior trânsito do mundo. E esse movimento todo não é de hoje: Istambul era a cidade mais populosa do mundo quando os portugueses chegaram no Brasil, título que só lhe foi tirado, por Londres, em 1840.

A Hagia Sophia foi a maior igreja do mundo por cerca de 900 anos, até a construção da Catedral de Sevilha em 1520. Nesta época, inclusive, logo depois da queda de Constantinopla, o local já tinha sido transformado em uma mesquita (e hoje é um museu). São edificações como esta que mostram como Istambul foi uma cidade extremamente importante na história da humanidade, sendo capital de três grandes impérios (a capital leste do Império Romano, quando se chamava Constantinopla, do Império Bizantino e do Otomano). Área importante de comércio devido ao Bósforo, é habitada há 8 mil anos.

Aliás, falando em Império Otomano, os séculos de presença dos turcos em boa parte do leste europeu ainda são claramente visíveis quando se viaja principalmente nos países da ex-Iugoslávia. Essa foto aí é de Sarajevo, na Bósnia. Lembro de dar risada sozinha quando o ônibus em que eu estava, vindo de Belgrado, passou pelo centro de Sarajevo e eu pensei, de brincadeira, “devo ter dormido bastante para ter chegado em Istambul”. A presença otomana é garantia de bom café, se você é dos fortes.

Mas nem sempre beber café foi uma boa ideia na época do Império Otomano. No século XVII, o sultão Murad IV, considerava que o café era uma droga estimulante e provocava comportamentos indecentes, e portanto seu consumo deveria ser punido com pena de morte. Ele, inclusive, se disfarçava e andava pelas ruas procurando pessoas que estivessem tomando café para cortar suas cabeças. Isso acabou no final do mesmo século.

Antes disso, durante a Idade Média, enquanto a Europa era sinônimo de atraso, o Império Otomano avançava em diversas áreas. Muitos dos cálculos que levaram Copérnico à teoria do heliocentrismo na verdade vieram dos cientistas otomanos. Outro dado interessante é que, na Istambul da Idade Média, havia mais de 1400 banheiros públicos, algo inexistente na Europa na época.

A Turquia é um destino turístico para quem gosta de praia. A chamada Riviera Turca fica perto de Antalya e tem longas praias de areia (o que não é tão comum como os brasileiros esperariam na Europa). E a água vai ficando num tom mais turquesa mais para o leste, para Kaş e mais ainda para Bodrum. Até porque, chegando lá, as primeiras ilhas da Grécia estão logo ali.

E quem estava na praia perto das ilhas gregas especialmente em 2016 muito provavelmente se surpreendeu com os botes e cheios de refugiados que vinham principalmente da Síria e buscavam cruzar o mar para chegar na Grécia e, dali, procurar recomeçar a vida em algum país da Europa. A guerra da Síria já tinha começado fazia tempo, mas foi em 2016 que a situação se complicou a ponto de quase 5 milhões de pessoas terem decidido sair do país. Muito se falou do fluxo migratório para a Europa, mas foi a vizinha Turquia que absorveu, e ainda absorve, a grande maioria dos refugiados (não apenas da Síria, mas de outras regiões de conflito na Ásia). Hoje, calcula-se que a Turquia tenha mais de 3.5 milhões de refugiados. O país tem 85 milhões de pessoas.

A Turquia também é um dos maiores destinos do mundo para turismo médico. Isso mesmo. O sistema médico em alguns países, especialmente nos Estados Unidos, é tão caro que vale a pena ir para a Turquia fazer determinados tratamentos. Mas não são só americanos: quase 1 milhão de pessoas de mais de 100 países diferentes procuraram os médicos turcos ano passado, e o número tem crescido junto com o investimento nesta área.

Atire a primeira pedra que não chamou árabe de turco e turco de árabe. São povos diferentes, ainda que hoje dividam, em sua maioria, a mesma religião, o islã. Os turcos são originários da região das montanhas Altai, onde Mongólia, Cazaquistão, China e Rússia se encontram. O povo que acabou sendo forçado para o oeste pelo reino mongol, que foi um dos maiores do mundo, e acabou ficando na região onde hoje é a Turquia (e também tendo um dos maiores impérios do mundo).

Até por isso, o turco é uma língua que guarda similaridades com o mongol, embora a escrita árabe tenha sido adotada por séculos. O Alcorão perde muito de seu sentido quando traduzido, então o melhor para estudar o livro sagrado do Islã é aprender a caligrafia árabe. Mas, depois do fim do Império Otomano com a Primeira Guerra Mundial, foi iniciada uma reforma com a latinização do alfabeto turco, para conectar o país com a Europa. Mas ainda assim as diferenças chamam a atenção, como as letras Ğ, Ü, Ö, Ş, I (existe um i com ponto e outro sem).

Por dentro da F1 e dos gráficos da transmissão da TV

Há várias camadas para se entender uma corrida de Fórmula 1, mas durante muito tempo o que não estava na superfície ficava a quilômetros de distância dos torcedores que não acompanhavam mais do que a transmissão em si. Nos últimos anos, a quantidade das informações que são mostradas durante a transmissão aumentou consideravelmente. O que antes era apenas limitado à diferença entre um piloto e outro ou tipo de pneu e perda de tempo no pit stop, hoje passa por chance de um piloto ultrapassar o outro, o que resta dos pneus e até a evolução dos carros.

Mas como esses dados são processados e o quão confiáveis eles são? Trata-se de uma tentativa de traduzir os dados aos quais as equipes têm acesso em algo digerível para o espectador. Com a diferença que os espectadores não são os engenheiros com todo seu conhecimento prévio para analisar tudo com muito mais precisão.

Esses gráficos são desenvolvidos pela equipe comandada pelo ex-engenheiro de Ferrari e Williams Rob Smedley. O que chama mais a atenção é o de uso de pneus, bastante acionado durante as transmissões (e bastante questionado no paddock). Esse gráfico tenta deduzir quanta borracha ainda não foi gasta no pneu, algo que nem as equipes sabem com precisão. Elas só têm uma ideia melhor na segunda parte da corrida justamente por terem avaliado o que sobrou do primeiro jogo, então o gráfico é uma estimativa que não deve ser levada ao pé da letra. E outro fator importante é sempre lembrar que o desgaste de pneus não é linear (é muito mais fácil chegar ao que o gráfico prevê como 30% do que ir dos 30% até zerar). Sem ter quem informe que a interpretação deve ser essa, o gráfico perde muito de seu sentido.

Outro gráfico que é usado há algum tempo é o de probabilidade de ultrapassagem, que une dados históricos e a telemetria ao vivo para tentar determinar qual a chance de um piloto passar o outro. Novamente, são estimativas que vão levar em conta dados que existem, como a velocidade máxima de cada carro, quantas voltas foram feitas com o jogo de pneus e qual o padrão de desgaste, quão rapidamente um carro de aproximou do outro, etc. Mas também são números que carecem de interpretação e que não podem ser levados ao pé da letra.

O mais novo membro da “família” dos números que vêm do que é chamado de “machine learning”, ou seja, da capacidade de alimentar os algoritmos para que eles façam previsões mais próximas da realidade é a análise de performance dos carros, é o de desenvolvimento dos carros.

Foi o gráfico mais complexo que o grupo de Smedley desenvolveu até agora, e ainda assim foi preciso desconsiderar alguns parâmetros. O gráfico busca identificar os ganhos em aerodinâmica relacionando a performance nas curvas e aderência do asfalto e as melhorias em reta cruzando potência de motor e arrasto. Para isso, eles consideram que todos os carros têm o mesmo nível de aderência, o que já é o primeiro comprometimento, e vão tentando separar o que é arrasto e o que é potência, por exemplo, comparando dois carros que usam o mesmo motor (outro comprometimento, porque as maneiras de usar os softwares podem ser diferentes).

Enfim, cruzando os dados eles criam uma referência e, por meio de simulações, vão ajustando carro a carro. Cruzando esses dados de telemetria, eles conseguem determinar o quanto o carro está evoluindo em termos de aerodinâmica e na relação potência/arrasto com uma acuidade bastante razoável. Esse gráfico, por exemplo, é interessante porque a leitura dos engenheiros para a diferença para a simulação e a realidade (as linhas preta e vermelha seria a ação do piloto). Pouca, não?

Assim como acontece com o gráfico dos pneus e das ultrapassagens, o que vai aparecer na TV é uma versão muito mais mastigada e simplificada de todos os dados que estão por trás destes gráficos. As linhas comparativas, por exemplo, são suavizadas para mostrar tendências. Como todos os algoritmos por aí, podem ajudar na compreensão de muita coisa, mas não são uma verdade inabalável. 

O mais interessante dessa história toda é que esse investimento alto da F1 em machine learning na verdade não acaba nos gráficos. É de todo interesse da categoria alimentar da melhor maneira possível suas ferramentas de simulação porque é com elas que novos regulamentos (esportivos e técnicos) estão sendo testados. Ou seja, foi-se a era de “propor” mangueiras para molhar a pista e dar emoção às corridas.

Um GP “brasileiro”

(Ferrari)

Era para a próxima corrida do calendário ser justamente o GP Brasil, dia 15 de novembro, e curiosamente a prova que acabou ficando para o lugar de Interlagos tem uma forte relação com o país. Muita gente lembra do GP da Turquia como o palco da primeira pole e da primeira de três vitórias seguidas de Felipe Massa no país, mas o circuito de Istambul também foi o palco de um dia importante para Rubens Barrichello, quando se tornou o recordista de largadas na F1.

O recorde, estabelecido em 2008, acabou caindo neste ano, com Kimi Raikkonen, e Rubinho deve ficar atrás também de Fernando Alonso, que volta ao grid ano que vem. E pensar que, no GP da Turquia de 2008, o próprio Alonso estava falando que seria muito difícil chegar em Rubens, que já avisava que passaria dos 300 (e os dois passaram: 322 e 312). Kimi já tem 325 (e odeia falar sobre isso).

E o mais engraçado dessa história é que, na época, Sebastian Vettel, em sua primeira temporada completa, brincava que, quando Rubens estreou, ele “ainda estava no jardim de infância”. Talvez possa ouvir o mesmo de outros pilotos hoje em dia.

Mas é impossível falar do GP da Turquia sem falar de Felipe Massa. Foram três poles e três vitórias (das 11 corridas que ele venceu na F1) que só não foram absolutas porque ele foi ultrapassado por Lewis Hamilton durante a corrida de 2008, mas volto nessa história (muito interessante para entendermos a evolução do hexacampeão) mais tarde.

Massa já tinha dado um sinal de que se daria bem com a pista da Turquia quando colocou a Sauber em oitavo lugar no grid, abandonando logo no começo da prova por um problema no motor. Em 2006, já na Ferrari, vinha tendo uma temporada difícil até começar a trabalhar com Rob Smedley, na quinta prova do ano, como engenheiro de pista. Chegou à Turquia como terceiro colocado em um campeonato no qual a Ferrari tentava se recuperar: Schumacher estava a 10 pontos de Alonso, o equivalente a 25 pontos na “moeda” de hoje. O espanhol vinha de um abandono por problemas mecânicos na corrida da Hungria, que Schumacher não tinha conseguido aproveitar.

Sim, o GP anterior fora o da Hungria. Em sua segunda edição, a prova turca foi realizada em pleno verão, em agosto, num clima bem diferente do que a F1 vai encontrar neste final de semana. Então o desafio era ter um carro com a frente bastante presa para as curvas de baixa do começo e do fim da volta, e evitar que os pneus traseiros estivessem quentes demais após a saída da 8, já que isso tiraria aderência das curvas rápidas antes da longa reta.

Trechos sinuosos, longa reta? Sim, Istanbul Park é um Tilkódromo. Mas principalmente pela curva 8 ter três tomadas, é considerado mais do time de Austin (que inclusive tem uma curva parecida, e não é por coincidência) do que Abu Dhabi.

Voltando a 2006, a Ferrari dominou as ações e Massa fez sua primeira pole position com quase 0s4 de vantagem em cima de Schumacher. Na largada, o alemão até protegeu o brasileiro para que a Ferrari mantivesse o 1-2 e deixasse Alonso para trás.

É bem possível que o plano da Scuderia fosse inverter a ordem de seus pilotos mais tarde, mas a primeira parada nos boxes foi em período de SC, e Schumacher teve de esperar a parada de Massa, perdendo a segunda posição para Alonso. Para piorar, o alemão não se deu bem com o segundo jogo de pneus, então seu foco era na briga com o espanhol. E eles cruzaram a linha praticamente lado a lado!

Lá na frente, Massa venceu tranquilo. “Sinto muito por Michael, mas obrigado”, disse ele no rádio. E mandou um “aqui, ó!” quando saiu do carro.

O brasileiro chegou em uma situação bem diferente no ano seguinte, lutando pelo campeonato. Ele dividiu a primeira fila com Lewis Hamilton, ultrapassado pelo novo companheiro de Massa, Kimi Raikkonen, na largada. As Ferrari eram novamente muito melhores e fizeram a dobradinha com tranquilidade. Quando Massa venceu aquela corrida, quatro pilotos (ele, Kimi, Lewis e Fernando Alonso) tinham três vitórias cada, com cinco provas para o final. Seria a quebra no GP seguinte, na Itália, que tiraria o brasileiro da disputa direta já que, a partir daquele momento, estava acertado na Ferrari que quem estivesse na frente teria tratamento prioritário, o que acabou dando certo: foi o último título de pilotos da Scuderia.

(Ferrari)

Em 2008, o GP da Turquia foi puxado para ser a quinta etapa. A Ferrari vinha de uma dobradinha com sobras na Espanha e com Kimi como líder, mas novamente Massa se impôs em solo turco e fez outra pole, numa classificação que teve Heikki Kovalainen superando Lewis Hamilton na McLaren. Mas os dois finlandeses tiveram um toque na primeira curva e a corrida se tornou uma questão de limitação de danos para o campeão de 2007.

Hamilton parecia mais forte que Massa e passou o brasileiro. Seria o fim do reinado do sultão Massa? Logo ficou claro que Hamilton estava numa estratégia de três paradas, contra duas de Massa. E não porque era a mais rápida: o inglês estava forçando tanto os seus pneus que a Bridgestone o aconselhou a fazer três paradas, já que seria mais seguro para ele terminar a corrida. Sim, o Lewis que ganha corridas ficando mais tempo na pista que os rivais hoje em dia já foi um destruidor de pneus (perdeu 2007 também por conta disso, inclusive). Massa, então, recuperou a posição nos boxes e venceu a terceira.

Felipe ainda teria um sexto lugar com uma Ferrari ruim em 2009 (novamente terminando na frente de Kimi) e defenderia sua invencibilidade contra companheiros também contra Alonso no sábado e no domingo, em uma corrida épica em 2010, com direito a batida entre companheiros na Red Bull e outra briga dentro da McLaren pela vitória, que acabou ficando com Hamilton.

A prova de 2011 foi a última na Turquia e a única com uma F1 mais próxima ao que é hoje em termos de regulamento. Pneus Pirelli, DRS, sem reabastecimento. E foi também uma temporada de extenso domínio, mas de Sebastian Vettel: ele venceu com facilidade, de ponta, abrindo 34 pontos de vantagem depois de quatro etapas.

E também foi uma corrida parecida em 2020 porque as disputas foram intensas mais para trás. Com pilotos e equipes ainda se adaptando na quarta corrida dos pneus de alta degradação da Pirelli, houve nada menos que 80 pitstops, um recorde, e também foi a corrida com mais ultrapassagens desde 1983. 

As equipes sabem muito mais sobre os pneus, as corridas sem reabastecimento e o DRS hoje em dia, e detalhes destes parâmetros mudaram também. Mas isso não deixa de criar uma expectativa toda especial para a corrida que ficou com a “vaga” de Interlagos, mas está entre as mais brasileiras das etapas.

Estratégia do GP da Emilia Romagna e a posição de pista

FIA Pool

O GP de Emilia Romagna foi mais uma daquelas corridas que Lewis Hamilton não deveria ganhar, mas ganhou, já que fez sua parte para se colocar em situação de aproveitar qualquer oportunidade que aparecesse, buscando virar o jogo mesmo caindo para terceiro na largada em uma pista de difícil ultrapassagem, mesmo estando tranquilo no campeonato. Enquanto vários pilotos muitas vezes se acomodam em uma situação dessa, ele sempre busca algo “fora da caixinha” para virar o jogo.

Em Imola, foi o overcut, ou seja, andar rápido com pneus usados para tirar os quase 5s de desvantagem que tinha antes da primeira parada do pole Bottas e do segundo Verstappen. Os três tinham planejado fazer a mesma estratégia: largar com o pneu médio e fazer a segunda parte da prova com o duro. Mas a durabilidade de ambos os compostos daria duas opções estratégicas para as equipes: ou antecipar a parada e apostar em aquecer o duro rápido e conseguir ganhar a posição dessa maneira (com o undercut) ou com a estratégia de Hamilton, que foi a que funcionou melhor no domingo em Imola porque o pneu médio foi aquele que se mostrou mais consistente.

Mas ele mal sabia que sua vitória tinha começado a ser construída logo na segunda volta, quando Valtteri Bottas passou por cima do pedaço da asa dianteira da Ferrari de Sebastian Vettel. Sem ter tempo de evitar bater, ele escolheu pegar a peça de frente para não ter um furo no pneu, e acabou com o detrito embaixo do carro. Foi um azar tão grande que a Mercedes custou a acreditar que era isso mesmo que tinha acontecido.

A peça tirou 50 pontos de aerodinâmica do carro, o que daria mais de meio segundo por volta. Talvez, inclusive, a Mercedes até tenha percebido o que acontecia e evitado dizer a Bottas antes da parada porque a Red Bull ouviria e Verstappen, ao invés de tentar o undercut, permaneceria na pista esperando que Bottas parasse primeiro. Com a dificuldade de se ultrapassar em Imola, a posição de pista é o mais importante a se defender.

