Drops do GP do Bahrein: Precisão de Max e Lewis no Maranhão

Parte do carregamento feito por via marítima na F1 (crédito das fotos: Julianne Cerasoli)

Quem diria que o “engarrafamento” do Canal de Suez afetou até a Fórmula 1. Parte do equipamento é transportada por navio, e parte por via aérea. Basicamente, tudo o que é mais barato ter cinco “cópias” (já que são cinco carregamentos diferentes) do que enviar apenas uma por voos fretados pelo mundo, é transportada por via marítima.

O carregamento do Bahrein seguiria para o Azerbaijão, onde a F1 corre em junho. Mas o temor a respeito de quanto tempo vai demorar para que o tráfego seja normalizado já fez a F1 mudar de tática: caminhões já devem, inclusive, ter saído de Londres para levar os equipamentos por terra para o Azerbaijão. São quase 4.000km!

Algo curioso que observei, quando estivemos ao vivo no lugar que normalmente é reservado para os convidados VIP, foi a diferença operacional de Red Bull e Mercedes: no pitwall dos heptacampeões, havia apenas quatro pessoas sentadas. No dos tetracampeões, são sete. Fui perguntar lá na Mercedes se era mesmo novidade, e era: eles já tinham um pitwall menor, uma vez que Toto Wolff não gosta de ficar lá, e os engenheiros de pista de cada piloto trabalham em um outro sistema, de ilhas, dentro da garagem, nas quais todos os engenheiros de cada piloto trabalham um do lado do outro. E, para 2021, como o diretor-técnico James Allison não virá para muitas corridas por estar focado no projeto de 2022, eles tiraram mais uma cadeira. “Não é eficiente ter uma cadeira que não será usada”, ouvi da Mercedes. Aliás, esse tipo de coisa é o que é transportado por via marítima.

Ainda no pitlane, outra cena curiosa: o engenheiro-chefe da Red Bull Paul Monaghan, colocou um cone bem próximo da posição de box da Mercedes, no finalzinho do treino livre. Era o sinal para Max Verstappen saber qual o limite para ele posicionar o carro da melhor maneira possível para entrar na vaga de pitstop, usando todo o espaço disponível. E Max usou cada centímetro: tocou de leve o cone, que deu aquela balançada. Paul olhou o cone balançando, e não caindo, e fez um sinal de “sim” com a cabeça. Era esse tipo de precisão que ele estava esperando de Max. Um pitstop rápido – e os da Red Bull são os melhores – também é feito por um piloto que usa todo o espaço e para nas suas marcas.

No Paddock, quase não reconheci Bob Constanduros, o narrador do pódio há anos na F1. Nem tanto pela máscara estampada e os óculos escuros, mas pela cabeleira comprida, branquinha. Parecia roqueiro setentão. Aliás, com a Inglaterra em lockdown desde o começo do ano, tinha muita gente com o cabelo bem mais comprido que o normal. Mas não citei o Bob para falar de cabelo: é dele a frase “e agora, o champanheee”, durante os pódios. Mas o que fazer depois que a F1 assinou com uma empresa de vinho frisante? Na quinta antes da corrida, ele reconheceu que havia uma pequena crise porque eles ainda não tinham ideia do que seria feito. Acabou virando, “and now, the celebrations”, mas os pilotos estranhamente não quiseram saber e no final não teve estouro de coisa alguma.

Falando em narradores, o GP do Bahrein foi um marco, que quem acompanhou pela F1TV Pro pôde ouvir: duas mulheres estavam comandando os comentários nos treinos livres na Sky na Inglaterra (Natalie Pinkham) e no Pitlane Channel da própria F1 (Rosanna Tennant). Ambas experientes trabalhando na reportagem na F1.

Na TV espanhola, a equipe de produção fez uma versão em alto relevo de sete pistas diferentes do calendário. A ideia é colocar uma venda nos pilotos, que terão dois minutos para tentarem descobrir quais são elas. A repórter Noemi de Miguel ficou sem reação quando o primeiro piloto com quem eles gravaram, Carlos Sainz, acertou todas tão rápido que ele nem precisou dos dois minutos. Eles até pensaram em colocar Jarama, que fizeram como um extra, mas ela não quis fazer uma pegadinha com o piloto. Noemi ficou mais tranquila só quando gravou com Sergio Perez e ele só acertou duas!

Aqui as pistas. Eles têm de adivinhar uma por vez, claro!