Foi também sabendo que Bottas não conseguia adotar o ritmo que o carro permitia que a Mercedes teve que responder ao “ataque” da Red Bull e parar Bottas na volta 19. E sem mexer no “detrito”, pois não havia tempo, além do que a Mercedes vem tendo perdas em seu time de mecânicos desde a Alemanha por conta da covid e de isolamentos decorrentes dela e sua equipe de pitstop não é a titular no momento. O foco era em manter a posição de pista.

Esse contexto lá na frente deu a chance para Hamilton fazer o overcut funcionar. Quando ele chegou na volta 29, estava perto dos 28s de que precisava para parar, voltar na frente, e não se arriscar muito com o pneu duro frio para defender a liderança. Conseguira abrir essa diferença por seu ritmo, claro, mas também porque Bottas não conseguia ser tão rápido quanto poderia, com um carro mais lento e mais arisco nas freadas. O ritmo dele mostrava que ele ainda tinha algumas voltas no pneu para abrir mais e voltaria na liderança de qualquer jeito, mas alguns segundos de VSC foram suficientes para lhe dar ainda mais tranquilidade.

Com o carro mais rápido do dia e agora tendo a posição de pista, a fatura estava liquidada para Hamilton. Bottas foi sofrendo cada vez mais com o carro, errou duas vezes e Verstappen aproveitou, mas ficou pelo caminho algumas voltas depois aparentemente por passar por cima (também) de detritos.

FIA Pool

A rodada e o decorrente SC jogariam pimenta na corrida do segundo pelotão, na qual os pilotos que optaram pelo overcut largando com o pneu médio vinham tendo vantagem em relação a quem começou a corrida com o macio (todos do top 10, menos os três primeiros, e Giovinazzi). Mas, ao mesmo tempo, o Safety Car causado por Verstappen veio um pouco tarde demais para Raikkonen, que se aguentou até a volta 48 com o mesmo jogo de médios esperando um SC, e ele apareceu TRÊS voltas depois!

Nessa briga, que acabou se tornando pelo pódio, Ricciardo vinha com a vantagem desde a largada (e com a sorte de ter visto o piloto com o ritmo mais próximo ao seu em teoria, Gasly, fora logo no começo), mas perdeu a posição para Perez justamente quando o mexicano conseguiu fazer o overcut funcionar, ajudado por Magnussen, que segurou a turma que tinha largado com os macios antes de fazer sua parada.

As paradas desse pelotão que vinha logo atrás dos três primeiros tinham sido provocadas por Leclerc, ainda que o piloto não tenha entendido por que a Ferrari o chamou cedo aos boxes, na volta 13. Já Sainz tentou estender ao máximo o primeiro stint e foi o piloto que mais andou com os pneus macios (17 voltas), mas voltou para o mesmo lugar onde estava depois da parada. Na verdade, salvo Perez, as posições do top 10 estavam praticamente inalteradas em relação à largada, com a diferença mais significativa sendo Russell aparecendo em décimo após ter trocado os médios pelos duros cedo e adotado um ritmo bom o suficiente para estar na frente de Raikkonen, das Haas e de Vettel, que vinha fazendo uma boa corrida em que pese a asa quebrada e antes do pitstop desastroso.

Mas tudo mudou com 12 voltas para o final e o SC, com algumas equipes priorizando acertadamente a posição de pista, e outros interpretando que a combinação de pista relativamente fria com pneu gasto iria ser fatal na relargada: Ricciardo, Albon e Leclerc não pararam, assim como as duas Alfa Romeo, que lucraram a parada de Vettel. 

Não havia uma decisão certa ou errada nesse caso. Dependia de quantas posições seriam perdidas com a parada e do rendimento de cada carro com o pneu macio. Por isso que, para Ricciardo, ficar na pista foi a garantia de um pódio que estava perdido. 

Para Albon, o mesmo resultou em uma rodada e o fim da chance de pontuar. 

Para Perez, parar foi a diferença entre um terceiro e um sexto. 

Para Kvyat, fazer o pitstop foi a chance de ter o melhor resultado do ano.

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Drops do GP da Emilia Romagna e o segundo lockdown na Europa

FIA Pool

Foi de um jeito meio desinteressado, sentado meio de lado na cadeira de entrevistas, com os braços apoiados no encosto, que Lewis Hamilton respondeu à pergunta, que era sobre Wolff, dizendo que “nem sei se vou ficar aqui ano que vem”. Pareceu um jeito estranho de fugir de uma resposta. E é claro que os tabloides ingleses foram em cima, e ele respondeu calmamente que “tem muita coisa na minha cabeça no momento”. Imagino eu que a Mercedes não tenha gostado de ver suas manchetes pelo títulos roubadas dessa maneira, mas também já entrevistei Hamilton vezes suficientes para saber que vez ou outra ele exagera nessas falas logo após a corrida. 

Há cada vez mais casos de coronavírus e cada vez mais dúvidas sobre as contas que a FIA faz em sua divulgação. Veja bem: o órgão de saúde de Portugal informou que houve 14 positivos entre os profissionais da F1 testados por lá, ou seja, nos testes conduzidos na semana da prova até o domingo. Os resultados divulgados pela FIA são sempre de sexta a quinta, e só contam os positivos dos testes feitos na pista. Oficialmente, foram 8 positivos semana passada e 9 positivos até essa quinta. Isso significa 17 no total, ou seja, apenas três positivos em Imola.

Pode ser real? Pode. Mas havia casos na Williams, houve gente da Renault que teve que voltar entre uma corrida e outra, havia pessoas isoladas na equipe da própria F1, e as dúvidas surgem porque a impressão é de que os números não batem.

Lembrando que a ideia de todas as restrições não é acabar com os casos, isso seria irreal. O foco dos testes contínuos e do estabelecimento das mini-bolhas é evitar que o vírus se espalhe no paddock e pare o campeonato. E isso tem funcionado e é inclusive importante para a F1 convencer os governos de que é seguro recebê-la. É esperado que haja casos, até porque a segunda onda está vindo forte na Europa, que o grupo que está ao redor de quem testa positivo fique isolado, e que eles sejam substituídos por quem está na fábrica, pois sempre há um time B de prontidão, mas há outras áreas em que não é tão fácil encontrar peças de reposição e tem gente trabalhando por dois e sobrecarregado, ainda mais com uma temporada já tão intensa como esta. 

Em relação às próximas etapas e ao funcionamento das fábricas, primeiramente usa-se o termo de segundo lockdown, mas as regras são diferentes, com as pessoas indo trabalhar se não puderem fazê-lo de casa. E a F1 tem um “selo” de esporte de elite para fazer as viagens sem que isso signifique burlar as regras. Só deve ser praticamente impossível para quem viaja de forma independente, como os jornalistas, estarem presentes.

Entre os países para os quais a F1 vai neste ano, são os Emirados Árabes que têm as regras mais duras e, para fazer Abu Dhabi, será montado um esquema especial, com voos fretados para levar todo mundo do Bahrein para lá, e com os profissionais “presos” na Yas Island.

Dentro deste contexto, o calendário de 23 corridas apresentado às equipes foi bem recebido como uma forma de mostrar força para os acionistas. “Se você começar já com comprometimentos, não chega a lugar nenhum”, definiu Guenther Steiner. E é esse o pensamento: é muito difícil que o calendário seja seguido, porque a pandemia não vai desaparecer de uma hora para a outra, mas é importante abrir as possibilidades.

Até porque a estimativa é de que as equipes tenham 50% do que normalmente receberiam por esta temporada, já que esta é a queda de arrecadação prevista. As corridas que estão sendo feitas não rendem o mesmo, obviamente, e na verdade representam a maior queda na receita. Sem ter recebido o contratado, as TVs estão em pé de guerra também para pagar menos, e, assim como em relação ao calendário, ninguém espera que a situação se normalize totalmente ano que vem.

FIA Pool

Isso, é claro, influencia diretamente no mercado de pilotos. Mas não exatamente os salários, como a discussão sobre um teto também para eles leva a crer. A F1 pode impor o limite que quiser, mas há muitas maneiras de contornar isso. Os contratos dos pilotos variam muito – há quem ganhe um salário + bônus por pontos, vitórias, etc., há quem não seja totalmente pago pela equipe. Claro que a crise diminui os salários que estavam inflacionados, mas o talento sempre será recompensado.

Quer dizer, talvez nem sempre. Russell quis passar tranquilidade neste final de semana, mas ainda não está muito claro de onde vai vir o orçamento da Williams para o ano que vem. Até que isso aconteça, ou até que a Red Bull tome sua decisão final sobre o futuro de Albon (já que isso poderia tirar Perez do mercado), é justo que o mexicano tenha alguma chance. A Daimler acaba de anunciar um corte de 20% nos gastos mundiais, e não vai deixar de ganhar dinheiro com sua cliente para manter Russell no grid ano que vem, e Perez pode melhorar sua proposta, trazendo mais dinheiro dos patrocinadores e pegando menos de volta para si (os números variam dependendo da fonte, mas hoje ele deixaria para a Racing Point somente um ou dois milhões, no máximo – há quem diga que ele pega tudo o que traz dos patrocinadores, inclusive).

Quando o talento encontra a oportunidade

Ele não tem se contentado em “apenas” dominar a temporada 2020 da Fórmula 1: o mesmo Lewis Hamilton que avisou que a expectativa era de uma corrida morna neste domingo em Imola foi também um personagem central para que a prova fosse bem mais movimentada que o esperado, e ainda roubou a cena da comemoração dos sete títulos da Mercedes, uma marca inédita na história, ao dizer com todas as letras que ainda não decidiu se vai continuar na categoria no ano que vem.

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Estratégia do GP de Portugal

FIA Pool

O GP de Portugal foi uma prova mais para quem corre por instinto do que baseado em dados. Havia a questão da temperatura da pista, bem mais baixa do que nos treinos livres, combinada com a falta de maturação do asfalto em si, refeito semanas antes da prova e ainda muito liso, o que inclusive surpreendeu a própria Pirelli – a escolha de levar os 3 compostos mais duros e, ainda por cima, adicionar um jogo de pneus duros, tinha sido tomada com base nas informações do asfalto anterior. E teve ainda o vento, que foi mudando de direção e de intensidade ao longo da prova.

Não surpreendeu que tenha sido, portanto, uma vitória maiúscula de Lewis Hamilton.

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Quando Mercedes e Ferrari decidiram fazer o Q2 e, consequentemente, largar com os médios, os motivos estavam mais do que claros: o pneu macio sofria com graining forte, ou seja, começava a “descascar” e a perder rendimento logo nas primeiras voltas, e isso complicaria a estratégia de uma parada, que era a mais rápida. O melhor era confiar nos pneus mais duros, embora houvesse um problema: seria mais difícil colocar temperatura nestes pneus do que nos macios na largada, haja vista a pole feita por Hamilton na segunda volta do pneu.

Isso só piorou quando o domingo amanheceu nublado. A temperatura ambiente não se alterou muito, esteve sempre por volta dos 20 graus, mas a temperatura da pista despencou em 10 graus. Para piorar, garoou bem quando os pilotos estavam se preparando para a largada. Junte-se a isso o asfalto já muito liso, que dificulta o trabalho de aquecimento dos pneus e tira a aderência, e tivemos um show de escapadas e muita dificuldade nas primeiras voltas, especialmente de quem estava com o médio (Hamilton, Bottas, Leclerc e todos a partir do 11º, a não ser Kimi Raikkonen, que conseguiu pular de 16º para sexto). Naquele momento, Hamilton parecia sofrer mais que Bottas, e ambos foram passados por Carlos Sainz, que tinha largado em sétimo, com pneus macios.

Aos poucos, os médios foram ganhando temperatura e a ordem foi se restabelecendo, primeiro com Bottas retomando a ponta na volta 6 e Sainz caindo para quinto na volta 15.

Bottas chegou a abrir 2s3 para Hamilton, e aparentava estar se adaptando mais rapidamente às condições. Mas logo depois descobrimos que não era ele quem estava andando bem, era que o ritmo que estava nivelado por baixo: quando Hamilton entendeu o comportamento dos pneus, não apenas passou o companheiro na pista, como começou a adotar um ritmo muito mais forte. Isso tem a ver com a maneira dele pilotar, mas também de acertar o carro, deixando a traseira um pouco mais solta, o que o ajudou a manter a temperatura dos pneus mais estável, a grande chave para ter um bom ritmo. 

A corrida foi como uma maratona: quem correu já sabe que a pior coisa que você pode fazer para seu corpo é ficar mudando de ritmo. Troque o corpo pela temperatura dos pneus e você tem o “código secreto” do GP de Portugal. É claro que, se você não está em lutas por posição, é mais fácil fazer isso, mas tivemos no domingo algumas atuações especiais de Hamilton, Leclerc, Gasly e Sainz, que é um caso à parte.

Ele teve um pouco de graining no pneu macio no começo, mas foi controlável a ponto dele poder esperar a fase pior passar e só fazer sua parada na volta 27, colocando os duros e sabendo que era só levar o carro para casa a partir daí. Graining aparece geralmente quando a pista está fria e o piloto força muito logo de cara. Então ele conseguiu ir para a liderança sem superaquecer o pneu a ponto de sofrer muito com graining, teve a paciência para esperar o pouco que surgiu limpar (o que é uma fase muito ruim para o piloto, porque ele perde muita aderência e a tentação de trocar os pneus é grande), e terminou em sexto. Uma corridaça do espanhol, em contraste com a tarde ruim de Lando Norris, que fez tudo ao contrário em relação ao companheiro, sofrendo muito mais com graining e fazendo duas paradas.

A corrida de Sainz só não foi melhor do que a de Pierre Gasly, que fez a pior estratégia funcionar para ir de nono no grid para quinto. Ele controlou muito bem o graining no primeiro stint e parou só na volta 28. Curiosamente, enquanto Sainz atacou lá na frente e ele fez uma largada conservadora, deixando os Landos, Ricciardos e Perez “se matarem” no meio, os dois passaram a maior parte da corrida juntos, com Gasly tendo passado Norris na 20ª volta e terminando, assim, na frente.

Lá na ponta, quem largou com médios teve uma corrida mais tranquila depois das primeiras voltas. Depois de passar Bottas na volta 18, Hamilton passou a ser o único a rodar em 1min20. Conseguiu levar o pneu médio sem problemas até a volta 40, e já tinha quase 10s de vantagem para Bottas naquele momento.

Ao finlandês foi, num primeiro momento, dada a opção de escolher o pneu macio ao invés do duro para o stint final, mas ele começou a ter vibrações em seu composto médio e a decisão foi por não correr riscos. Com qualquer pneu, não chegaria em Hamilton.

Já Verstappen conseguiu minimizar os danos de não ter a melhor estratégia no GP de Portugal, ficando à frente de Leclerc, que teve um quarto posto por puro mérito com a melhor estratégia e uma Ferrari atualizada em doses homeopáticas há quase dois meses, e que finalmente parece ter ganhado vida. Veremos já neste final de semana em Imola se não foi algo que apenas se casou bem com o excelente circuito de Portimão.

Drops do GP de Portugal e o mercado de pilotos

FIA Pool

“O Brasil perto, disso aqui, parece o Japão”, dizia um membro do pessoal de organização da F1 na sexta-feira em Portugal. Exageros à parte, houve muitas falhas sim, em que pese a hospitalidade que eu compararia, justamente, à do Japão. No final das contas, eles até deram sorte de só uma parte do escoamento de água ter dado problema quando Vettel escapou na curva 14: em três pontos da pista, a confiança não era das maiores de que a estrutura de concreto que segura a tampa dos “bueiros” resistiria. Então, o fato de só uma ter cedido foi um alívio. Até porque o problema demorou 2h30 para ser reparado no sábado justamente porque era mais complexo do que apenas uma tampa que se solta, que é o que normalmente acontece.

As telecomunicações também estão na lista de itens que precisam melhorar para Portimão se candidatar a permanecer no calendário, algo que interessa os administradores da pista. Nem todos os cabos de fibra ótica tinham sido instalados ainda na sexta-feira antes do primeiro treino livre, e as equipes estavam até com problemas para enviarem dados de telemetria. Especialmente neste ano, com mais gente trabalhando nas fábricas, esse é um ponto bastante sensível para eles.

Quem esteve nas arquibancadas também reclamou da organização. Curiosamente, o evento mais ambicioso em termos de público, com mais de 40 mil ingressos vendidos, e até a presença de VIPs em camarotes, era justamente o caçula do campeonato. Para piorar, o cenário da pandemia é mais grave em Portugal agora do que quando foram tomadas essas decisões, e deu no que deu.

Claro que a FIA tem sua parcela de culpa, pedindo tudo de última hora. E tomando algumas decisões questionáveis, como colocar o sensor de limite de pista antes mesmo da zebra na sexta-feira. Já passava das 19h30 na sexta, ou seja, depois da reunião dos pilotos, quando eu terminava minha volta correndo na pista e via Michael Masi fazer sua inspeção nos vários trabalhos que estavam sendo feitos ao longo do traçado. Um deles justamente para alterar as posições dos sensores.

No paddock, a preocupação maior mesmo era com o coronavírus. O número de infectados tem batido recordes nas últimas quatro semanas, sem contar quem testa positivo fora dos finais de semana de corrida. Há várias equipes com caras novas nos boxes, e a conversa é de que a Mercedes quase acabou ficando sem mecânicos, já que foi um deles que testou positivo na Alemanha, o que levou os outros a entrarem em quarentena e o time reserva a ser chamado. E, na volta à Inglaterra, o resultado de um dos membros do time reserva também deu positivo e eles foram colocados em quarentena.

No mercado de pilotos, está bem claro como as equipes estão expostas do ponto de vista financeiro. A Haas, que sempre buscou independência em relação à Ferrari quando o assunto são pilotos deve acabar com dois estreantes ano que vem, e um potencial novo dono do time, Mazepin, ao lado de Mick. E, por conta da opção exercida por Kimi (embora ele negue), muito à revelia do chefe Vasseur, a Alfa deve continuar com a mesma dupla ano que vem. Questões comerciais, novamente, pressionam.

O nome de Tsunoda é dado como praticamente certo na AlphaTauri, ou seja, podemos ter três estreantes vindos da F2, e um reestreante, Alonso. E quem ficaria sem vaga no momento seriam Grosjean, Magnussen, Perez e Kvyat.

Então o cenário mais interessante é mesmo, quem diria, na Williams. Vários pilotos bateram nas portas dos novos donos para entender qual o plano deles para os próximos anos. Claro que dinheiro interessa e experiência, também. E quem sobraria seria Russell, já que se a Williams está de pé hoje, é pelo pai de Latifi. A Mercedes já avisou que não pode fazer nada por ele. Por outro lado, não dá para ignorar o fato de que o contrato de Lewis Hamilton não está assinado, e ele vem dando alguns sinais estranhos em relação a como vê seu futuro. Ele diz que quer ficar e tem enormes chances de aumentar seus números e chegar a oito títulos em 2021, mas a duração do contrato é um problema, e os compromissos extra-pista definidos por ele, também. 

Hamilton, 92

FIA Pool

Poucos pilotos tiveram a carreira tão meticulosamente planejada como Lewis Hamilton. Apoiado pela Mercedes desde o kart, na época em parceria com a McLaren, ele foi subindo de categorias aos poucos na base, sem pular nenhum passo, e chegou na Fórmula 1 já com um nível tão forte que redefiniu os recordes do que um estreante pode fazer: a bordo de uma McLaren que tinha um carro tão forte quanto o Ferrari na época, e disputando o título até o fim com nomes como Fernando Alonso e Kimi Raikkonen, ele chegou ao pódio em suas nove primeiras corridas, ganhou mais do que qualquer estreante na história, fez mais poles, e só não foi campeão porque a inexperiência cobrou seu preço no GP da China.

E esse seria só o cartão de visitas.

Ao longo dos anos, Hamilton foi aparando algumas arestas: melhorando o gerenciamento de pneus, limpando os erros, fortalecendo-se mentalmente, ele foi se tornando uma máquina de vencer. Não coincidentemente, a palavra que mais foi repetida por seus rivais em Portimão ao descreverem suas qualidades foi consistência. Ao longo dos anos, Hamilton foi minimizando seus dias ruins e encontrando saídas para quando as coisas não saem como o planejado.

É claro que ele tem o melhor carro há sete anos e isso infla seus números, mas o mais impressionante em Hamilton são as vitórias que ele vai buscar, os “jogos” que ele consegue virar. E é simbólico que o GP do recorde em Portugal tenha sido uma delas.

Primeiro, era uma prova em um circuito novo para ele, o piloto que venceu em mais pistas diferentes em toda a carreira – 28 com Portimão. Nos treinos livres e até durante a classificação, seu companheiro Valtteri Bottas parecia estar se adaptando melhor à pista. Junto com o engenheiro, Peter Bonnington, personagem tão fundamental em seu sucesso que foi o escolhido da Mercedes para receber o troféu de construtores nesta corrida histórica, tomou a decisão de fazer duas voltas rápidas na parte final da classificação. E derrotou Bottas.

Na corrida, sofreu com a pouca temperatura dos pneus nos primeiros metros e caiu para terceiro. Novamente, foi buscar. Passou Sainz e Bottas da maneira decidida de sempre e depois mostrou seu lado “encantador de pneus”, como diria Sebastian Vettel, e abriu 25s para o próprio companheiro de equipe. Deu uma volta até no quinto colocado e se tornou o maior vencedor de todos os tempos.

E ele não dá sinais de que vai parar por aqui: com mais cinco provas até o final da temporada e com a expectativa de que a Mercedes ainda seja melhor no ano que vem, já que as regras ficam relativamente estáveis, não é exagero pensar que a marca de 100 vitórias será superada em breve.

O que a Red Bull quer com a pressão pelos motores?

Lars Baron/Getty Images/Red Bull Content Pool

Christian Horner e Helmut Marko já deixaram mais do que clara qual é a posição da Red Bull – e, por conseguinte, da AlphaTauri – a respeito de seu futuro quanto ao fornecimento de motores. Eles não querem voltar a ser clientes e sabem que não têm bala na agulha para, em uma questão de meses, montar uma operação boa o suficiente para desenvolver o seu próprio motor, mesmo que a partir do projeto atual da Honda.

Para entender melhor o que está acontecendo nos bastidores, sugiro a leitura de minha matéria de hoje no UOL.

A solução, então, é jogar pressão para todos os lados. Questionando a decisão da F1, pressionada especialmente pela Mercedes, de não mudar o motor junto do restante das alterações de 2021 (que agora ficaram para 2022), jogando toda a culpa pela falta de competitividade nas unidades de potência atuais e, por fim, ameaçando sair, com Marko repetindo para quem quiser ouvir algo que já se tinha conhecimento sobre todas as equipes terem o direito de revogar o Pacto da Concórdia ao final de cada temporada, embora tenham contrato assinado até o final de 2025. E deixando claro que não é interessante para seu projeto ver a Red Bull com um motor e a AlphaTauri com o outro.

Afinal, o que a Red Bull quer? Em um mundo ideal, eles queriam uma decisão sobre como será o próximo motor da F1, que esse próximo motor não fosse tão complicado, inclusive com peças padronizadas, e que isso chamasse a atenção de alguém de fora. Mas isso não vai acontecer no curto prazo. Nem a F1, nem a indústria automobilística sabem qual o melhor caminho para buscar performance no motor. 

Realisticamente, a Red Bull viu na saída da Honda um belo de um atalho e pleiteia para que os motores sejam totalmente congelados “no mais tardar”, nas palavras de Marko, em 2022. Isso daria, inclusive, tempo para que a F1 decida qual caminho seguir em 2026, sem que as montadoras gastem rios de dinheiro até lá.

Mas há um porém: a Ferrari não vai aceitar ficar tão atrás por tantos anos. Eles já pleiteiam a autorização para que recuperem parte do que foi perdido após serem pegos com motor irregular no fim do ano passado, e esse eventual congelamento pode até ajudá-los a pleitear isso. Resta saber o que Renault e Mercedes vão querem em troca.

Até porque, em outras palavras, a Red Bull quer voltar a uma realidade em que o desenvolvimento do carro conta mais que o desenvolvimento do motor porque, assim, eles têm chance contra a Mercedes. Afinal, foi assim que eles dominaram, também, a F1.É um plano que poderia segurar Verstappen, peça fundamental para a estratégia dar certo. A paciência não é a maior das virtudes da família holandesa, e sabe-se lá por quantos anos Hamilton vai renovar. Ficar trocando de fornecedor de UP em uma competição em que o motor se tornou tão importante não é das melhores estratégias para convencer sua estrela a seguir apostando em seu projeto. Conseguir esse congelamento seria daqueles exemplos máximos de tornar positiva uma notícia pra lá de ruim.

Estratégia do GP de Eifel e como a McLaren garantiu o pódio da Renault

@FIAPool

As equipes foram pegas de surpresa ao terem que testar o final de semana com apenas um treino livre três semanas antes que o programado, e logo em uma pista a respeito da qual não tinham tantos dados quanto de costume. Afinal, quando a neblina desceu e o helicóptero médico não podia levantar voo no circuito de Nurburgring, lá se foram as 3h de treinos livres da sexta-feira, exatamente como está programado para a corrida de Imola, como forma de testar o que pode ser o fim de semana do futuro na F1.

Sim, a categoria já correu em Nurburgring em várias oportunidades, mas a pista teve alguns trechos asfaltados nos últimos sete anos, então ele ganhou camadas desconhecidas, era preciso comprovar se o que foi simulado era traduzido para a pista em termos de acerto, e a temperatura mais baixa até do que a F1 teve em certos dias na pré-temporada, era outro fator importante para o quebra-cabeça dos engenheiros.

Dentro deste contexto, vale destacar o ótimo trabalho feito pela Red Bull que, em uma hora de sessão, apenas no sábado, sem tempo para fazer grandes análises e mudanças para a classificação, também conseguiu testar e aprovar novidades que, efetivamente, melhoraram o carro – enquanto Ferrari e especialmente McLaren tiveram mais dificuldade nesse sentido e sofreram na corrida. Não passou despercebido o fato de Verstappen ter ganho a batalha com Hamilton pela volta mais rápida no final da corrida com tanto frio na pista, condição em que o DAS ajuda a Mercedes (que, ainda por cima, já parou faz tempo o desenvolvimento do carro e só teve que focar no acerto para classificação e corrida) a controlar o graining.

Fazendo um parênteses aqui: o graining é quando a superfície pneu “descasca”, diminuindo a área de contato com a pista e gerando falta de aderência. Uma das causas clássicas é porque o pneu está operando abaixo da temperatura ideal, ou foi forçado em demasia na preparação e depois tem queda de temperatura. E, como geralmente é colocada mais energia no pneu traseiro do que o dianteiro (justamente o que é atenuado pelo DAS), são os pneus da frente que sofrem com mais graining, o que faz com que o carro saia de frente, o terror da maioria dos pilotos.

Pois, bem. Fazia tanto frio em Nurburgring que os pilotos sentiram um início de graining até na classificação. Mas no sábado eles tinham que forçar a preparação do pneu de qualquer jeito para conseguir colocar temperatura para uma volta lançada. Para o domingo, poderiam adotar técnicas diferentes para controlar isso e completar a prova com apenas uma parada. Isso era tido como praticamente impossível logo depois da classificação, mas depois a Pirelli reviu os dados e os times foram para o domingo com isso em mente.

Na largada, Bottas impressionou até mesmo Hamilton com a maneira como se defendeu, mantendo a posição. De cara para o vento, podia ditar o ritmo. Porém, um misto entre o início de graining no pneu dianteiro e um chuvisco que começou a cair lá pela volta 9 o fez dar uma fritada na primeira curva e Hamilton, que tinha notado que o companheiro começava a ter dificuldades e apertara o ritmo – a diferença tinha caído de 1s8 para 1s1 em cinco voltas – aproveitou.

“Ainda assim eu achava que tinha chances, porque aquilo significou que eu estaria comprometido a fazer duas paradas, o que no final foi a melhor estratégia da corrida”. Como não sabemos qual o ritmo possível para uma Mercedes já sabendo na voltas 13 que teria que fazer duas paradas, é difícil bancar a versão de Bottas, até porque o que acabaram sendo duas paradas de Hamilton e Verstappen foram “mais baratas” que o normal, já que uma foi sob VSC e outra sob SC “de verdade”. Isso economizou cerca de 18s em sua corrida.

Bottas não teria como comprovar sua teoria devido a um problema “na região do MGU-H”. Uma preocupação, já que a unidade de potência foi inteiramente trocada para este fim de semana. E é a última da alocação de Bottas.

Como Hamilton e Verstappen aproveitaram o VSC causado pela batida entre Raikkonen e Russell para fazerem sua parada na volta 16, um pouco antes do que seria o ideal para fazer só uma troca com tranquilidade (lá pelo 25º giro), coube ao inglês administrar os pneus para evitar um cenário em que só ele tivesse que fazer outra parada ou ficasse exposto ao ataque de Verstappen no final. E ele parecia tranquilo quanto a isso, abrindo mais de 10s para o holandês que, sabendo que não tinha ritmo especialmente com os médios, focou na própria corrida.

Verstappen é muito bom nisso, aliás: identificar as corridas em que tem de lutar e quando tem de levar o carro para casa. O motor Honda agradece o cuidado.

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O segundo pelotão começou a prova liderado por Leclerc, cujo ritmo da classificação desapareceu na corrida. O monegasco reportou excesso de graining (normal para um carro que produz menos carga aerodinâmica como o da Ferrari) na primeira parte da corrida, e é claro que a briga com Ricciardo nas primeiras voltas não ajudou. Ele teve, então, de se comprometer a fazer duas paradas, que foi dificultado ainda mais pelo SC com 15 voltas para o fim. Relargar com os pneus frios e já com menos borracha devido ao desgaste não deve ter sido fácil. Andando fora da zona de pontos, Vettel reconheceu que forçou demais na briga com Giovinazzi, fritou o pneu médio com o qual largou visando trocar para o macio só depois da metade da prova logo na volta 10, e acabou tendo de colocar o lento pneu duro. Quando o SC foi acionado, seria quase impossível lutar com um composto duro já usado, e ele teve de entrar novamente. A Ferrari atualizada terminou em sétimo e 11º.

Outro carro que sofreu mais que o esperado (e também vinha atualizado) foi o McLaren, também com graining excessivo. Mesmo assim, os dois pilotos conseguiram levar seus pneus macios até perto da volta 30, se colocando bem para tentar fazer uma parada. Assim, ao mesmo tempo em que lutavam com a Racing Point de Perez, que estava na mesma estratégia, tentavam se beneficiar de possíveis problemas que Daniel Ricciardo pudesse ter.

O australiano foi outro que parou no VSC, e teria que fazer um stint de 46 voltas até o fim. Com 16 voltas para a bandeirada, essa prometia ser a grande disputa das voltas finais: Ricciardo, em terceiro, tinha 11s de vantagem para Perez na pista, e 12 voltas de desvantagem nos pneus. Caso parasse, voltaria 10s atrás e, como a Renault não tinha certeza de quantas voltas ele poderia forçar com pneus novos, a decisão da equipe e do piloto tinha sido apostar continuar na pista. Naquele momento, Perez estava tirando 0s7 por volta.

@FIAPool

Foi por isso que, assim que saiu o SC para retirar o carro de Norris, outro que ficou fora de combate por problemas na UP, logo comentei na rádio “olha aí o pódio da Renault”, pois era a melhor notícia possível para eles: Ricciardo ganharia uma parada “com desconto” e a Racing Point não tinha muito o que fazer: com tanto frio e sabendo que o ritmo da Renault era melhor em condições normais, a aposta de deixar Perez na pista com pneus desgastados estava longe de garantir o pódio, e eles tiveram que chamar o mexicano para os boxes e garantir o quarto posto, com Sainz em quinto em estratégia semelhante e Gasly, fazendo a tática de largar com o médio (que Vettel não conseguiu fazer) funcionar devido à rodada, chegando à frente até da outra Ferrari, de Leclerc. Hulkenberg foi um dos que aproveitaram a parada “grátis” do SC e terminou em oitavo depois de largar em último e subindo no carro de última hora, Grosjean apostou em ficar na pista no SC e conseguiu se segurar em nono, finalmente pontuando, e Giovinazzi teve um fim de semana excelente, pontuando mesmo que o SC tenha aparecido no meio momento possível para ele, que tinha parado oito voltas antes.

Drops do GP de Eifel: Mais um freela de Hulk e as meias de Daniel

Na corrida em que Abiteboul “ganhou” uma tattoo, o estúdio fechou meio cedo em Nurburg, infelizmente

Daniel Ricciardo estava no seu melhor look atendente de telemarketing (versão empacotada com várias camadas de casacos) durante nossa entrevista via Zoom, até que parou, olhou para o lado e arregalou o olho. “Ah, oh, ufa. Por um momento, achei que era neve! Mas tem uma coisas voando por aí.” A Renault não tem indicativos de que o frio tenha ajudado seu desempenho, mas certamente não atrapalhou (ao passo que Ferrari e McLaren sofreram muito mais com graining). E vem Imola e Istambul por aí.

Falando em frio, na corrida, inclusive, Hulkenberg disse que teve dificuldades de mudar os comandos no volante da Racing Point não por não saber onde eles estavam, mas por não sentir a ponta dos dedos mesmo. O alemão acabou tendo uma chance aos 45min do segundo tempo na Racing Point, mas já estava em alerta desde a sexta, quando recebeu a ligação da Red Bull pedindo para ficar de prontidão já que o teste de Albon tinha tido resultado inconclusivo. A contra-prova deu negativo e ele correu normalmente, mas imagine a empolgação que não seria pelo Hulkenpódio!

Divulgação/Racing Point

Para quem tinha curiosidade, ao que consta ele ainda não recebeu nada pelos “freelas”. Na verdade, pelo menos por enquanto, perdeu dinheiro, já que estava acertado com a F1TV e a RTL neste final de semana – e sim, os ex-pilotos cobram alguns milhares de euros para este tipo de participação.

De qualquer maneira, o oitavo lugar não fez mal nenhum para sua reputação, e seu nome segue no mercado. Embora ele admita que nada andou de concreto desde Silverstone. E embora a Red Bull cada vez pareça mais inclinada a aventurar-se fora do programa se decidir não renovar com seus pilotos.

Ele substituiu Lance Stroll, com fadiga e diarreia desde a volta da Rússia. Sim, duas semanas! É impressionante como tudo acontece com o time de Otmar Szafnauer, o chefe de equipe mais paranoico de todos com coronavírus. 

Falando em corona, um aprendizado do final de semana é que o número de infectados divulgado pela FIA não é nem perto do número real de infecções. Explico: eles só contam quem testou positivo na pista. É por isso que o número de infectados da semana passada (três) ficou bem abaixo do que era esperado, de tanta gente que voltou com o vírus da Rússia ou pegou de alguma forma no percurso para casa. A Mercedes pode ter tido de fazer suas substituições já na Alemanha, e por isso ganhou as manchetes, mas não estava sozinha.

Ficamos sabendo também que Sebastian Vettel comprou ações da Aston Martin (a montadora, não a equipe), assim como Toto Wolff já tinha feito. Wolff tem 5%, Vettel não quis revelar a quantia, e Lawrence Stroll tem o controle acionário da empresa. Aliás, ele não é o único: Kimi Raikkonen também é acionista da Alfa. Vai ver é por isso que não tem pressa nenhuma de anunciar seu futuro…

Para finalizar, deixo para vocês o diálogo final da coletiva de imprensa do domingo. A pergunta era sobre o frio de Nurburgring e Daniel Ricciardo tinha acabado de revelar que correu com duas meias, para a surpresa de Max Verstappen e Lewis Hamilton.