Por fim, já começaram os rumores de que a F1 vai voltar ao Bahrein no final do ano, em outubro ou novembro, cobrindo alguma prova que pode não acontecer. Uma etapa na Turquia, inclusive, em junho (provavelmente no lugar do Canadá) é dada como praticamente certa. Aliás, uma das perguntas que mais respondemos desde o teste é “você acha que vai dar para correr no Brasil?” Pelos indicativos que temos no momento (situação atual e velocidade, ou a falta dela, da vacinação), é bastante difícil, mas a F1 vê o Brasil como um mercado importante e vai esperar para tomar uma decisão.

Quem está louco para voltar ao Brasil é Lewis Hamilton. Ele inclusive perguntou se dava para ir agora. Ficou animado com as fotos que viu no Instagram do Max, pelo jeito, já que disse que queria conhecer “aquele lugar com dunas e lagos”. Quem pode recebê-lo?

Tudo sobre as novidades da F2 e da F3 em 2021

Felipe Drugovich é candidato ao título da F2

Dizem que é em tempos de crise que surgem oportunidades de melhorar, e as categorias diretamente abaixo à F1 estão aproveitando a chance dada pelas dificuldades financeiras trazidas pela pandemia. Ao invés de correr juntas, a F2 e a F3 vão ser disputadas em finais de semana distintos, fazendo três provas por etapa, o que aumenta o protagonismo de ambas e ajuda a cortar custos. E, melhor, com orçamentos menores, também diminui a enorme pressão que acabava caindo sobre os pilotos de arrumar patrocinadores, algo que acaba tendo desdobramentos até em quem consegue a superlicença.

Explico: os carros, motores e pneus são iguais para todo mundo na F2 e na F3, mas vemos que há equipes melhores que as outras, pois elas têm orçamento para ter engenheiros melhores, para ter mais peças de reposição, para fazer mais simulações e analisar os dados com mais refinamento. Pode parecer pouco, mas ajuda a compreender o comportamento dos pneus em cada pista e a determinar qual o melhor acerto, e com isso essas equipes com maior capacidade de investir costumam andar na frente. Para ter essa capacidade, elas precisam de um orçamento melhor, que vem delas mesmas e também dos pilotos.

Petecof deu salto da F3 Regional para a F2

Marcas têm mais interesse em associar-se a pilotos bons, e equipes também. Afinal, na F2 e na F3, a habilidade é um diferencial mais importante do que na F1, que é um campeonato de construtores. Porém, há pilotos que desequilibram essa lógica seja por patrocínios pessoais, seja pelo país dos quais vêm. E esses pilotos vão ficar, fatalmente, com essas vagas melhores, vão ter mais chances de conseguir os pontos para obter a superlicença e correr na F1, e não haverá garantia de que os mais talentosos sejam aqueles que vão chegar lá (embora, obviamente, nada impede que um piloto tenha dinheiro e seja talentoso, o que é o combo que todos buscam ter, já que isso aumenta muito suas chances de sucesso).

Caio Collet vai estrear na F3

Então tudo o que for feito para que o investimento necessário para ter um bom desempenho na F3 e na F2 seja menor é positivo para tanto para a própria sobrevivência dessas categorias, quanto para democratizá-las. Sempre lembrando que automobilismo é um esporte caro e é utópico pensar que o dinheiro não fará diferença ou que os pilotos que chegaram na F1 o fizeram somente porque eram talentosos. Uma carreira de sucesso no automobilismo depende de uma série de fatores externos ao piloto. O que é possível fazer é atenuar a influência desses fatores.

Os brasileiros confirmados nas duas categorias mostram bem como é possível traçar caminhos diferentes. Na F2, Felipe Drugovich segue com patrocinadores brasileiros em um caminho independente, agora correndo pela UNI-Virtuosi, na vaga do vice-campeão do ano passado. Depois de sair do programa de jovens da Ferrari, Gianluca Petecof será um estreante que vem direto da F3 Regional, categoria da qual foi campeão, correndo pela Campos, que não está entre as favoritas. O fato de o brasileiro ter conseguido a vaga sem a necessidade de levar patrocínio mostra o nível de confiança que se tem em seu talento. Para continuar evoluindo, no entanto, ele sabe que precisa reconstruir o pacote que tinha no começo de 2020 (antes de perder a Shell como patrocinadora). Guilherme Samaia foi da Campos para a Charouz, depois de também dar um salto grande, da Open para a F2. E, na F3, Caio Collet tem um pacote forte de patrocínios atrelados ao fato de ser empresariado por Nicholas Todt, e a estrutura do programa da Alpine (ou seja, da Renault, que tem no Brasil um mercado imenso). Estreante, Caio vai correr na MP Motorsport, que esteve no meio do pelotão em 2020. 

Como vai funcionar o novo regulamento da F2 e da F3

As medidas de corte de gastos passam pela manutenção dos mesmos carros por pelo menos três anos (sendo que o ciclo da F3 começou em 2019 e pode ser estendido) e os fornecedores concordaram em diminuir o preço de determinadas peças. Mas o grande corte é nos gastos com logística, já que as categorias terão menos etapas, embora não tenham menos corridas. Os cortes são importantes porque todas as equipes, com exceção da Jenzer na F3, disputam os dois campeonatos.

Uma equipe com mais orçamento, como a Prema, teria o limite de 12 pessoas trabalhando na equipe de F2 e outras 11 pessoas no time de F3. Agora, pelo menos o comando da equipe e, possivelmente, os engenheiros, poderão trabalhar em ambos ao mesmo tempo, o que efetivamente aumenta o nível de ambos os campeonatos.

O formato será muito empolgante para todos porque a maneira como o final de semana vai crescendo é completamente diferente. E o lado bom é o fato de as categorias terem sido divididas, porque um cara como eu pode ficar totalmente focado em um campeonato de cada vez. Antes, especialmente às sextas-feiras, era muito corrido. E agora é possível que os engenheiros façam os dois campeonatos, ainda que, para os mecânicos, seja mais difícil porque os carros têm de ser preparados na oficina entre uma corrida e outra. 

Sander Dorsman, chefe da MP Motorsport

Com três corridas no final de semana, em termos esportivos, a mudança básica é que a importância da classificação é diluída. Isso porque ela define o grid de domingo, mas é usada para a primeira inversão do grid de sábado (o pole larga em 12º na F3 e em 10º na F2). E a segunda inversão de grid leva em consideração o resultado da corrida 1. Então, além de ganhar essa mãozinha da inversão em si, se o piloto tiver uma classificação ruim, pode usar essas corridas do sábado para melhorar sua performance ou acerto, porque a corrida que vale mais pontos passa para o domingo.

As próprias nomenclaturas das corridas também mudam. Antes, elas eram conhecidas como feature (a mais longa, do sábado) e sprint (a mais curta, do domingo, com grid invertido). Agora serão corrida 1 e corrida 2 (ambas, mais curtas) e 3 (a principal, no domingo).

O novo formato vai trazer novas oportunidades. Se você não conseguir maximizar a classificação, tem uma pequena oportunidade na primeira corrida e, se não for bem na primeira corrida, tem uma grande oportunidade na corrida 3. É o mesmo para todos, então você não pode reclamar. E ter uma chance a mais vai ser interessante. 

Caio Collet, piloto da MP Motorsport e estreante na F3 em 2021

Na F2

Como era em 2020Como será em 2021
12 eventos, 24 corridas no total8 eventos, 24 corridas no total
Sexta-feira: Treino livre e classificação 

Sábado: Corrida principal, mais longa e com pitstop e uso de dois compostos obrigatórios

Domingo: Corrida sprint com grid invertido (8 primeiros) em relação à corrida de sábado
Sexta-feira: treino livre (45min) e classificação (30min) para definir corrida do domingo

Sábado: Corrida 1 com grid invertido (12 primeiros) da classificação + Corrida 2 com grid invertido (12 primeiros) do resultado da corrida 1. Ambas com duração de 120km ou 45min

Domingo: Corrida 3 (com duração de 1h ou 170km) com pitstop obrigatório e uso dos dois compostos
4 pontos para o pole position

2 pontos para quem fizer a volta mais rápida em cada uma das 2 corridas (contando que se classifique no top 10)

Na corrida do sábado: 25, 18, 15, 12, 10, 8, 6, 4, 2, 1 ponto. 

Na corrida curta: 15, 12, 10, 8, 6, 5, 4, 3, 2, 1 ponto
4 pontos para o pole position

2 pontos para quem fizer a volta mais rápida em cada uma das 3 corridas (contando que se classifique no top 10)

Nas corridas 1 e 2 (sábado): 15, 12, 10, 8, 6, 5, 4, 3, 2, 1 ponto]

Na corrida 3 (domingo): 25, 18, 15, 12, 10, 8, 6, 4, 2, 1 ponto
Pneus disponíveis: 5 jogos de pneus de seco (3 macios e 2 duros) e 3 jogos de pneus de chuvaPneus disponíveis: 6 jogos de pneus de seco (4 macios e 2 duros) e 3 jogos de pneus de chuva

Na F3

Como era em 2020Como será em 2021
9 eventos, 18 corridas no total7 eventos, 21 corridas no total
Sexta-feira: Treino livre e classificação 

Sábado: Corrida 1, de no máximo 40 minutos

Domingo: Corrida 2, de no máximo 40 minutos, com grid invertido (10 primeiros) em relação à corrida de sábado
Sexta-feira: treino livre (45min) e classificação (30min) para definir corrida do domingo

Sábado: Corrida 1 com grid invertido (12 primeiros) da classificação + Corrida 2 com grid invertido (12 primeiros) do resultado da corrida 1. 