Max: Você deve ter algum buraco no bico do carro ou algo do tipo

Daniel: Eu só sou friorento

Max: Deve ter algo de ilegal no bico do carro.

Daniel: Por favor não proteste. Não hoje?

Lewis: Mas será que pode usar duas meias?

Por que Schumacher e Hamilton ganharam tanto?

Steve Etherington/Mercedes

Quando Jackie Stewart chegou a 27 vitórias em 1973, poucos apostavam que seria um número facilmente superado. Afinal, ele tinha vencido mais do que Jim Clark, que dominara amplamente com a Lotus nos anos 1960. Na época, acreditava-se que seria difícil ver um conjunto carro-piloto tão forte quanto o de Clark, que morreu prematuramente, e, de fato, o recorde de Stewart levaria 15 anos para ser batido, por Alain Prost.

O francês estabeleceu outro recorde, de 51 vitórias, que Michael Schumacher conseguiu bater relativamente cedo, com 10 anos de carreira, em 2001. O alemão e a Ferrari ainda não tinham tido nenhuma temporada tão absoluta quanto seriam 2002 e 2004, que inflaram seus números: levou somente cinco anos e pouco menos de dois meses para o alemão chegar ao recorde de 91 vitórias, igualado neste domingo por Lewis Hamilton.

O abismo entre os números de Schumacher e Hamilton e tantos outros grandes da história da Fórmula 1 é tanto que faz com que muitos questionem o quanto valem estes números. No caso específico do inglês, há quem argumente que ele nunca correu com carros ruins e que jamais um piloto esteve por tanto tempo com um carro superior, já que a Mercedes caminha para sete títulos em sete anos e isso é ímpar na história da categoria.

De fato, Hamilton e Schumacher tiveram carreiras singulares, e não é à toa que os números mostrem isso. O alemão correu na Fórmula 1 por 18 temporadas completas, sendo que apenas em apenas três delas seu time não ficou entre os três melhores do campeonato (foi justamente a Mercedes, quarta em 2010 e 2011 e quinta em 2012). Hamilton está em sua 14ª temporada, e pilotou seu pior carro em 2009, ano em que a McLaren só conseguiu superar a Ferrari, por um ponto, para ser terceira justamente por atuações suas, como na Hungria e em Singapura. Então, em termos de equipamento, dá para dizer que ambos tiveram uma vida “fácil” semelhante para chegar ao mesmo número de vitórias, até porque Schumacher não venceu nenhuma corrida com carros que ficaram de fora do top 4 no campeonato.

A indagação mais óbvia talvez seria por que essas grandes equipes seguiram apostando nestes dois pilotos por tanto tempo, enquanto eles tiveram vários comparanheiros diferentes que não atingiram o mesmo tipo de sucesso.

Hoje, o campeonato tem mais corridas, mas a diferença não é gigante na comparação das duas carreiras. Na médias destas 15 temporadas de Schumacher com carros do top 3, havia 16 provas por ano. E nas 14 temporadas de Hamilton, são pouco mais de 18 provas por ano em média.

E, se por um lado Schumacher não teve o melhor carro por tanto tempo quanto Hamilton, há várias diferenças em relação à competitividade da época do alemão em relação à carreira do inglês: a Ferrari foi absoluta por dois anos (2002 e 2004), enquanto a Mercedes não teve rivais de 2014 a 2016 e na atual temporada. Mas pela maior parte dos anos 90, as vitórias ficavam restritas a duas equipes (Benetton e Williams e depois Ferrari e McLaren), enquanto Hamilton viveu também uma época de domínio da Red Bull (especialmente 2011 e 2013), e campeonatos em que as vitórias eram divididas por três equipes (como 2010 e 2012) e acabam se diluindo mais.

E outra diferença importante: Hamilton nunca teve o status que Schumacher teve dentro da equipe, sendo o primeiro piloto inquestionável, nem tendo pneus feitos sob medida para ele, como era o caso da Bridgestone nos anos em que o alemão conquistou seus títulos na Ferrari.

https://esporte.uol.com.br/f1/album/2020/10/11/as-20-melhores-vitorias-de-lewis-hamilton.htm

Há quem questione, ainda, a qualidade de pilotos que bateram Hamilton no duelo interno, como Jenson Button na McLaren ou Nico Rosberg, na Mercedes, mas também é interessante notar como Schumacher, sem os testes ilimitados e o pneu sob medida da Bridgestone, teve muita dificuldade justamente com Rosberg.

Então, embora a vantagem que Hamilton tenha com a Mercedes seja mais longeva do que qualquer outro piloto pôde experimentar na carreira e isso ajude a inflar tanto seus números, há outros fatores que acabam relativizando essa vantagem. E muitos motivos para, mais uma vez, apostar que o recorde de vitórias do piloto inglês, que deve superar facilmente as 100 conquistas, uma vez que a Mercedes tem tudo para seguir forte ano que vem e ele ainda deve assinar, aos 35 anos, pelo menos mais um contrato com a equipe, deve permanecer intacto por um bom tempo.

Quanto a fulano ou ciclano ser o melhor da história, é um debate que sempre acaba pendendo mais para as memórias afetivas de cada um, como Vettel definiu muito bem neste domingo: “O Michael vai sempre seu meu ídolo porque era ele quem me inspirava quando criança”. Justo. E, até mais importante do que isso é o fato de que a F1 não foi evoluindo apenas de forma linear, mas regras diferentes também valorizaram qualidades distintas dos pilotos. Explico: por que Schumacher, tendo pilotado carros tão bons, provavelmente vai ter metade das poles de Hamilton quando ele parar de correr? Será que a pole, nos tempos de reabastecimento, valia tanto quanto agora? Obviamente o foco no sábado era muito menor do que hoje. Assim como, indo mais atrás ainda, antes da telemetria era muito mais importante um piloto ter conhecimento de mecânica. Um bom ouvido para sentir o motor uma ótima qualidade. Ter precisão ao reportar aos engenheiros hoje é muito mais válido. Excelência é excelência em qualquer área, mas as qualidades para se chegar lá vão se transformando, e quem entender o caminho estará léguas adiante.

Por dentro da F1: As “anotações do diretor de prova”

Há quem diga que a F1 é cheia de frescura, mas olhando sob outra perspectiva, é essa complexidade que torna o esporte tão interessante. Um aprendizado da última corrida para muitos foi a descoberta que há uma espécie de manual de instruções do diretor de prova que é enviado para as equipes a cada corrida.

Tenho que admitir que só soube da existência das anotações do diretor de prova (race director notes) depois que comecei a ir nas corridas e, por conta disso, passei a recebê-las. Aliás, é assim que os jornalistas têm acesso rápido a punições, por exemplo: o documento explicando por que o piloto X ou Y foi punido, por qual artigo, e às vezes junto de uma longa explicação, chega diretamente no nosso email.

Voltando às instruções do diretor de prova, elas são enviadas às equipes geralmente na quinta-feira pela manhã, e contêm todas as informações que vão mudando a cada evento. Estão lá, por exemplo, as especificações da entrada e saída dos boxes (onde está a linha, onde começa a contar o limite de velocidade, etc.)

Um detalhe importante, por exemplo, é a informação se, na entrada dos boxes, o piloto tem de passar à direita ou à esquerda de um cone. Sem essa informação, às vezes os fãs podem ficar confusos se um piloto parece decidir de última hora entrar no pit, cruzando a linha branca, e não é punido, e outro é punido na corrida seguinte. Essas entradas não funcionam da mesma maneira em todo GP, e isso é um dos detalhes explicados nestes documentos.

Curiosamente, é nas anotações do diretor de prova, e não nas regras esportivas, que estão as especificações para as bandeiras azuis, provavelmente para permitir mudanças de maneira ágil: “o sistema dará um aviso quando o carro mais rápido estiver a 3s do carro prestes a levar uma volta, e deixar o carro mais rápido passar deve ser uma prioridade. Quando o carro mais rápido estiver a 1s2, as bandeiras azuis vão aparecer, junto dos painéis azuis e das luzes azuis no painel e o piloto deve permitir que o carro mais rápido o passe na primeira oportunidade.”

Outra informação sempre importante é sobre mudanças na pista em relação ao ano anterior: vira e mexe, tem uma zebra que mudou do perfil, uma área de escape com algo diferente, etc. E, também, se a direção de prova estiver de olho nos limites de pista em alguma curva específica, isso estará bem explicado, também, neste documento (como por exemplo, na Rússia, havia a explicação do que seria aceito para retornar à pista na problemática curva 2 – aliás, a explicação sobre aquela curva específica tinha SEIS partes!). Em Nurburgring, eles vão estar de olho principalmente na curva 4.

O documento também informa como saber se o DRS está desativado (isso acontece quando algum dos painéis próximos à zona de ativação está amarelo, indicando, é claro, uma bandeira amarela). E também, como tanta gente descobriu na última corrida, é lá que está determinado onde os pilotos podem treinar largadas. Inclusive, essa parte ganhou uma atenção especial neste GP depos de toda a polêmica da Rússia:

Curiosamente, eles estabeleceram um ponto para treinar largada para os treinos livres e outro para a corrida, então agora Hamilton não vai poder reclamar que o ponto escolhido está emborrachado demais.

Os limites de cambagem, pressões de pneus e temperaturas em que eles devem ser mantidos também estão lá, pois são outras determinações que variam a cada GP.

É como se fosse um organismo vivo, diferentemente das regras, pois pode ser alterado até mesmo ao longo do final de semana de corrida. Inclusive, não é raro que o local de treino de largada seja alterado ou melhor delimitado.  

Para finalizar, há alguns mapas mostrando onde estão todos os postos de fiscais, onde os carros podem ser retirados e um, ainda mais detalhado, do pitlane – onde os fotógrafos não podem ir, onde fica cada uma das equipes, onde fica o pole, onde fica a linha de chegada, onde fica o painel que indica o status do pitlane (sim, outro detalhe que ficou famoso nesta temporada: o painel que mostra, com o X, se o pitlane está fechado).

Quaisquer mudanças neste documento ao longo do final de semana são discutidas geralmente na reunião dos pilotos e os diretores de corridas das equipes (cada uma, verdade, tem um nome para este cargo, mas este é o mais comum – são Meadows na Mercedes, Mekies na Ferrari, Wheatley na Red Bull, Budkowski na Renault, e por aí vai). Cabe a eles, por sinal, conhecer as regras de cor e salteado. 

Nestas reuniões, que acontecem sempre no final da tarde da sexta-feira, então depois dos treinos livres, é perguntado se há alguma dúvida sobre as instruções e, em seguida, os pilotos podem levantar as questões que quiserem. Há reuniões que duram 5 minutos, e há outras que levam mais de uma hora – a de Sochi foi longa, já que eles discutiram muito o acidente na relargada em Mugello.

Todas as atualizações nas anotações do diretor de prova são enviadas em um novo documento, e as mudanças ficam grifadas em rosa. Isso serve para as regras também: se você quiser encontrar todas as mudanças em um regulamento de um ano para o outro, é só procurar pelas letras cor-de-rosa.

Tri de Schumacher: Ferrari sai da fila após 21 anos

O tri de Schumacher teve um sabor especial. Tirou a Ferrari de uma fila de 21 anos.

Ok, tecnicamente, não fazia tanto tempo assim que os italianos não comemoravam. O título de construtores já tinha vindo na temporada anterior, mas na época pouco se falava nele.

A Ferrari tinha sido campeã entre as equipes em 1982 e 83, no entanto só se comentava sobre os mais de 20 anos de fila, referência ao último trunfo entre os pilotos, que havia sido com Jody Scheckter em 1979. E a pressão era gigantesca.

Desde que Schumacher chegou e o time com Todt, Brawn e Rory Byrne foi tomando forma, por um lado um título no mundial de pilotos parecia questão de tempo, por outro, parecia que estava demorando tempo demais. E a fila poderia ter continuado ao final daquela temporada de 2000.

Schumacher teve disputa intensa com Mika Hakkinen

A Ferrari tinha começado melhor, mas uma série de abandonos colocou Mika Hakkinen e a McLaren de volta na jogada. Com quatro corridas para o fim, era Mika quem liderava com seis pontos de diferença (para transformar no sistema de pontuação atual, dá mais ou menos certo multiplicar por 2,5, ou seja, uns 15 pontos). Mas Schumacher ganhou na Itália e, no GP dos Estados Unidos, o alemão venceu de novo e Mika teve uma quebra no motor.

Com isso, ele chegou ao GP do Japão precisando de uma vitória simples para ser campeão com uma corrida para o final. Pode soar algo tranquilo, mas não com o tamanho da pressão com a qual todos tinham de conviver na Ferrari. O quanto antes o campeonato fosse selado, melhor.

Como foi o GP do Japão de 2000

No sábado, Hakkinen vinha dominando a classificação até o final, quando foi batido por Schumacher por míseros 9 milésimos. Ou oito metros. Mas a alegria ferrarista não durou muito e o finlandês passou Schumacher nos primeiros metros da corrida. Os dois pareciam estar em outra categoria, em um daqueles duelos que, por três anos, fez com que ambos pilotos evoluíssem de forma que talvez não conseguiriam sem serem forçados daquela forma.

Nos primeiros pit stops, tudo normal: Hakkinen parou uma volta antes e saiu na frente. Mas logo depois começou a garoar. Seria uma água que não cairia de vez, mas mudaria as condições de pista. Além disso, Hakkinen e Schumacher tinham de lidar com o tráfego intenso de retardatários, e a tensão de estarem constantemente separados por menos de 1s.

VÍDEO: Os melhores momentos do GP do Japão de 2000

A corrida tinha se tornado um jogo de xadrez, e logo muito provavelmente o melhor jogador de “xadrez das pistas” de que se tem notícia entrou em jogo. Ross Brawn tinha planejado tudo: mudanças nas asas durante a parada fizeram com que a Ferrari estivesse mais equilibrada para lidar com o asfalto menos aderente com um chuvisco que ia e vinha. E tinha colocado combustível suficiente para ficar mais tempo na pista do que a McLaren.

“Não achava que seria suficiente”, revelou Schumacher

Quando Hakkinen parou na volta 37, Schumacher não o seguiu. O alemão só pararia três voltas depois. “Não achava que tinha feito o suficiente”, disse Michael após a prova. “Mas quando estava no pitlane Ross disse que as coisas estavam indo bem. E depois disse “as coisas estão indo muito bem”. E foi o momento mais incrível da minha carreira.”

Sim, Schumacher voltaria até com folga na frente de Hakkinnen, que tentou reagir e diminuiu a diferença, mas acabou 1s8 atrás. 

Comemoração de Brawn e Schumacher teve frieza

A vitória que liberou o grito de campeão que estava preso na garganta dos ferraristas por tanto tempo acabaria sendo emblemática. Afinal, quantas não foram as provas ganhas exatamente desta mesma maneira por Schumacher e Brawn. Mas com uma diferença, como salientou o britânico com tanta frieza que nem parecia estar fazendo história.

“Agora que chegamos lá acho que aquela pressão intensa vai desaparecer e a equipe estará mais relaxada. A sensação será muito diferente.”

Diferente e vencedora. Aquele seria o segundo de seis títulos seguidos de construtores. E o primeiro de cinco em sequência de Michael Schumacher na Ferrari, iniciando uma era que até hoje tem reflexos na Fórmula 1, com vários pilotos sendo inspirados pelo alemão. Que o diga Sebastian Vettel, que nunca escondeu que sua paixão pela Ferrari passava muito por estes anos de sucesso de seu ídolo.

Então fui perguntar a Vettel o que lembra desse dia:

“Não tinha noção do ‘tamanho do projeto’, digamos assim, na época. Na verdade, eu lembro muito mais da corrida de 1999 de Suzuka porque ele abandonou. Foi uma pena vê-lo abandonando estando tão perto de vencer o campeonato com a Ferrari. No ano seguinte, parecia algo que estava mais ao alcance. Já em 1999 mesmo parecia que era uma questão de tempo. Não lembro exatamente onde estava, provavelmente em casa. Eu tinha uns 13 anos, então na época você não pensa sobre o que tudo aquilo significa. Só estava contente por ele.”

Por dentro da F1: Que tal acabar com as bandeiras azuis?

F1 Pool

 

Respondendo a pergunta de um fã sobre o que mudaria nas regras para tornar as corridas mais disputadas, o diretor técnico da Mercedes, James Allison, surpreendeu e disse que se livraria das bandeiras azuis.

“Sei que Toto não apoiaria, mas eu acabaria com elas. Faria com que as corridas se tornassem um pesadelo para os carros mais rápidos porque os carros mais lentos não sairiam da nossa frente. Teríamos que lutar para abrir caminho e isso deixaria as corridas interessantes.”

É uma ideia bem mais simples do que o complicado sistema de grid com a posição invertida do campeonato para uma corrida classificatória que pode ser adotado em algumas provas ano que vem (complicado até de explicar, apesar de ser a favor de pelo menos tentar em alguma corrida tradicionalmente chata só para ver o que acontece). E de certa forma apresenta o mesmo desafio: ver até mesmo os pilotos dos melhores carros tendo de abrir espaço no pelotão. Só não é, claro, tão midiática.

A bandeira azul era simplesmente um indicativo de que um carro mais rápido estava se aproximando, deixando a decisão de sair ou não do caminho a cargo do piloto. Isso valeu na F1 até 1995, quando as regras foram regulamentadas. Hoje, se o piloto não sair rapidamente da frente, como aconteceu com Sergio Perez no GP da Espanha, após ele ter atrapalhado o líder Lewis Hamilton, a punição é de 5s.

Esse é um padrão nas categorias europeias, mas na Indy, por exemplo, o piloto que está levando uma volta pela primeira vez pode lutar para permanecer na volta do líder. É discutível se isso funciona melhor em ovais.