Domingo: Corrida 3 Todas as provas têm duração máxima de 40 minutos.
4 pontos para o pole position

2 pontos para quem fizer a volta mais rápida em cada uma das 2 corridas (contando que se classifique no top 10)

Na corrida do sábado: 25, 18, 15, 12, 10, 8, 6, 4, 2, 1 ponto. 

Na corrida curta: 15, 12, 10, 8, 6, 5, 4, 3, 2, 1 ponto
4 pontos para o pole position

2 pontos para quem fizer a volta mais rápida em cada uma das 3 corridas (contando que se classifique no top 10)

Nas corridas 1 e 2 (sábado): 15, 12, 10, 8, 6, 5, 4, 3, 2, 1 ponto

Na corrida 3 (domingo): 25, 18, 15, 12, 10, 8, 6, 4, 2, 1 ponto
Pneus disponíveis: 4 jogos de pneus de seco e 2 jogos de pneus de chuvaPneus disponíveis: 5 jogos de pneus de seco e 2 jogos de pneus de chuva

Dois resultados diretos destas mudanças são o aumento do número de pontos em cada final de semana – de 48 para 65 – o que basicamente garante que os campeonatos chegarão abertos nas últimas etapas, e a alocação de pneus da Pirelli também muda.

Circuitos diferentes

Pista de Austin vai receber a F3 e a W Series

Essa divisão vai fazer com que ambas as categorias visitem pistas novas. A F2 vai estrear, assim como a F1, no circuito de Jeddah, na Arábia Saudita, mas o que mais chama a atenção no calendário da categoria é como as corridas são espaçadas, dando margem para algumas reviravoltas ao longo do ano.

Na Fórmula 3, as provas ficam mais concentradas nos circuitos já conhecidos na Europa, com a adição de Zandvoort, em que muitos pilotos que estão na categoria correram ou testaram. Então a grande novidade fica por conta da corrida marcada para a seletiva pista de Austin, que tem tudo para receber a decisão do campeonato com tantos pontos em jogo.

Lembrando que a F1 terá ainda outra categoria de jovens pilotos como abertura: a W Series fará parte da programação de oito finais de semana, na primeira vez que uma categoria totalmente feminina (com carros equivalentes aos da F3 Regional, um passo abaixo da FIA F3) correrá junto do campeonato principal. 

Calendário F2

26.28.03 Bahrein
20-22.05 Mônaco
04-06.06 Azerbaijão
16-18.07 Grã-Bretanha
10-12.09 Itália
24-26.09 Rússia
03.05.12 Arábia Saudita
10-12.12 Abu Dhabi

Calendário F3

07-09.05 Espanha
25.27.06 França
02-04.07 Áustria
30.07 a 01.08 Hungria
27-29.08 Bélgica
03-05.09 Holanda
22.24.10 EUA (Austin)

O que muda na F1 em 2021: Regulamento Esportivo

O regulamento esportivo da Fórmula 1 é praticamente um organismo vivo: muitas mudanças vêm de aprendizados com coisas que não estavam previstas ou que não estavam tão claras, então é normal que, todo ano, ele tenha algumas novidades. E em 2021 não é diferente.

TUDO SOBRE A F1 2021:

TETO DE GASTOS
REGRAS TÉCNICAS
MUDANÇAS NAS EQUIPES E PILOTOS
QUEM SÃO OS CHEFES DE EQUIPE
CALENDÁRIO 2021

Treinos livres mais curtos

A mudança principal é a diminuição da duração das duas sessões de treinos livres de sexta-feira de 1h30 para 1h. Uma mudança tímida perto da reformulação que foi discutida entre a F1 e as equipes, incluindo excluir totalmente a sexta-feira e fazer uma corrida com os últimos no campeonato saindo na frente para definir o grid, nem que fosse somente em circuitos mais travados. Ideias tidas como heterodoxas demais, mas que devem voltar à pauta eventualmente. Excluir a sexta-feira permitiria à Liberty ampliar o calendário, mas não necessariamente mais rentável, uma vez que os promotores teriam um dia a menos de evento. 

Foi adotado, portanto, um meio termo: a sexta-feira continua, mas com o horário de trabalho das equipes reduzido, o que significa também que o toque de recolher (período em que os membros das equipes não podem estar no paddock) ganha mais uma hora da sexta para o sábado.

Bruna Tomaselli é a representante brasileira na W Series

Mas isso faz alguma diferença prática? Como o número de jogos de pneus disponíveis segue o mesmo, acredita-se que as sessões vão aparentar estar mais movimentadas (basicamente, as equipes estarão fazendo o mesmo trabalho, mas tendo menos tempo para isso). Há menos possibilidade de se recuperar ou testar novas peças, como também para os pilotos reservas que tiverem a chance de fazer algum FP1, por exemplo. Dar menos tempo às equipes costuma ser algo positivo, já que elas coletam menos informações e têm menos controle – não raro, quando você tem uma sexta-feira com frio e um domingo com calor, por exemplo, dá para perceber isso claramente – mas, como sempre, a tendência é que eles se adaptem a isso.

Aproveitando para falar da programação, haverá mudanças nas corridas da base que são disputadas junto com a F1: F2 e F3 vão se alternar, e as oito etapas da W Series (categoria feminina com carros equivalentes à F3 Regional) serão em fins de semana de F1.

Novo limite de horário

A duração máxima de uma corrida passou de quatro para três horas. Isso vale para quando há uma bandeira vermelha, uma vez que o cronômetro para nesta situação. Com o cronômetro correndo (ou seja, sem bandeira vermelha), o limite segue sendo de 2h.

@FIAPool

‘Regra Russell’

Quando a Mercedes colocou os pneus de Valtteri Bottas no carro de George Russell no GP de Sakhir, ficou claro que a regra tinha que ser alterada, pois a previsão era de desclassificação. Os comissários usaram o bom senso, já que obviamente a equipe não teve ou visou qualquer vantagem, e interpretaram o lance da mesma maneira que a regra prevê quando os compostos são diferentes (colocar três macios e um médio, por exemplo). Agora a regra foi uniformizada: a pena para colocar compostos diferentes ou os pneus de outro piloto é de desclassificação caso a equipe não desfizer a troca em até três voltas.

Pneus ‘frios’

Há toda uma regulamentação nova sobre cobertores de pneus, que nem eram citados no procedimento de largada até 2020. Agora, os cobertores terão de ser desligados de qualquer fonte de energia cinco minutos antes da largada. Esse momento de 5 minutos antes da largada é quando os equipamentos dos times começam a ser retirados, então a adição dessa regra indica que algumas equipes (ou mesmo todas) estavam mantendo os cobertores funcionando por meio de alguma bateria portátil ou algo do tipo. Não é algo tão significativo como banir totalmente os cobertores (como foi proposto), mas vimos em provas como Portugal e Turquia, em 2020, como estar com os pneus bem preparados na largada faz diferença.

Regras da pandemia

Outras mudanças no regulamento esportivo apenas ratificam medidas que foram tomadas durante a pandemia, como a definição clara do que configura um evento fechado e evento aberto (sendo que a diferença básica é permitir convidados no paddock). Cada equipe pode ter, no máximo, 90 pessoas, sendo que até 60 podem estar associadas à operação dos carros. 

O mais importante é que a regra de todos os pilotos terem a mesma quantidade de pneus de cada composto continua valendo. Então sempre serão dois jogos de pneus duros, três de médio e oito de macios. A medida foi tomada para a Pirelli poder se preparar melhor para um calendário que pode sofrer alterações de última hora.

Regras anti-cópias

LAT Images

Por fim, houve algumas mudanças em decorrência da discussão gerada pela maneira como a Racing Point projetou seus dutos de freio ano passado. Então agora existe a definição de construtor: aquele que desenha suas próprias peças da lista de componentes definida no artigo 22.3 do regulamento técnico. E o restante das mudanças está, justamente, no regulamento técnico.

Outra mudança é no valor de judicializar o campeonato. Foi definido um valor para os apelos (antes só havia para protestos). O protesto custa 2 mil euros e o apelo a uma decisão da FIA custa 6 mil euros. Nada que vá impedir quem acredita estar certo, mas talvez tivesse evitado a chuva de apelos que acabaram não seguindo adiante justamente no caso da Racing Point.

Vídeo: Como é ser jornalista de F1

Nos dois primeiros Ju Responde do ano eu respondo as dúvidas de vocês sobre como se tornar jornalista de F1, como é nossa vida de verdade no paddock, quem paga a conta e como identificar fontes confiáveis.