Quem é contra diz que é perigoso, que as velocidades são muito diferentes entre os carros. Ou que não é justo porque o líder pode ter o azar de pegar o carro lento em um lugar mais difícil da pista. E imagine o tamanho da confusão no caso de colisão entre o líder e um retardatário!

Bandeiras azuis fazem sentido na classificação, já que a diferença de velocidade é potencialmente muito maior porque um piloto pode estar entrando no box e, o outro, em volta rápida. Também é fato que a bandeira azul é tida como importante em categorias de base por questões de segurança, já que os pilotos são obviamente menos experientes. Mas e entre os 20 que chegam à F1, ainda mais com a capacidade de frenagem e pressão aerodinâmica que esses carros têm?

Em relação à segurança, a diferença de ritmo entre os melhores e os piores carros do grid dificilmente superam os 3s por volta – isso, em uma volta longa como em Spa. E isso pode acontecer, inclusive, quando se luta por posição, já que os carros costumam se encontrar na pista com estratégias diferentes. Além disso, os engenheiros estão lá para alertar os pilotos de tudo o que está acontecendo.

Em relação a ser injusto, os pilotos não costumam responder sobre qualquer dificuldade que “é a mesma para todo mundo”?. Na maioria das pistas, não seria algo decisivo, pela diferença de velocidade entre os carros e o DRS, lembrando que retardatários já dão o direito aos carros mais rápidos de usarem a asa móvel, algo que dá ainda mais vantagem, hoje em dia, para o líder. E ninguém diz que é injusto.

Sem bandeiras azuis, até o líder teria que ultrapassar para vencer uma corrida na maioria das provas, e o fato dele fazer a manobra (ou seja, ir para o lado mais sujo da pista) faria com que o retardatário perdesse muito menos tempo e o pelotão ficaria mais junto. Isso porque quem sai do caminho perde de 1 a 3s naquela volta até conseguir limpar os pneus da sujeira. A custo zero e sem precisar de medidas mirabolantes, é um passo para diminuir o abismo entre equipes das duas pontas do pelotão, onde está efetivamente o problema (da terceira equipe à sexta, as corridas e o campeonato têm sido ótimos).

Aqui o vídeo completo do Allison:

Estrategicamente, também poderia ser interessante, já que acabar com as bandeiras azuis adicionaria mais um item estratégico, pois certamente os engenheiros vão querer livrar seus pilotos de encontrarem um retardatário em um setor mais sinuoso, ou até mesmo tentarão casar as paradas nos boxes com uma situação de mais tráfego.

E Allison ainda lembra de outro ponto: “Isso também significa que as equipes teriam que forjar alianças umas com as outras, o que faria tudo politicamente intrigante.” Ou seja, o time com motor Ferrari seguraria o carro da Mercedes, e assim por diante. Isso, aliás, não seria novidade. Só para ficar em um exemplo mais recente, era esperado que a britânica Williams desse uma mãozinha para os pilotos da McLaren contra a Ferrari no final dos anos 1990.

Afinal, como diria Guenther Steiner (achei essa frase dele defendendo Gutierros lá em 2016):

“Se o seu carro é tão mais fácil, você deveria conseguir ultrapassar sozinho, sem reclamar. Vocês são pilotos de corrida ou querem que todos saiam de seu caminho? Precisamos trazer os pilotos de corrida de volta: se seu carro é tão melhor assim, ultrapasse na pista.”

“Onde está isso no livro de regras?”

Ron Meadows é o último à direita (Mercedes/Divulgação

Não passaram despercebidas algumas frases de Lewis Hamilton durante o GP da Rússia, e após a corrida também, demonstrando uma desatenção às regras. Não são, de fato, todos os pilotos que estudam um pouco mais a fundo principalmente as regrinhas que vão mudando de uma prova para a outra, pois dependem do circuito, e os pilotos também são estimulados a focarem somente no seu trabalho ao serem constantemente munidos de informação pelos engenheiros.

É fato, também, que a relação com Peter Bonnington é um pilar importante do sucesso de Hamilton nos últimos anos. O engenheiro de pista sabe ler muito bem o que cada “Bono, my tyres are done” (“meus pneus acabaram”) significa a cada corrida, ou seja, ele sabe o que Lewis está sentindo e sabe traduzir isso para chamá-lo ou não para os boxes. Na Rússia, por exemplo, era o contrário: enquanto Lewis dizia que podia fazer mais voltas, Bono sabia que, pela natureza do asfalto, ele poderia “espernear” o quanto fosse, mas não teria noção da quantidade de borracha que faltava.

Mesmo com essa relação de simbiose entre os dois, chamou a atenção o fato de Hamilton questionar “por que a gente teve que pagar isso agora?”. Bom, a punição teria que ser paga na parada, e os pneus dele estavam acabando, ou seja, não havia outra forma de cumpri-la, então a pergunta não tem cabimento. A não ser que você não saiba a regra ou não esteja conseguindo processá-la a 300km/h.

E, depois da corrida, ele por várias vezes disse, de cabeça quente ainda, que não sabia direito como funcionavam as regras do ensaio de largada. Referia-se ao local exato em que pode fazê-lo, algo que vai mudando de prova a prova.

Hamilton demonstra saber que esse é um ponto em que precisa trabalhar. Tanto, que publicou na terça-feira que nem sempre lida bem com as adversidades.

“Eu posso não reagir da maneira como vocês querem de cabeça quente, mas sou humano e faço as coisas com paixão. Estou aprendendo e crescendo todos os dias, vou aprender minhas lições e continuar lutando.”

Dito isso, é também uma questão até de personalidade controlar estes detalhes ou esperar que o engenheiro lhe muna de todas essas informações. Michael Schumacher era desses detalhistas, e na verdade provavelmente me chamaram mais a atenção os “brancos” de Hamilton porque vi recentemente a série ‘Fernando’, que mostra Alonso dando uma volta a pé com os companheiros de WEC, Buemi e Nakajima (bem mais experientes do que ele na competição, diga-se de passagem) relembrando-os de TODOS os detalhes das regras que podem fazê-los ganhar ou perder tempo, ou serem punidos por alguma besteira simples. “Não passe essa linha branca aqui, lembre-se que a linha em que acaba o limite de velocidade é essa segunda e não essa primeira aqui”, e por aí vai.

Enxergar o que outros não viam na corrida sempre foi uma vantagem do espanhol (que tem outros defeitos, é claro, mas não vem ao caso) . O piloto não é obrigado a saber todos esses detalhes. Mas certamente munir-se deste tipo de informação só vai ajudar na hora de tomar decisões na corrida.

Quem tem a obrigação de saber as regras é a equipe (mais especificamente Ron Meadows, diretor de corridas, que está lá desde a época de BAR). E talvez mais curioso ainda seja o fato de a Mercedes não demonstrar firmeza neste tipo de situação. Em seu segundo ensaio, ele pergunta se pode fazer mais para frente e Bono parece hesitar, e diz erroneamente que sim. O chefe de operações de pista, Andrew Shovlin, disse depois que eles já achavam que poderiam ter problemas, mas achavam que seriam só advertidos.

Não é a primeira vez que a Mercedes é pega desrespeitando uma regra até simples, chamando Hamilton aos boxes quando eles estavam fechados por não terem um sistema de alerta simples que todas as outras equipes têm. No caso do GP da Itália, também, correram para limpar a barra de sua estrela, e questionaram as regras da FIA (que todas as outras equipes, naquele caso à exceção da Alfa, que vira e mexe também come bola com coisas simples, mas reclama bem menos, cumpriram). Talvez fosse mais construtivo mergulhar a cabeça no livro de regras, porque o time e pilotos mais vencedores de todos os tempos (uma questão de tempo) sempre será o mais observado também.

Drops do GP da Rússia (de máscara no queixo)

Não me refiro ao Mick, claro. Divulgação/Ferrari

 

Foi um segredo muito mal guardado, mas na sexta-feira a F1 fez o anúncio oficial de que Stefano Domenicali será o novo CEO da categoria, a partir do ano que vem, entrando no lugar de Chase Carey, que se tornará presidente não-executivo. Faz uns dois anos que Carey deixou claro que sairia do cargo após a assinatura do novo Pacto da Concórdia. Já com 66 anos e sem a vontade de seguir os passos de Bernie Ecclestone, ele queria viajar menos e curtir a aposentadoria e já tinha até comprado sua casa na praia nos Estados Unidos.

Isso, é claro, gerou uma batalha por poder. Houve um momento em que Toto Wolff estava bem posicionado, mas ele cometeu um erro tático ao acreditar que a Ferrari usaria seu poder de veto para as regras de 2021 (que acabaram adiadas para 2022). Eles não usaram e se fortaleceram junto à Liberty. Mas seria Domenicali uma indicação deles? É difícil cravar isso, uma vez que ele se firmou como um chefe “light” da Ferrari, o mais humano e diplomático pelo menos dos últimos 20 anos. Conhece o esporte de dentro, e entende seus meandros políticos.

Curiosamente, cada vez mais a Liberty vai se cercando de gente ligada ao passado da F1. Entenderam que é um mundinho com sua própria dinâmica e lógica.

O GP da Rússia foi o primeiro com público, de verdade, digamos assim, já que 32 mil ingressos foram colocados à venda por dia. E a grande maioria foi vendida. Teve mecânico novato na McLaren que estranhou ver os fãs, já que era sua décima corrida e, pela primeira vez, ele via uma arquibancada mais ou menos cheia. E parecia mesmo que estava todo mundo mal acostumado. Houve um ar de surpresa quando, após a vitória na corrida do sábado da F2, Mick Schumacher foi bastante aplaudido logo antes de dar sua entrevista. Todo mundo parou por um momento como se pensassem “oh, eles estão aqui’. E, de quebra, deu para sentir o aporte de Mick para a F1.  

Falando em fãs, a adesão dos russos às máscaras não deixou a F1 muito impressionada e o diretor de TV deve ter sofrido para fazer imagens das arquibancadas. Até brincaram que esse aí era o único torcedor usando máscara em Sochi:

Mas o mundo da F1 não é só luta por interesses e um tentando passar por cima do outro. Depois que um membro do time da empresa que cuida das refeições da F1 e da Mercedes testou positivo para coronavírus no sábado, todos tiveram que entrar em isolamento (por isso existem as mini-bolhas). Isso, bem em um GP em que eles estavam fazendo todas as refeições dentro da pista. Para garantir o rango de todos, teve gente da própria F1 (que está levando um time de umas 80 pessoas para a pista, um terço do normal) que arregaçou as mangas e foi para a cozinha.

Falando em coronavírus, o apresentador da F1 Will Buxton foi um dos que testaram positivo e não puderam embarcar. Ele está melhorando aos poucos e, ao que tudo indica, deve estar de volta em Nurburgring. Mas o curioso desta história é que Will mora com uma funcionária da Racing Point, que tinha testado negativo e ido para a Rússia. O time decidiu, por precaução, mandá-la de volta. A Victoria acabou viajando de volta a Londres, ainda na quarta-feira, em um esquema ultra VIP: sozinha em um avião de 220 lugares que a F1 tinha fretado para levar os profissionais para Sochi pela manhã.

Só eu acho que toques de celular com músicas são meio ultrapassados? O celular do Grosjean tocou no meio da entrevista, com uma música romântica, que não deu para identificar porque ele prontamente se desculpou e desligou. Aliás, na primeira corrida que está fazendo de casa, o jornalista Chris Medland recebeu uma entrega (pela qual esperava há 4h) bem na hora em que fazia uma pergunta para Ricciardo. Qual é a chance?

Sobre os direitos de TV no Brasil, que acabaram mesmo com o destino que se desenhava há vários meses, não passou despercebido o fato de a Rio Motorsports ter divulgado uma nota com a palavra da Liberty, mas a Liberty em si não ter feito o anúncio por meio de sua assessoria, para o mundo todo. Isso só deve acontecer quando o pacote estiver completo, ou seja, com um acordo já fechado com uma TV e todas as garantias devidamente colocadas no lugar.

Estratégia do GP da Rússia e o problema duplo de Hamilton

FIA Pool

 

A tarde de Lewis Hamilton já seria complicada de qualquer maneira depois do drama que ele viveu para passar do Q2 no sábado na Rússia, em parte por um erro na primeira tentativa, e tendo também contado com o azar de estar a duas curvas de completar sua volta quando a sessão foi interrompida pela batida de Sebastian Vettel. O resultado disso seria largar com o pneu macio, que se desgastaria mais rapidamente que o composto médio de seus rivais diretos Max Verstappen, segundo no grid, e Valtteri Bottas, terceiro.

O único jeito de conseguir a vitória seria manter a ponta na largada. Comandando da ponta, ele poderia tentar ditar um ritmo mais lento para preservar ao máximo seus pneus e torcer para que, estando no ar turbulento, Verstappen e Bottas acabassem com sua borracha e, assim, não pudessem apertar o ritmo assim que ele parasse.

Para isso, largar bem seria fundamental, e Hamilton estava totalmente focado nisso. A posição do pole em Sochi é sabidamente exposta a ataques, já que a primeira freada é só na curva 2, 890m depois da primeira posição do grid. E o ataque geralmente vem do terceiro colocado, já que é muito sujo do lado par para que o segundo tracione bem. Como o terceiro era justamente Bottas, a vida da Hamilton estava mesmo complicada.

Ele, então, queria se certificar de que faria os ensaios de largada mais representativos possíveis, e não o fez onde todos os outros estavam fazendo, justamente porque sabia que, ali, havia muito mais borracha depositada no asfalto (gerando muito mais aderência) do que na sua posição do grid. Ele foi, então, um pouco mais à frente. Pelo que Andrew Shovlin, diretor de engenharia de pista da Mercedes disse, ele fez isso sem perguntar à equipe, contrariando a versão que a FIA usou para tirar os pontos da sua “CNH”.

“Não vimos a primeira. Quando vimos a segunda, achamos que os comissários poderiam não gostar, mas não achamos perigoso porque ele estava no canto da pista. Achamos que seria ambíguo o bastante para só levarmos uma bronca. Mas não foi uma surpresa para nós que eles não tenham gostado.”

Os comissários julgaram que ele tinha ganhado uma vantagem esportiva ao ensaiar a largada ali, o que, de fato, aconteceu: ele sabia que fugir da borracha dos outros o ajudaria a configurar melhor sua embreagem. E o fato de ele ter largado muito bem e mantido a ponta só corrobora com a decisão dos comissários, ainda que a pena em si tenha sido dura.

Aliás, tudo leva a crer que a decisão inicial era de dar 5s para cada infração e DOIS pontos também para cada, o que levaria Hamilton e ser suspenso em Nurburgring. Pelo menos foi isso que um dos comissários, Mika Salo, vazou para a mídia finlandesa (antes que queiram fazer escândalo em cima disso, é beeem mais normal do que deveria e a FIA sabe que acontece e faz vista grossa). Por mais que dê para entender por que Hamilton foi punido, levar quatro pontos por buscar levar vantagem na largada (que foi, efetivamente, o motivo pelo qual ele recebeu a pena) seria muito, mas muito difícil de justificar. 

Tanto, que depois de muitas críticas de absolutamente todos os pilotos que foram questionados sobre isso (como mostrei acima, a desculpa de que foi instrução da equipe não cola), os pontos foram retirados.

É dada a largada

Só então, a corrida começou. Bottas, como esperado, se livrou rapidamente de Verstappen, e não deixou Hamilton ditar um ritmo tranquilo para ele. O inglês estava em uma posição bem incômoda, já que sabia que tinha que forçar para abrir os 10s que perderia com a punição, mas não tinha pneus para isso.

Hamilton reclamou ainda do que entendeu ser uma parada antecipada. Ele contou que o plano inicial era parar na volta 16, então contando as cinco voltas do Safety Car, imaginava que iria até a 21. O piloto achava que poderia fazer “mais umas cinco voltas”, mas a Mercedes o chamou na volta 16 porque especialmente seu traseiro esquerdo tinha pouca borracha sobrando. Na pista de Sochi, pela natureza do asfalto liso e das curvas de média, os pilotos não conseguem sentir tão bem quando um pneu está a ponto de acabar, porque os níveis de aderência se mantêm mais ou menos estáveis até caírem de uma hora para a outra e, no cálculo da Mercedes, isso aconteceria com Hamilton em uma ou duas voltas.

Mas será que ele poderia ter ganho não fosse a punição? É provável que sim, por dois fatores: o Safety Car longo no começo e o fato de o pneu duro ter rendido melhor do que era esperado, algo que ficou claro logo de cara devido ao ritmo de Daniil Kvyat, que apostou largar com o composto C3. Esse rendimento teve a ver com a temperatura mais alta da pista, em um dia sem nuvens em Sochi, ao contrário de quando as últimas simulações tinham sido feitas no sábado pela manhã.

Bottas até pôde deixar Hamilton escapar 2s na ponta no primeiro stint porque sabia que ele estava fora da briga, e assim conseguiu cuidar de seus pneus e acelerar quando ele parou. Dificilmente seus pneus estariam em condições tão boas se tivesse seguido o inglês de perto. Mas é lógico que isso é apenas uma suposição. 

Com Hamilton fora de combate devido à punição, e Max Verstappen sem ritmo para acompanhar especialmente com o pneu médio (com o qual sofreu por falta de aderência), e um pouco menos com o duro, Bottas venceu pela segunda vez no ano. E o fato de Verstappen ter voltado de sua parada 6s à frente de Hamilton e ter terminado 15s, em que pese o fato de os pneus do inglês terem 9 voltas a mais, também indica que Lewis pôde economizar seu motor na corrida e nem tentou buscar o segundo posto.

(Dan Mullan/Getty Images/FIA Pool)

Duas corridas no meio do pelotão

O incidente na largada jogou Norris e Albon para o fundo do pelotão, em uma briga que durou a corrida toda, mesmo que a Red Bull tivesse, em teoria, um ritmo melhor. Sabendo disso e lutando pela última posição nos pontos, a McLaren decidiu arriscar deixar Norris na pista até o final para ver se seria possível fazer só uma parada, mas quando Pierre Gasly foi para o box para uma segunda troca com 11 voltas para o final, voltou atrás dos dois e os passou com facilidade, tamanha a vantagem dos pneus, o time teve de chamá-lo ao box e a terceira colocada no mundial acabou zerada na Rússia.

Mais à frente, aconteceu o que se previa em relação aos últimos pilotos do top 10 no grid: com os pneus macios, eles ficaram expostos a quem vinha atrás. Charles Leclerc se viu em oitavo ao final da primeira volta, ganhou a posição de Gasly justamente porque pôde estender seu primeiro stint, e também de Esteban Ocon, que relatou ter perdido totalmente a confiança no carro com os pneus duros (caiu de quarto para sétimo) na segunda parte da prova, e terminou em sexto. 

Na outra Ferrari, mais uma vez Vettel foi para a coletiva segurando um papel, como fez na Inglaterra quando sentiu que sua estratégia não tinha sido das melhores. A impressão foi de que ele foi deixado na pista com pneus já muito desgastados para segurar Ocon e ajudar na estratégia de Leclerc. Algo triste de ver para um tetracampeão, mas que faz sentido do ponto de vista da equipe, já que o ritmo de Vettel não o ajuda: eles largaram, com o mesmo composto médio, em 10º e 14º e na volta 28, quando Leclerc parou (dois giros antes de Seb), ele era terceiro e o alemão, nono, e o monegasco era mais de 0s5 por volta mais rápido.

Outra estratégia de destaque foi a de Kvyat, levando os duros até a 30ª volta com um bom ritmo para pular de 11º no grid para oitavo na corrida. Perez, quarto, e Ricciardo, quinto, tiveram ritmo bom o suficiente para ficarem à frente destes pilotos que adotaram estratégias melhores, e esquentaram ainda mais a briga pelo terceiro lugar no mundial: a McLaren tem 106, a Racing Point, 104 e a Renault 99 pontos. E, sim, a Ferrari é sexta e está descolada deste grupo, com 74.

Por que Hamilton foi punido (duas vezes) por ensaiar largada?

(Dan Istitene – Formula 1/Formula 1 via Getty Images)

Lewis Hamilton não gostou nada da punição dupla que sofreu no GP da Rússia e que foi importante para que ele não tenha passado do terceiro lugar na corrida em que teve a primeira chance de igualar as 91 vitórias de Michael Schumacher na Fórmula 1. Ele levou duas punições de 5s cada por uma infração cometida antes mesmo de alinhar o carro para o grid: ele teria ensaiado largadas, em duas oportunidades, em local não permitido.

O hexacampeão se defendeu dizendo que não fez nada de diferente em relação a outras provas, enquanto seu chefe, Toto Wolff, afirmou que a punição foi “pouco convincente”, uma vez que as regras não eram claras a respeito de onde os pilotos poderiam fazer seus ensaios de largada.

Pelo menos, dos males, o menor para Hamilton, que inicialmente teve também dois pontos acrescidos a sua superlicença, chegando a 10 e ficando a dois de ser suspenso por uma prova. Mas, horas depois do GP, os comissários voltaram atrás, depois de várias críticas inclusive de outros pilotos, e ele segue com 8 pontos, que começam a vencer após o GP da Turquia, em quatro etapas.

Por que Hamilton foi punido?

Ele descumpriu duas normas: a primeira delas é de não “manter uma aceleração constante na saída do pitlane”, que está no artigo 36.1 do regulamento esportivo. E a segunda faz parte de outro documento, que é distribuído às equipes nas quintas-feiras antes das provas (e às vezes ganha versões atualizadas ao longo do final de semana, o que não foi o caso em Sochi), chamado “anotações do diretor de prova”. Esse documento fala de particularidades de cada pista, como localização de entrada e saída do box, linha de Safety Car, etc.

No artigo 19 destas “anotações do diretor de prova”, que fala diretamente sobre ensaios de largada, está escrito que o piloto só pode fazer estes treinos “à direita após as luzes de saída do pitlane e, para não haver dúvida, isso inclui qualquer momento em que a saída de pitlane está aberta. Os pilotos devem deixar espaço adequado para outro piloto passar. Por questões de segurança e equidade esportiva, os carros não podem parar na linha rápida (parte da esquerda do pitlane) em qualquer momento na saída do pitlane”.

Por que foram duas punições?

Hamilton realizou dois ensaios de largada antes de alinhar no grid. O primeiro foi às 13h32 locais e o segundo, às 13h35. Como ele agiu da mesma forma em ambos os casos, foi punido duas vezes. Em cada uma delas, levou 5s de punição, o que é a segunda menor pena possível. A primeira seria apenas uma advertência. Ele cumpriu as penas de uma só vez, em sua única parada nos boxes.

A culpa foi de Hamilton ou da equipe?

Neste vídeo publicado pela Fórmula 1, fica claro que Hamilton perguntou para a equipe se poderia ir mais adiante na pista para treinar suas largadas e recebe a informação de que sim. “Só tem borracha aqui, posso ir mais para frente?” e o engenheiro diz que sim, que ele só tem de deixar espaço para os rivais passarem, o que ele fez.

Hamilton e a Mercedes têm razão de reclamar?

Se nos basearmos apenas no que está escrito no documento de “anotações do diretor de prova”, faz sentido a reclamação de que não estava claro onde era permitido fazer o ensaio de largada já que, no documento, fala-se em “à direita após a linha de pitlane”, sem mais especificações.

“Geralmente, em todas as corridas, ou pelo menos neste ano, eu sempre faço meus treinos de largada mais para frente. Nunca tive problema, faço isso há anos. Aqui nunca tinha feito, acredito, mas o que [a regra] diz [e que você tem que ficar à direita depois das luzes do pitlane, mas não fala o quanto para frente. E eu não gosto de ficar onde está emborrachado, onde os outros fazem seus treinos de largada, então eu tento ir para um lugar com menos borracha.”

O chefe de Hamilton, Toto Wolff, seguiu na mesma linha e também disse que falou clareza nas regras, mas disse respeitar o trabalho dos comissários, embora tenha de discordar. “Levar 10s por algo que aconteceu nas voltas de reconhecimento também pode ser debatido. Mas temos de assumir o golpe e seguir em frente.”

No texto da punição, há a especificação de que o ensaio de largada só poderia ser feito em um local “que fique fora da pista, definida pelas linhas”. Hamilton, de fato, estava fazendo seus ensaios dentro da pista. E, como outros pilotos, como Daniel Ricciardo, afirmaram que “estava muito claro onde se podia treinar largada, até porque nem mudou da sexta-feira para a corrida”, é possível que essa informação adicional tenha sido passada na reunião dos pilotos e representantes de equipe, que é sempre realizada com a direção de prova às sextas-feiras no final da tarde.

Por que os pilotos ensaiam largada?

A aderência da pista vai mudando muito ao longo do final de semana, então desde os treinos livres os pilotos fazem uma sequência de ensaios de largada na saída do pitlane, que é o único lugar em que eles vão poder repetir isso aos domingos, e também no grid ao final das sessões. Os engenheiros, então, calculam as configurações de embreagem para que a largada seja a melhor possível cruzando os dados destes dois pontos de referência, e os pilotos adotam a configuração escolhida usando os controles do volante.

Por que a FIA voltou atrás em relação aos pontos?

Essa punição dupla tinha deixado Hamilton em situação delicada em relação aos pontos adicionados a sua superlicença. Ele tinha chegado a 10, sendo que, com 12, receberia uma suspensão automática. Isso porque esses pontos estão ligados à punição escolhida e, quando um piloto leva 5s, geralmente leva um ponto na “carteira” também. Todos os pilotos que foram questionados sobre isso – Max Verstappen, Sebastian Vettel, Charles Leclerc e Daniel Ricciardo – concordaram que dar pontos a Hamilton por uma infração com a deste domingo era excessivo.

Algumas horas após o fim do GP da Rússia, a FIA, alegando ter ouvido da Mercedes que foram eles quem instruíram Hamilton a parar no local em que ele fez o ensaio de largada, saiu a decisão de que os pontos seriam revogados. Então agora Hamilton tem 8 pontos. Como estes pontos valem por 12 meses, se ele levar mais quatro pontos durante as próximas quatro provas, será suspenso.

Turistando na F1 e 10 coisas que você não sabia sobre a Rússia

Nas temporadas anteriores do Turistando na F1…

Quanto custa ver o GP da Rússia? Onde ficar?

Por que Sochi é a Riviera dos Russos

Sim, é fácil adivinhar que esta foto aí de cima é de um jogo de hóquei. Só é mais difícil saber que o time local estava jogando em pleno final de semana de corrida DENTRO do autódromo. Como a pista é basicamente formada pelas vias que levam de um a outro estádio do complexo esportivo construído para as Olimpíadas de inverno de 2014, isso significa que existe um estádio lá dentro.

Ano passado, a organização deixou alguns ingressos disponíveis para os jornalistas, e lá fomos eu e a Mariana Becker tentar chegar até o bendito estádio, já que é perto demais para pegar um táxi (que nem pode chegar até lá) e longe para andar (pelo tempo que tínhamos). Foi um parto, já que até mesmo durante o GP é difícil encontrar quem fale inglês. Na porta, rolou uma intimidação com as “forasteiras”, ou sabe-se lá o que. Coisas de machões em eventos esportivos. No final, deu tudo certo, a não ser pelo Sochi, que perdeu.

Mas Sochi, na verdade, não é onde a pista está construída. Adler é como se fosse um bairro afastado de Sochi, mas que cresceu, obviamente, com a Olímpíada. E deu mais outro passo, que nós da F1 pudemos acompanhar bem, com a Copa do Mundo. Após a Copa, muitos restaurantes abriram e o lugar ficou bem mais aconchegante. Não é um elefante branco, com certeza. Os apartamentos da vila olímpica são usados como hoteis. São numerosos e não devem ficar cheios o ano todo, mesmo que a região seja conhecida como a Riviera Russa (é necessária muita imaginação para comparar à Riviera Francesa, mas pelo menos o clima é ameno por bem mais tempo).

A modernidade das construções feitas na época da Copa e uma das sete irmãs de Stálin ao fundo

Uma das coisas que mais me chamaram a atenção desde a primeira vez que fui para a Rússia é a narrativa própria que eles usam sobre a história. Quando você vai a um museu, especialmente sobre a segunda guerra mundial, sai tendo a certeza que o mundo deve a vitória contra os nazistas aos russos. Afinal, a narrativa construída é de que eles combateram a ameaça japonesa ao leste e esmagaram os alemães no oeste. Sozinhos. Os russos, aliás, até chamam as guerras mundiais de um jeito diferente: primeira e segunda guerras patrióticas.

As comemorações das vitórias russas acontecem lá na Praça Vermelha, que abriga prédios importantes do poder e da igreja ortodoxa russa. Há quem pense que o nome, contudo, tem a ver com o comunismo, mas não: é derivado da palavra krasnyi, que significava bela. E realmente é um dos lugares mais repletos de edificações impressionantes que já vi nos quase 70 países que visitei.

Aliás, uma das experiências mais internacionais que tive foi na fila para ver o corpo embalsamado de Lênin, justamente na Praça Vermelha. Havia um homem ali, russo, que já tinha percebido isso e estava com pequenos pedaços de papel em que a mesma mensagem estava escrita em dezenas de idiomas: coleciono moedas de outros países, você tem do seu? Posso trocar por moedas soviéticas. E não é que não lembrei que tinha moedas de Singapura na minha bolsa?

É uma ótima desculpa para voltar a uma cidade espetacular, cheia de camadas.  Do Parque Zaryad, inclusive construído na época da Copa, dá para ver todas elas: a praça vermelha e o passado imperial da Rússia, as “sete irmãs”, prédios de arquitetura inconfundível, feitos na época de Stálin, e os arranha-céus e desfile de carrões nas ruas do pós-reabertura com o fim da União Soviética.

Mas é frio por boa parte do ano, isso é fato. Da última vez que passei por Moscou, era setembro ainda, então era verão ainda (não na Rússia, mas já explico), mas tive que comprar um casaco que só uso no inverno mesmo na Inglaterra, onde faz beeeem menos frio. A temperatura caía para 0ºC à noite, e o aquecimento central da cidade tinha acabado de ser ligado. E isso só acontece depois de cinco dias consecutivos com temperaturas abaixo de 8ºC.

Sobre as estações: como assim elas são diferentes? Usamos os solstícios e equinócios, então as mudanças de estação acabam ficando pra o meio do mês. Não para os russos. Eles são mais práticos: inverno de novembro a março, primavera de abril a maio, verão de junho a agosto, outono de setembro a outubro.

Mas, pelo menos, o caviar faz parte das refeições o ano todo. Ou pelo menos fazia. Nos tempos de regime soviético, em que havia várias restrições nos produtos disponíveis, o caviar era um dos ingredientes mais comuns na cozinha local devido a sua abundância por lá. Ainda hoje, mesmo com restrições à produção, o caviar é cerca de 5 a 6 vezes mais barato na Rússia do que na Europa.

Fotos: Julianne Cerasoli

Sobre o GP do Brasil de 2021. Que pode não acontecer

Red Bull Content Pool

Muita gente está me perguntando sobre o calendário publicado pelo jornalista Dieter Rencken no site RaceFans não ter o GP Brasil de em 2021. Estava escrevendo uma thread no Twitter que ficou tão grande que resolvi colocá-la em texto por aqui.

Segue o “fio”.

A matéria deixa claro que é uma especulação baseada em todas as dicas dadas pela Liberty e pelos promotores nos últimos meses a respeito do calendário de 2021. Sabe-se, por exemplo, que a Austrália não tem condições de receber o GP em março, sabe-se que a Arábia Saudita está pagando muito para entrar mesmo que a obra da pista original, que foi divulgada no começo do ano, tenha atrasado. Sabe-se que a segunda parte do ano vai ser mais movimentada, e que algumas pistas européias ficarão de prontidão caso viajar e ter público ainda seja complicado.

Como vocês podem perceber, o mundo está bem mais reticente quanto à vacinação em massa efetiva e ao fim da pandemia do que vemos em muitas notícias no Brasil.

Sabe-se, também, que o Brasil não tem contrato em vigor e que a Liberty prefere o projeto do Rio (parado à espera da aprovação do relatório de impacto ambiental, o que já leva meses e pode se estender até sabe-se lá quando). Eles preferem porque é financeiramente muito mais atraente que a proposta de SP e pelo apelo turístico. Mas já está mais que claro que a pista não sai para 2021.

A Liberty deixou claro para mim com todas as palavras que só haverá GP Brasil se isso for comercialmente vantajoso para eles. A última proposta de SP de que se tem notícia é de US$20 milhões por ano e eles não têm saído da Europa por menos de 30 milhões.

Além disso, há equipes pressionando para que a F1 não volte a Interlagos. A questão não é a pista, obviamente, mas sim infraestrutura e o entorno do circuito. Falando da minha experiência de cobrir a temporada toda, Interlagos é, de fato, a pista com pior localização em termos de segurança (na Cidade do México não é muito diferente em termos de área, mas a sensação de segurança trazida pelo policiamento pra lá de ostensivo é bem maior). E, mesmo que a reforma tenha melhorado muita coisa, ainda é um autódromo em que é mais difícil de trabalhar do que na grande maioria.

Junte-se a isso o fato de ser caro ir para o Brasil e de a corrida ser isolada (é errada a afirmação de que “não vai ter GP Brasil em 2020 porque não fazia sentido ir para as Américas para fazer só uma prova”, uma vez que o equipamento e os profissionais voltam para a Europa após a dobradinha EUA-México, ou seja, o Brasil é sempre sozinho), e fica mais fácil entender por que é importante que seja economicamente vantajoso.

Hoje, o Brasil só colabora com os números de audiência da TV. O restante, olhando friamente do ponto de vista comercial, é descartável. Digo isso sabendo, em primeira mão, como o país é tratado no paddock.

Há um movimento para tentar garantir um GP no Brasil de 2021 em outra localidade, e existe pressão há algum tempo por Brasília, mas, de qualquer jeito, isso depende de vários milhões de dólares.
Para finalizar, antes que venham demonizar a Liberty: a F1 não ficou tão longe quanto vocês imaginam de quebrar neste ano. Se a Liberty Group não não tivesse emprestado dinheiro e os sauditas da Aramco não tivessem fechado um mega contrato pré-pandemia, haveria um problema sério de liquidez porque três das fontes de renda primárias (taxas para a realização das corridas, direitos de TV e paddock club) foram seriamente afetadas.
Na era da internet, a Liberty sabe que não precisa correr em todos os mercados que lhe deem visibilidade, pois ela pode ser alcançada online. Ao mesmo tempo, as taxas de realização de GPs já rendem, desde o ano passado, mais do que os contratos de TV. Então, a F1 só vai correr onde essa conta fechar.

O mais importante

Steve Etherington/Mercedes

 

Ilha de Zamami, em Okinawa, lugar isolado no Japão, com uma população de 600 pessoas. Eu era o único rosto não oriental do acanhado restaurante. Os locais, após uma ou duas cervejas, tomaram coragem para tentar entender o que eu estava fazendo ali. Nos comunicávamos por gestos e uma palavra ou outra em inglês. Eu era do Brasil, tinha ido ao Japão a trabalho, em Suzuka. E uma das mulheres com quem conversava exclamou: “Aytô Senna!”

Outra situação que vivo mesmo quando tento “me esconder” do mundo da F1 em minhas andanças por lugares pouco explorados é ouvir a pergunta “mas você sabe algo a mais do Schumacher?”