SPOILER: Minha Newsletter semanal tem uma espécie de curadoria minha dos melhores artigos da semana. É só assinar no No Paddock da F1 com a Ju

O que muda na F1 2021: pilotos e equipes

@Scuderia Ferrari Press Office

TUDO SOBRE A F1 2021:

TETO DE GASTOS
REGRAS ESPORTIVAS
MUDANÇAS NAS EQUIPES E PILOTOS
QUEM SÃO OS CHEFES DE EQUIPE
CALENDÁRIO 2021

Cinco pilotos estão em times diferentes, três vão estrear e duas equipes terão mudado de nome e identidade e outra de fornecedor de motor quando os carros da Fórmula 1 alinharem para um início também diferente da temporada 2021 no Bahrein, dia 28 de março (por si só, um começo atrasado). Pelo menos não haverá tantas novidades em termos de regras, que verão uma revolução em 2022. 

Tempo suficiente, então, com 23 GPs programados, para se acostumar com Sainz na Ferrari, Ricciardo na McLaren, Vettel na Aston Martin (não é Force India, não é Racing Point!), Alonso na Alpine (não na Renault!), Perez na Red Bull, Ricciardo na McLaren e até o sobrenome Schumacher de volta.

Pilotos que estão de equipe nova na temporada 2021 da F1

Vettel na Aston Martin
Racing Point vira Aston Martin
Alonso na Alpine
Renault vira Alpine
Sainz na Ferrari
Perez na Red Bull
Ricciardo na McLaren
Mick Schumacher
Nikita Mazepin
Yuki Tsunoda

Sebastian Vettel na Aston Martin

Foram duas temporadas dolorosas para Sebastian Vettel ao lado de Charles Leclerc na Ferrari, que aceleram um processo de desgaste que começou com os erros (Alemanha) e destemperos (Baku) do alemão que acenderam o alerta em Marchionne de que Kimi Raikkonen não estava  forçando-o o bastante. 

Some-se a isso um carro que não lhe dava a confiança que marcou sua pilotagem nos anos do tetracampeonato, um sonho de ser campeão pela equipe de Schumacher que acabou com uma ligação antes mesmo de a temporada começar avisando-o que seu contrato com a Scuderia não seria renovado e a temporada passada beirou o desastre para Vettel. 

Mas especialmente ética de trabalho e, é claro, sua imagem, fizeram com que ele tivesse mais uma chance, em um projeto interessante na Aston Martin. Pesa a seu favor ter em Lance Stroll um companheiro muito inconstante, mas o melhor que a equipe pode fazer por ele é dar-lhe um carro equilibrado. Fora das pistas, ele estará em seu ambiente representando uma marca icônica, com direito a participação nas ações da Aston Martin.

Fernando Alonso na Alpine

(Renault)

Depois de dois anos fora da Fórmula 1 cuidando de sua lista de desejos e correndo de tudo um pouco, de Daytona ao Dakar, Alonso está de volta – e, com a pandemia cancelando muitos eventos – acabou tendo tempo de sobra para se preparar e se integrar (de volta) à ex-Renault. Não é de se esperar um novo Alonso, mas tem chamado a atenção a forma como ele está mantendo as expectativas mais baixas desta vez, dando a entender que ainda não está no nível que gostaria. 

Mas não se engane: na pista, Alonso é o piloto mais adaptável de sua geração, tirando consistentemente o máximo possível do equipamento que tem em mãos. Só não venceu mais campeonatos porque não transfere os ‘poderes’ para fora da pista. Melhorou neste sentido? O retorno, já beirando os 40, será interessante justamente por isso. 

Carlos Sainz na Ferrari

Foi uma contratação consciente e decidida: a Ferrari deu o pontapé na dança das cadeiras da F1 ao não renovar com Vettel e logo viu em Sainz seu substituto. A ideia é clara: trazer um piloto cuja ambição é se firmar em um time grande, e não, pelo menos inicialmente, pensar em liderar um time grande. Para isso, afinal, a Ferrari já tem Leclerc, e não se espera (ou se deseja) que Sainz desafie isso. Mas, sim, que force o monegasco a continuar evoluindo e garanta que a Scuderia pontue bem com os dois carros. Um limite tênue.

Sainz é o grande acerto da Ferrari na era pós-Marchione. O espanhol é consistente e especialmente bom em corrida – lembra um jovem Alonso nesse sentido – e aprendeu com o pai os meandros de como se apresentar como um pacote completo para uma equipe. Não surpreende, inclusive, a despedida toda especial que ganhou da McLaren. Porém, ele também sabe que está entrando não só na equipe de Leclerc, como também no time que espera que Mick Schumacher evolua o bastante para poder, um dia, estar de vermelho.