Estes eram os dois personagens que transcenderam a Fórmula 1 até a chegada de Lewis Hamilton. E isso não aconteceu só porque eles foram grandes pilotos. Não coincidentemente, Senna e Schumacher foram grandes quando a categoria estava na TV aberta em vários mercados, tinha ampla cobertura dos jornais diários na Europa, no Japão, por aí (em uma época em que, se algo não estava na TV e no jornal, praticamente não existia). Senna ganhou fãs fora das pistas pelo ar quase divino como explicava seus feitos, pelas frases que até hoje vira e mexe vemos nas redes sociais de quem menos esperamos. E Schumacher levou outra marca que transcende a F1 de volta aos títulos, fez o inimaginável em termos de resultados, virou sinônimo de perfeição. Aquela época foi vendida pela mídia como: “história está sendo feita e jamais será repetida.”

O mundo mudou muito nos últimos 20 anos. Os chamados zoomers ou late millennials (basicamente, quem nasceu depois que Senna morreu, para simplificar as contas) que estão lendo isso talvez não tenham a dimensão do que aconteceu. Antes, especialmente das mídias sociais, dos streamings, dos algoritmos, havia, de fato, artistas que “todo mundo” sabia quem eram, as notícias que “todo mundo” tinha visto. Hoje, não. O “todo mundo” virou sua bolha, e você nem percebeu.

Por isso, o mérito de Lewis Hamilton como figura que transcende a Fórmula 1 justamente na era dos nichos é gigantesco. Da época de Schumacher para cá, a categoria saiu da TV aberta na grande maioria dos países, saiu das homepages (as novas primeiras páginas de jornal). Hamilton começou a estourar a bolha há quase 10 anos, no início mais tateando qual seria seu caminho, e nos últimos anos, compreendendo seu impacto, passou a usar o esporte como vitrine.

Ao invés de tornar a F1 sem graça por vencer tanto, ao usá-lo como plataforma para lutar pelo que acredita, ele aumenta seu alcance, algo que muitas vezes a bolha, presa em seu sabão, não consegue ver. 

“Ah, se fosse qualquer outro piloto, já teria sido punido”: ele faz o que faz e desafia o status quo justamente porque ele sabe que não é “qualquer outro”. Até porque, sabemos, e vimos recentemente no Brasil, com o exemplo do ginasta Ângelo Assunção, o resultado de quando isso acontece. “Ah, esporte não é lugar de política”. Podemos compreender que, quando a palavra política é empregada neste contexto, ela está afastada de sua origem grega da arte de viver em sociedade, e  se refere mais ao exercício de poder organizado. Por mais que muitos tentem colocar (e não é de hoje) qualquer transformação social ou luta por direitos humanos neste segundo campo do político enquanto poder organizado a fim de desvalorizá-la, ela só é política no sentido original do termo. E até o COI, uma das organizações mais arcaicas de nossa sociedade, e que puniu Tommie Smith e John Carlos depois da manifestação antirracista nas Olimpíadas de 1968 (fato que, inclusive, perdeu importância diante de como aquela imagem ainda está marcada em nossas retinas), está revendo seus estatutos porque sabe que os Jogos de Tóquio serão marcados por mulheres, negros, e quem quer que tenha sido deixado à margem da história, levando o seu recado.

E, sim, vai ser no pódio (da corrida número 1000 da Ferrari, inclusive). Vai ser posado, e não negando-se a correr no país X ou Y, escondendo-se. Porque as imagens são fortes, e estar no lugar mais alto do pódio só fortalece sua plataforma.

Está na hora de admitir que nunca vimos um piloto de F1 ser tão importante quanto Lewis Hamilton.

Estratégia do GP da Toscana: mergulhando no desconhecido

(Florent Gooden/DPPI/FIA Pool)

 

Antes da largada do GP da Toscana, as equipes sequer tinham definidas suas estratégias: ainda que a Pirelli garantisse que fazer duas paradas seria a maneira mais veloz de completar a prova, largando com macios e fazendo suas pernas da prova com os médios, certamente alguns tentariam economizar os pneus no começo e ver até onde dava para chegar.

Isso, principalmente porque os temores de superaquecimento dos pneus devido à combinação de forças geradas pelas curvas de alta + temperatura do asfalto não se confirmaram, e a suspeita era de que a natureza do asfalto mais poroso de Mugello tinha a ver com isso, o que de quebra ajudou os pilotos a seguirem um ao outro mais de perto, e levaria a uma bela disputa pelo pódio.

Também afetando diretamente as estratégias havia a quase certeza de pelo menos um Safety Car, devido às britas nas áreas de escape em um circuito de alta velocidade. 

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O primeiro a sair da briga foi Max Verstappen, aparentemente com o mesmo problema de software na unidade de potência que o tirou do GP da Itália. Ele até largou bem, mas depois perdeu potência, se viu no meio do pelotão e acabou vítima de um acidente que foi quase uma cópia do que tinha acontecido na F2 no sábado, quando Gasly tentou se emparelhar com Raikkonen e Grosjean onde não havia espaço.

Na frente, Bottas tinha largado melhor (finalmente) e tomado a ponta de Hamilton, que se viu dividindo a primeira curva com Leclerc, terceiro.

A batida do meio do pelotão trouxe o primeiro SC da corrida, e com ele, veio também a relargada com direito a strike, sobre a qual falo com mais detalhes aqui. Agora com sete carros a menos, a corrida recomeçaria com outra largada parada, e com a maioria calçando pneus novos (só Vettel e Raikkonen, que já tinham parado por conta do primeiro choque, seguiram com os mesmos pneus). Enquanto todos (à exceção de Russell) colocaram mais um jogo de macios, as Mercedes optaram pelo médio, uma escolha conservadora de quem sabia que a diferença entre o C3 (macio) e C2 (médio) não era grande, mas também sabia que Verstappen estava fora e que eles poderiam fazer seu próprio ritmo.

Hamilton recuperou a ponta na relargada, mas teve Bottas a menos de 2s de distância por 15 voltas, nas quais o finlandês acabou com seus pneus dianteiros. Isso levaria a uma série de mensagens para que eles evitassem usar totalmente a borracha do pneu, sem atacar as zebras, para não reviver cenas como as das voltas finais do GP da Grã-Bretanha. Foi por isso, inclusive, que a equipe decidiu não ouvir aos pedidos de Bottas para colocá-los com compostos diferentes após a segunda troca, já que ele queria o composto médio, mas a Mercedes não tinha certeza que ele chegaria até o fim.

Mais atrás, eles contaram inicialmente com a “ajuda” do lento Leclerc para abrir uma vantagem confortável, enquanto Alex Albon ia abrindo caminho no pelotão após uma relargada muito ruim, em que caiu de quarto para sétimo. Ele passou Perez e o monegasco, e passou a andar no mesmo ritmo de Ricciardo, que por sua vez vinha junto de Stroll.

Foi então que a Renault apostou no undercut, e mostrou para os demais o quanto ele estaria poderoso em Mugello: Ricciardo antecipou sua parada, na volta 27, e voltou andando bem mais rápido. Sabendo que já tinha perdido a posição, a Racing Point não respondeu na volta seguinte, e Stroll só parou na volta 30. A ideia, ali, era que os pneus dele chegassem mais inteiros ao final, já que ninguém planejava parar novamente. Foi a mesma tática da Red Bull com Albon, que só parou na volta 32.

Norris tinha decidido fazer o undercut também na briga com Perez, mas conseguiu passar o mexicano na pista. Coube à Racing Point, então chamá-lo rapidamente aos pits para ele tentar o undercut para conseguir a posição de volta, o que funcionou.

Para Leclerc na Ferrari, nada funcionava: ele antecipou bastante a parada, na volta 21, e trocou os macios pelos duros. Também não funcionou, e ele então trocou os duros pelos médios na volta 37, o que acabou sendo sua sorte.

Isso porque Stroll teve um furo no pneu e bateu forte na curva mais rápida do circuito na volta 43. Todos, com exceção de Leclerc, correram para os pits quando o SC foi acionado mas, logo depois, como a barreira de pneus precisava ser refeita, veio a segunda bandeira vermelha.

A terceira largada parada aconteceria com 14 voltas para o fim, e com todos com pneus macios usados. Bottas perdeu momentaneamente a posição para Ricciardo, mas se recuperou rapidamente. E, com 10 voltas para o fim, a corrida tinha Hamilton, Bottas, Ricciardo, Albon, Perez, Norris, Kvyat, Raikkonen (que a essa altura já sabia que teria 5s acrescidos a seu tempo por uma punição por cruzar a linha branca na entrada dos boxes), Leclerc e Grosjean no top 10. Russell passara a maior parte da prova no top 10, mas perdera terreno na relargada. 

Muito lento nas voltas finais, Grosjean foi passado por Vettel e Russell, fazendo o alemão entrar na zona de pontuação. E, lá na frente, Albon fez uma bela manobra por fora em cima de Ricciardo para conquistar seu primeiro pódio na carreira, enquanto Hamilton celebrou sua 90ª vitória na carreira, ficando a apenas uma do recorde de Schumacher.

Drops do GP da Toscana pós maratona histórica

E que fique registrado o protesto
(Photo Florent Gooden / DPPI/FIA POLL)

 

Sebastian Vettel pode estar vivendo um momento difícil na Ferrari, mas parecia uma criança ao lado do F2004 antes de Mick Schumacher dar uma voltinha no circuito de Mugello. Estava atento a todos os detalhes. Disse que só não comprou um desse porque “era muito caro”. Muita gente, de todas as equipes, aliás, correu para a mureta para ouvir o V10 do carro que tinha o recorde da pista de Mugello até este final de semana. 

 

Outro que não perdeu a chance de tirar uma foto do carro foi Bernd Maylander, o piloto do Safety Car. Aliás, foi curioso que a FIA mandou uma mensagem para todas as equipes dizendo que o Safety Car era vermelho neste final de semana. Como se ninguém tivesse notado.

 

Muita coisa mudou entre o primeiro e o último triple-header (sequência de três corridas) dessa maratona de nove corridas em 11 finais de semana. Enquanto o fato de algumas pessoas do alto escalão (pilotos, chefes de equipe) irem para casa entre uma corrida e outra ganhou muita visibilidade no começo, agora (que os números de novas infecções na Europa estão mais altos, embora a porcentagem de morte esteja em queda) os pilotos até estavam sendo perguntados nas coletivas de imprensa que lugares tinham visitado na Itália. Que diferença dois meses fazem nos tempos de corona!

 

Pelo menos agora muita coisa de mercado tende a andar, depois que acabou a maratona de provas. A Mercedes está tentando de tudo para não perder Andy Cowell, ex-chefe da divisão de motores, para algum rival. Tanto, que seu nome é cogitado para a chefia da Aston Martin, deslocando Szafnauer para a Williams.

 

Na Red Bull, pessoas próximas a Perez garantem que Christian Horner entrou em contato para sondar as intenções do mexicano. Disse que dariam mais duas corridas para Albon mostrar serviço, e que não querem promover Gasly. Por isso o pódio foi importante, ainda mais pela maneira como aconteceu, com um fim de semana sem erros e sem que Alex tenha se desesperado com as largadas ruins, embora o bom ritmo da Red Bull, claro, tenha ajudado.

 

O fato é que, se essa história chegou aos ouvidos do francês, com certeza não caiu bem. Gasly quer provar que Marko e Horner estavam errados quanto a ele e voltar à Red Bull. Com tantos egos envolvidos, isso parece impossível no momento.

GP da Toscana: Acidentes e estreia estão interligados?

(AP Photo/Luca Bruno, Pool)

Faz tempo que uma corrida de Fórmula 1 não tem uma prova tão cheia de abandonos por acidentes como foi o GP da Toscana neste domingo, vencido por Lewis Hamilton. Dos oito pilotos que não terminaram a prova, sete bateram, em uma pista que estava fazendo sua estreia na categoria.

Mas estariam estes dois elementos interligados? O primeiro incidente ocorreu logo na volta de abertura, quando Pierre Gasly, Kimi Raikkonen e Romain Grosjean tentaram fazer a segunda curva lado a lado. Eles se tocaram e acabaram engolindo Max Verstappen, o que tirou Gasly e o holandês da prova.

O acidente foi uma cópia do que aconteceu na primeira corrida da Fórmula 2, então eles deveriam saber que não havia espaço ali. Várias curvas do circuito de Mugello têm uma característica interessante, com a entrada mais aberta e o restante que vai se afunilando, o que permite a adoção de várias linhas diferentes, mas também deixa os pilotos sem espaço de uma hora para a outra. Se tivessem mais experiência correndo lá, os pilotos teriam evitado o toque? É possível.

O segundo incidente contou com uma boa dose de mau comportamento de vários pilotos na primeira relargada, mas também teve um elemento que veio da pista (ou da falta de experiência nela): a reta é longa, o efeito do vácuo é bastante forte, e a linha de controle, a partir da qual a corrida volta a valer, é mais adiante na reta do que o normal. Isso gera a tentação no líder de esperar ao máximo para voltar a acelerar, já que, se ele aperta o ritmo antes da linha, corre muito mais risco de ver o rival pegar o vácuo e tentar a ultrapassagem na freada da primeira curva.

Foi isso o que Bottas fez, e isso era esperado pelos pilotos, que tinham visto o mesmo acontecer em relargadas das categorias de base em Mugello, mas alguns quiseram começar a corrida antes do líder e deram sorte pelo acidente não ter sido grave. Com carros com velocidades diferentes no meio do pelotão, pois uns já aceleravam totalmente, e outros freavam esperando Bottas relargar, mais quatro carros ficaram pelo caminho – Magnussen, Sainz, Giovinazzi e Latifi – e 12 pilotos receberam advertências (do quarto ao 15º colocados naquele momento) pelo comportamento.

E o último abandono foi por um estouro de pneu de Lance Stroll. O canadense fazia 22 voltas com o mesmo jogo de pneus médios, e as estimativas apontavam que este composto duraria cerca de 25 voltas. Mas a observação dos pneus de Valtteri Bottas deixaram claro para a Mercedes que o desgaste era alto, já que o pneu dianteiro direito estava com a borracha praticamente zerada. Acontece que isso só seria notado nas paradas causadas justamente pela bandeira vermelha após a batida de Stroll. Como, nos treinos livres, ninguém faz uma simulação tão longa, com mais de 20 voltas seguidas, e as equipes trabalham com estimativas, isso indica, novamente, que a falta de dados e de experiência com a pista pesou.

A boa notícia é que essa corrida de Mugello é a primeira de uma sequência de provas que não estavam no calendário original, mas que entraram no lugar de GPs cancelados devido ao coronavírus. Portimão e o traçado externo do Bahrein serão desafios ainda mais novos do que Mugello porque a grande maioria dos pilotos nunca andou em ambos. E Nurburgring, Imola e Istambul estão fora do calendário há anos. Promessa de mais emoção de um campeonato amplamente dominado por Hamilton, mas que tem tido corridas movimentadas.

Vettel na Aston Martin: A melhor manobra do tetracampeão em 2020

FOTO COLOMBO IMAGES SRL/FIA Pool

 

La vendetta è un piatto che va servito freddo, dizem. Há semanas a Racing Point/Aston Martin esperava a polêmica acerca do projeto de seus dutos de freio para anunciar a contratação de Sebastian Vettel, mas a Ferrari insistia em querer apelar. Até que Lawrence Stroll quebrou as bolhas e foi no motorhome da Scuderia e, minutos depois, a Racing Point retirou o seu próprio protesto. Ao final do GP da Itália, talvez querendo desviar as atenções do fato de que um carro ficou sem freio em Monza e o outro acabou no muro porque sua nova estrela não conseguiu domá-lo, a Scuderia também retirou seu apelo.

E abriu o caminho para que Vettel tivesse o prazer de roubar as manchetes logo no dia de entrevistas para o GP em que a Ferrari comemora 1000 GPs. Um final justo para uma novela que começou com a dispensa por telefone de um tetracampeão do mundo.

Mas seria a Aston Martin apenas a única opção de Vettel continuar no grid ou apenas uma aposta pela tradição de uma marca famosa? Tudo indica que não. O projeto tem a base da equipe mais eficiente da Fórmula 1 nos últimos anos e está recebendo uma injeção de dinheiro em um momento importante, logo antes de uma mudança significativa de regras.

Tudo começou quando Stroll comprou a Force India em meados de 2018. O canadense tem histórico de adquirir empresas que estão em decadência e fazê-las retomar o crescimento, para então lucrar com a venda. Em sua empreitada na F1, não demorou para tornar-se sócio majoritário também na Aston Martin e unir os projetos. A ideia é usar a categoria como plataforma de marketing e tecnologia para alavancar a marca britânica. Não por acaso, o projeto já atraiu inclusive o chefe da Mercedes, Toto Wolff, que é próximo a Stroll e também se tornou acionista da Aston Martin, e tem proximidade com a Mercedes, que fornece motor e câmbio para a equipe.

A proximidade com os hexacampeões a tanta que até gerou uma polêmica nesta temporada devido à semelhança do carro da Racing Point com o da Mercedes, a ponto de o carro ficar conhecido como Mercedes rosa. Eles chegaram a ser punidos com a perda de 15 pontos devido ao processo de desenho dos dutos de freio traseiros mas, ainda assim, estão em quarto lugar no mundial de construtores, não vão ter que mudar o carro significativamente para o ano que vem, e acabam de conquistar um pódio no GP da Itália, com Lance Stroll.

No campo técnico, o time está recebendo um grande investimento para a construção de uma sede totalmente nova, que deve estar operando em agosto de 2022. Este é o momento certo para uma equipe crescer já que, a partir do ano que vem, entra em vigor um teto orçamentário na F1. Para um time médio, como a Racing Point é hoje, ficando abaixo do teto de 145 milhões de dólares (excetuando-se alguns gastos importantes, como salários dos pilotos, por exemplo) normalmente, pode ser uma grande oportunidade de melhorar o corpo técnico, já que operações maiores, como da Mercedes e Red Bull, terão de ser reduzidas. E a oferta de bons profissionais no mercado deve ser maior que o normal.