Sergio Perez na Red Bull

(Mark Thompson/Getty Images/Red Bull Content Pool)

Falando em limite tênue, o mesmo ocorre na Red Bull: Sergio Perez foi contratado para ter como meta ser o que Bottas é para Hamilton. O finlandês não deixa o inglês relaxar em classificações, e defende os pontos da equipe enquanto o heptacampeão coleciona números por ser mais consistente. É o sonho de qualquer equipe, e algo de que a Red Bull precisa se quiser lutar por vitórias mais consistentemente, uma vez que, com dois pilotos mais próximos entre si, e especialmente tendo, em Perez, um especialista em cuidar dos pneus Pirelli, abre-se a possibilidade de atacar a Mercedes em duas frentes, e usar os pit stops, sua maior arma contra os alemães nos últimos anos.

Não deixa de ser uma contratação estratégica, também, já que Perez só correu com motores Mercedes na era híbrida, e estava a bordo de uma Mercedes B ano passado. Para ele, já aos 31 anos, é a chance que nunca esperou ter – focou por muito tempo na Ferrari, achando que a Red Bull seria uma porta fechada. Fará de tudo para não ficar só no um ano de contrato.

Daniel Ricciardo na McLaren

Antes de a temporada 2020 começar, a ida de Sainz para a Ferrari parecia um passo para frente. E a transferência de Ricciardo da Renault para a McLaren, um passo para o lado. Que diferença uma temporada não faz! Se a Renault, de fato, evoluiu, a McLaren ligou o turbo. Mesmo tendo enfrentado alguns percalços financeiros ao longo de 2020, é uma equipe de corrida que trabalha muito bem em todos os aspectos, fruto direto da liderança de Andreas Seidl. E, para 2021, eles terão a chance de usar a mesma base conceitual do carro com um motor melhor, ou seja, se o conjunto não começar tão bem, como menos parâmetros mudaram em relação ao que era inicialmente planejado (novo motor + novas regras), é mais fácil encontrar a fonte do problema em teoria.

E a imagem de Ricciardo também melhorou: ao anunciar depois de apenas uma temporada que estava deixando um projeto que investiu tão pesado nele, a impressão não foi das melhores, mas ele definitivamente não pilotou como se estivesse indo para uma rival direta na hora da verdade. É consistente, sabe vencer, sabe, como poucos, ultrapassar. E vai se encaixar como uma luva nesta nova (e mais leve) McLaren.

Estreantes da temporada 2021

Mick Schumacher

(Andy Hone / LAT Images)

Mick ainda estava na F3 europeia quando ouvi de um colega alemão que ‘’não importa o que ele faça, ele vai chegar na F1, só espero que evolua até lá’’. De fato, Mick nunca foi aquele talento de saltar aos olhos, mas sempre se mostrou um trabalhador nato. Existe, e sempre vai existir, algumas dúvidas a respeito da forma como, de uma hora para a outra, ele começou a andar muito melhor na F3 e na F2, mas a parte dele de sempre evoluir e não acreditar que a vaga na F1 viria de mão beijada, ele fez.

Na Haas, já é clara a atenção extra que a parceira Ferrari vai ter com ele, com nomes experientes da Scuderia (Simone Resta e Jock Clear) já tendo sido deslocados para garantir que essa evolução continue (no caso de Clear, foi um papel que se expandiu na verdade, se ser o ‘coach’ de Leclerc para cuidar de outros pilotos da academia ferrarista). Ao mesmo tempo, ele terá como companheiro e grande fonte de comparação um piloto que, no papel, é inferior, mas que está financiando parte considerável do orçamento da equipe. Já dá para apostar que vamos falar muito da Haas nesta temporada, talvez não pelos melhores motivos.

Nikita Mazepin

O tal companheiro de Mick Schumacher é Nikita Mazepin que, em poucos dias, deu seu cartão de visitas à F1. Dentro da pista, na última rodada dupla da F2, escapou por pouco de levar uma suspensão por, insistentemente, jogar rivais para fora da pista. Dias depois, teve um comportamento inaceitável que fez os fãs cobrarem por uma posição mais enérgica até mesmo da FIA, que se calou. Safou-se, como costuma acontecer com os endinheirados, mas muito provavelmente vai ter uma chuva de críticas acompanhada de cada passo que der.