Além disso, as novas regras da F1, desde o teto de gastos em si até limitações de desenvolvimento aerodinâmico baseadas na posição do campeonato, caem como uma luva para a organização da Racing Point que, desde a época de Force India, é conhecida pela eficiência: por muitos anos, o time foi aquele que gastou menos dinheiro por ponto conquistado no campeonato. Trata-se de uma combinação interessante, que agora ganha um piloto tetracampeão do mundo.

Para 2021, espera-se apenas uma pequena evolução em relação ao que foi conquistado neste ano, uma vez que várias mudanças estão limitadas. Mas todas as equipes começam do zero em 2022, quando estreia um novo regulamento técnico.

Para Vettel, é uma ótima chance de recomeçar, depois que o alemão sofreu para se adaptar ao carro da Ferrari, especialmente nas últimas duas temporadas. Vettel tem um estilo de pilotagem bastante sensível e específico, e tem experiência suficiente para guiar a Aston Martin em torno de um projeto que atenda melhor a suas necessidades.

Estratégia do GP da Itália e por que Gasly “deve” a vitória a Kvyat

(AP Photo/Luca Bruno, Pool)

O GP da Itália tinha tudo para ser uma corrida simples do ponto de vista de estratégia: a prova mais curta em termos de tempo no campeonato é uma das que gera a maior perda nos boxes (em torno de 24s), então não vale a pena fazer uma parada a mais. Além disso, com carros tão parecidos em termos de desempenho no meio do pelotão, o desenho mais provável era ver as Mercedes lá na frente, com Bottas sofrendo para conservar os pneus correndo no ar turbulento de Hamilton e não conseguindo fazer nada para evitar mais uma vitória do companheiro, e atrás um trenzinho com todo mundo usando DRS e ninguém passando ninguém.

Os times nem ficariam esperando por um Safety Car, já que tinha ocorrido apenas uma intervenção nas últimas cinco provas, e isso explica por que quem estava se sentindo encaixotado começou a antecipar suas paradas, começando por Charles Leclerc na volta 16. Aliás, o fato de mesmo os pilotos que largaram com os macios estarem demorando para parar demonstrava que eles queriam fugir dos compostos duros, com o qual alguns tinham largado.

Era o caso de Daniil Kvyat, que estava no rádio reclamando do ritmo do companheiro Gasly, que largara no top 10, ou seja, com macios usados. A solução da equipe foi, então, chamar o francês para os boxes na volta 19. Não poderiam imaginar o tamanho da oportunidade que lhe dariam.

A Haas de Kevin Magnussen para perto da entrada dos boxes, em um lugar em que havia uma abertura para fiscais, mas não para um carro. O jeito seria empurrá-lo para os boxes e, por isso, a direção de prova tomou duas providências: acionou o SC e fechou a entrada do pitlane. É algo que gera um alerta automático para as equipes, mas cujo sistema da Mercedes não está programado (ou não estava até aqui) para identificar. Hamilton estava entrando na Parabólica quando o pitlane foi fechado e não viu a sinalização a sua esquerda na curva. Mais atrás, a Alfa Romeo teve mais chance de reagir e cometeu o mesmo erro com Giovinazzi. A infração é grave porque, se a pena for branda, vale a pena os times ignorarem a regra e isso obviamente traz implicações de segurança.

Depois que o pitlane foi aberto, a Racing Point dividiu as estratégias, chamando só Perez e não Stroll, talvez imaginando que seria menos pior para o canadense esperar mais uma volta do que aguardar atrás do companheiro em um pitlane bastante congestionado. Mas, assim que os carros entraram, apareceu a informação de que o Safety Car entraria naquela volta. E Stroll teria que ficar na pista com os pneus macios usados.

Para Perez, esse momento não poderia ter sido pior: ele foi atrasado por Norris, que segurou o pelotão para que ele não tivesse que ficar esperando muito tempo pela parada do companheiro Sainz, e depois teve uma parada ruim. Caiu de quarto para 14º.

Na relargada, Leclerc, que estava conseguindo andar no top 10 porque tinha antecipado a parada, foi para o ataque, exagerou com um carro desequilibrado, e bateu forte na Parabólica. Com a proteção de pneus destruída, a bandeira vermelha teve que ser acionada. 

Depois de Gasly, era a vez de Stroll ter sorte, já que ele poderia trocar os pneus sob bandeira vermelha. O stop and go de Hamilton tinha sido confirmado, então ele estava fora da disputa pela vitória. Na primeira vez em que a largada normal após uma bandeira vermelha seria usada, Stroll era, de fato, o primeiro, com Gasly em segundo e Sainz (tendo Kimi, bem mais lenta, para superar), efetivamente terceiro. 

Stroll patinou na mesma posição em que Bottas também tinha largado mal e disse que ali não havia aderência. Depois errou a freada na segunda chicane, e caiu para “terceiro” na corrida de fato. Com uma Alfa saindo do caminho para cumprir a punição e outra sendo passada por um a um (inclusive, as ultrapassagens da corrida ficaram restritas às de Hamilton neste final de prova (oito em 14 voltas, depois que a Mercedes “abriu” o carro para ele andar no tráfego, durante a bandeira vermelha) e todas as ultrapassagens que Raikkonen sofreu, de certa forma inevitáveis pela falta de ritmo do carro, mas também facilitadas pela escolha de colocar pneus macios. A melhor escolha ali seria os médios, lembrando que seria uma largada parada, a não ser que você tivesse que arriscar (vide Hamilton na frente e Albon lá atrás, com o assoalho destruído depois de dois toques na primeira curva).

Sainz teve uma briga com Stroll, que tentava se recuperar, e pois isso demorou mais que o normal para passar Raikkonen (quatro voltas). E então foi à caça de Gasly, que tinha um trunfo importante: a AlphaTauri tinha andado tão bem na sexta que se deu ao luxo de colocar mais asa no carro, protegendo os pneus e sendo mais rápida que a McLaren no segundo setor. Então toda vez que Sainz forçava, Gasly respondia no segundo setor e conseguia ficar mais de 1s na frente. O espanhol só conseguiu chegar na última volta, mas não o suficiente para colocar de lado.

No final das contas, a gente chama de corrida maluca quando o imponderável é quem dita as regras. E, em um esporte em que os detalhes são levados tão a sério como na F1, isso é raridade.

Drops do GP da Itália da escapada de Marko à despedida de Claire Williams

Ano passado, um ganhou, e outro terminou fora dos pontos. Que diferença um ano faz! (AP Photo/Luca Bruno, Pool)

Em uma corrida ‘normal’, sem covid, os jornalistas estariam no paddock caçando Helmut Marko, que pararia para falar com duas rodinhas, em alemão e em inglês. E depois Christian Horner faria uma coletiva de imprensa, geralmente 45 minutos depois da bandeirada. Mas Marko foi embora sem falar com ninguém e Horner cancelou a entrevista (não foi o único, vários o fizeram porque a corrida acabou sendo mais longa que o normal devido à bandeira vermelha, mas digamos que foi bem providencial). De qualquer jeito, há várias perguntas a serem feitas em Mugello.

 

O fim de semana de GP da Itália começou com uma notícia que não era esperada tão cedo. Sabia-se que Claire Williams e a família se afastariam da equipe, mas talvez esperariam até o final do ano. A surpresa foi tanta, poucos minutos antes do início das coletivas de imprensa de quinta-feira, que teve jornalista de tablóide inglês participando da entrevista com Russell e Latifi de dentro do carro. Claro que eles se divertiram com a situação.

É uma saída com a cabeça em pé no final das contas. Com tantos erros cometidos nos últimos 20 anos, e que foram jogando a equipe em uma espiral cada vez mais negativa, conseguir primeiro impedir a falência do time após os problemas de liquidez do início de 2020 e ainda por cima levar uma bolada de 156 milhões de libras (contabilizando só o lucro da família em si) explicam por que o ar de Claire era de alívio.

 

Os novos donos têm muito trabalho pela frente. O departamento técnico cometeu alguns erros que beiram o absurdo nos últimos anos, produzindo peças que não se encaixavam. Gastar milhões Paddy Lowe, que nunca foi nem perto de ser unanimidade no paddock, não ajudou em nada, e deixou o time sem dinheiro para investir no setor. Enfim, levou anos para que o time caísse tanto, e a ascensão também deve ser lenta, porque, no momento, o time não tem um corpo técnico em que se apostaria uma virada em 2022.

 

Um ponto legal do final de semana foram os vários “filhos da Williams” que deram seus depoimentos. Entre eles, os dois chefes de equipe mais competentes do grid atual: Andreas Seidl lembrou como Frank ficava na porta da fábrica se despedindo nominalmente de cada funcionário, e como isso fazia a diferença para ele. E Toto Wolff relembrou a história que ele sempre conta de como Frank o recebeu pela primeira vez na equipe com a frase “alguém me disse que você seria o cara que me ajudaria a pagar minha hipoteca”. Na época, lá em 2009, ele era considerado um investidor aventureiro, e Frank foi muito criticado por confiar nele. Na venda, Wolff ainda levou uns milhões para a conta, já que tinha 5% das ações.

 

Sobre Wolff, aliás, estamos em setembro e nada de um anúncio sobre seu futuro. Ele admitiu que pensou mesmo em mudar de cargo, e tudo indica que ele negocia com a Mercedes uma flexibilização que o deixe mais livre para não viajar a todas as corridas. Desde a morte de Niki, ele parece sentir mais o peso de seu amplo papel chefiando a equipe e cuidando dos interesses da marca na F1. Enquanto isso, Hamilton aguarda atentamente o desfecho desta história.

 

Andou bem mais rapidamente a decisão da Renault de usar a equipe da F1 para alavancar sua marca de esportivos Alpine, relançada há três anos. Há quem possa pensar “que diabos é Alpine (pronuncia-se ‘alpeen’?”, mas é justamente por isso que eles tomaram essa decisão, enquanto a montadora Renault segue representada como fornecedora de motores e, obviamente, segue ganhando com a tecnologia desenvolvida na F1 também. E a mudança tem tudo para agradar os fãs de Alonso, já que o azul royal é a cor da Alpine. E, sim, Abiteboul não só continua, como amplia sua zona de influência porque todo o projeto de revitalização da Alpine está nas mãos dele.

 

A Renault tem tudo para também fortalecer sua posição como fornecedora, já que a Sauber negocia contar com seus motores a partir de 2022. O contrato com a Alfa Romeo dura até o final do ano que vem e é esperado já há algum tempo que ele não seja renovado. A novidade é que os italianos estariam negociando com a Haas para assumir a equipe, o que faz todo sentido, uma vez que Gene Haas já tinha decidido que buscaria um comprador ou parceiro e, se assinou o Pacto da Concórdia, é porque tem algo no horizonte. Lembrando que a Haas já tem parceria com a Alfa nos EUA.

 

Mas isso é só para 2022. Para o ano que vem, é bem provável que a Alfa mude os dois pilotos, com uma possível volta de Nico Hulkenberg em uma dupla 100% alemã com Mick Schumacher. Não sei se vocês têm a dimensão de tudo o que o nome Schumacher evoca em Maranello, da emoção estampada no rosto de quem trabalhou com Michael e ainda está na Scuderia (e são muitos, inclusive Binotto). Deu para ver isso no pódio em Monza. Sempre foi claro que Mick não tinha que arrasar na F2 para dar o passo seguinte, e esse crescimento dele na reta final do campeonato (como já tinha acontecido na F3) só facilita a decisão. Ilott é mais consistente? Shwartzman impressionou mais na estreia na F2? Sim, mas a tentação é grande demais.

Falando em Ferrari, custava 40 euros para colocar a cara na arquibancada e, depois de passar a quinta-feira supervisionando o trabalho da equipe na Bélgica, desta vez Vettel estava tirando fotos dos membros da Ferrari, um a um, e para colocá-los na arquibancada. E depois foi à caça de todo mundo por lá. Queria que eles sentassem todos juntos. Após a prova, a entrevista da Ferrari foi outra que acabou sendo cancelada.

GP da Itália: 6 lições da corrida maluca com vitória de Gasly

FIA Pool

O Grande Prêmio da Itália caminhava para mais uma vitória tranquila de Lewis Hamilton, com algumas brigas atrás dele – ou seja, seria mais uma corrida comum da temporada 2020.

Porém, assim como aconteceu no fim do GP da Inglaterra, bastaram detalhes para virar a prova de cabeça para baixo, permitindo a primeira vitória de uma equipe fora do trio Mercedes, Ferrari e Red Bull na era híbrida da Fórmula 1 – ou seja, desde 2014. Pierre Gasly teve sorte e teve ritmo com a AlphaTauri, em prova que deixou algumas lições para a categoria.

Correr “de cara para o vento” é fundamental

“Quando eu vi o ritmo que conseguia adotar pensei ‘queria ter mais corridas assim'”, disse o vencedor Pierre Gasly. De fato, ele não está acostumado a correr “de cara para o vento”, sem nenhum rival à frente, especialmente no meio do pelotão, que tem sido tão competitivo nos últimos anos. O carro de Fórmula 1 depende muito da aerodinâmica e rende melhor quando não há turbulência, algo que já é sentido fortemente se há um carro 5 ou 6s à frente.

Andar na liderança vai ajudando o funcionamento de tudo: os pneus tendem a deslizar menos, as temperaturas ficam mais sob controle, e a vida do piloto é mais tranquila. Não dá para dizer que, correndo “de cara para o vento”, até uma AlphaTauri vira Mercedes, mas definitivamente largar na ponta tem sido muito importante para o domínio do time alemão, como também era para a Red Bull, nessa era de pneus de alta degradação da Pirelli.

Mercedes sofre no meio de outros carros

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Isso tem relação com o primeiro item e não é novidade, mas como o “roteiro” das corridas dos últimos seis anos tem sido ver as Mercedes desaparecerem na frente, ou pelo menos uma delas, isso gera a impressão de que a vantagem deles é maior do que realmente é.

O carro da Mercedes é projetado para comandar as corridas com “a cara para o vento”, principalmente neste fim de semana, em que os pilotos estavam usando configurações com mais asa traseira e estavam mais lentos de reta até que o normal (ainda mais no caso de Bottas, terceiro carro mais lento na classificação).

Foi só o finlandês perder posições na largada que começou até a estranhar como o carro piorou. “Ele disse que estava sentindo algo no carro que não tinha sentido antes, e achamos que era só turbulência, que fez com que o carro perdesse aderência”, explicou Andrew Shovlin, diretor de engenharia da equipe.

Como Hamilton é um piloto mais adaptável e estava lutando contra carros mais lentos no fim na corrida no fim do pelotão, ele conseguiu passar nove carros em 14 voltas, muitas vezes focando mais em ganhar na saída das curvas do que tentando passar na reta. Ou seja, ele teve que improvisar porque o carro não é tão bom assim no tráfego.

Detalhes fazem muita diferença

A sorte de Gasly para vencer não teve a ver somente com ter parado antes do Safety Car ou ter visto Hamilton ser punido: depois que o carro andou sempre dentro do top 10 na sexta-feira, eles optaram por usar um pouco mais asa. Ou seja, aceitaram perder um pouco de velocidade na reta para ganhar em estabilidade no contorno de curva, o que ajuda no segundo setor e, principalmente, a cuidar dos pneus. E esse detalhe foi fundamental nas voltas finais: a McLaren tinha um carro mais rápido no geral, mas primeiro Sainz sofria com a turbulência e, segundo, perdia para Gasly no segundo setor e não conseguia chegar colado o suficiente na reta principal e no grande ponto de ultrapassagem da pista.

A Mercedes também erra

O erro em chamar Lewis Hamilton para os boxes sem perceber que eles estavam fechados foi explicado de maneira curiosa pela equipe. “Cada uma das mensagens que a direção de prova coloca no sistema gera um alerta já automatizado no nosso. Mas nós não temos algo do tipo para este tipo de situação”, explicou Shovlin.

Precisando que alguém visse a mensagem, a equipe demorou demais para perceber o erro, e Hamilton já tinha parado (com parcela de culpa, porque passou por dois painéis luminosos indicando que o pit estava fechado). Como foi um erro que somente eles e a Alfa Romeo cometeram, mostra que, ainda que seja incomum que os pits estejam fechados (isso só aconteceu porque o carro de Magnussen, que causou o Safety Car, estava parado bem na entrada do box), as outras equipes estavam mais bem preparadas para este cenário que a Mercedes.

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Relargada no grid funciona

A opção de fazer relargadas no grid, – ou seja, com os pilotos alinhados da mesma forma que em uma largada normal -, já está nas regras há algumas temporadas, mas essa foi a primeira vez que o diretor de provas Michael Masi usou essa opção. E foi algo que serviu para movimentar a relargada, com os pilotos surpresos pela diferença de largar com muito menos combustível em relação ao que estão acostumados. Foram quase dez trocas de posição apenas na primeira volta após essa relargada, algo muito incomum em um recomeço normal, atrás do Safety Car. Ter passado por essa experiência largando na frente (em terceiro, atrás de Stroll e Hamilton) acabou sendo um dos méritos de Gasly na vitória.

Permitir troca de pneu com bandeira vermelha premia ousadia

Essa regra é polêmica porque sempre há pilotos que vão sair prejudicados por algo que é muito difícil de prever, mas foi uma regra que mudou por questões de segurança, pensando mais em corridas com pista molhada (em que a chance de bandeira vermelha é maior): se a prova é interrompida como aconteceu em Monza, uma vez que a barreira de pneus na Parabólica tinha sido destruída pelo acidente de Charles Leclerc, os pilotos podem trocar de pneu.

Isso acabou premiando Lance Stroll, que não tinha feito sua parada antes da bandeira vermelha. Naquele momento, ele era o grande candidato à vitória, pois era segundo. Mas, na largada, sofreu, assim como Valtteri Bottas no começo da prova, com a falta de aderência da segunda posição do grid, e depois ainda cometeu outro erro logo em seguida. Acabou chegando em terceiro. Sem essa regra que permite a troca de pneu, cairia para último. Há quem acredite que a regra é injusta, mas traz uma pitada a mais de incerteza em casos como este.