Do lado positivo, ele só tem a melhorar sua imagem, dentro e fora da pista. Safar-se totalmente diante da opinião pública, será mais difícil. Porém, é por conta do dinheiro de seu pai, em última análise, que a F1 segue com 20 carros no grid. Na Haas, digamos que ele não está exatamente correndo por sua vaga e será interessante ver como os demais pilotos vão se comportar com ele dentro e fora das pistas.

Yuki Tsunoda

(Peter Fox/Getty Images/Red Bull Content Pool)

O mais rápido dos estreantes de 2021 ao mesmo tempo em que é o menos experiente, Tsunoda foi passando de ano rapidamente nas categorias de base, tendo uma carreira meteórica na Europa mesmo não tendo corrido por favoritas. Tendo isso em vista, não havia melhor equipe para o japonês começar sua carreira na Fórmula 1 do que a AlphaTauri, time que vem em evolução, mas que ainda não é figurinha fácil nos top 10 e tem de adotar estratégias justamente de azarão para conseguir mais pontos no domingo.

E também é uma equipe acostumada a ajudar pilotos a se desenvolverem – que o diga seu companheiro Gasly, um benchmark e tanto para um piloto que certamente vai cometer erros, mas cuja marca é aprender rápido. De quebra, tendo trabalhado com a Honda por três anos, a AT é a mais japonesa das equipes do grid.

Equipes com nomes novos

Renault vira Alpine

Em teoria, seria só um novo nome, já que a equipe segue controlada pela Renault. Mas na verdade a mudança é só a ponta do iceberg de uma transformação arquitetada pelo novo CEO, Luca De Meo, após a montadora francesa passar por momentos turbulentos.

Essa turbulência não acabou, obviamente, mas a ideia é centralizar toda a divisão de alta performance, dentro e fora das pistas, na sub-marca que passou por um período meio esquecida dentro da montadora francesa. Para a estrutura da equipe em si, não muda muita coisa: desde que comprou sua ex-equipe de volta em 2016, a agora Alpine vem melhorando sua infraestrutura e fortalecendo-se em todas as áreas. Com o teto orçamentário trazendo as equipes mais próximas de seu orçamento e com uma estrutura potencialmente mais simples, os sinais são positivos. Todo o esforço da Renault foi para se preparar para as mudanças que vão acontecer em 2022, então a hora é essa de acertar a mão. 

Racing Point vira Aston Martin 

É a mudança mais esperada de 2021: é fato que Lawrence Stroll já vem deixando suas marcas ao longo das duas últimas temporadas, começando pelo luxuoso motorhome para atrair clientes com bala na agulha (que ele acabou não podendo usar ano passado por conta da pandemia) até dinheiro suficiente para mudar totalmente a filosofia do carro e a construção de uma nova fábrica, que deve ser a mais moderna da F1 quando estiver pronta, no final de 2022.

Sabendo que precisava de um nome forte para atrair investimento, Stroll olhou para o mercado, viu quem estava em dificuldades e tornou-se o acionista majoritário da Aston Martin. Próximo de Toto Wolff desde os tempos de Williams, hoje tem uma aliança inabalável com o dono de um terço da Mercedes, o que lhe garante força política e técnica. A Aston Martin já nasce com pinta de grande, daí a grande curiosidade despertada pelo novo time de Sebastian Vettel.

A temporada 2021 da Fórmula 1 começa com o GP do Bahrein, dia 28 de março, e os testes coletivos de pré-temporada serão no mesmo circuito, de 12 a 14 de março.

F1 2021 será continuação de 2020

@F1/Pool

Estou de volta ao blog já no final de janeiro, então deve ter dado tempo de perceber que as as esperanças renovadas da virada do ano não foram capazes de operar nenhum milagre. Até na F1 foram confirmadas mudanças no ainda ousado calendário de 23 GPs, e as perguntas que seguem incomodando sobre o futuro continuam na mesma direção. Há um ano, questionava-se sobre a demora em fechar o Pacto da Concórdia. Agora, a pergunta é o que fazer com ele. 

Por um lado, 2020 deixou inúmeras lições. A primeira é que, financeiramente, o negócio não é tão estabelecido quanto parecia (algo que tantos setores diferentes perceberam), e as consequências das perdas do ano passado não vão desaparecer tão cedo. Dia desses, vi a chamada para aquelas matérias de “quanto cada equipe levou” de premiação, daqueles sites que só reproduzem tudo o que veem pela frente. Pois, bem, 2020 foi o último ano do Pacto da Concórdia antigo em vigor, então as porções do bolo que cada um levou são conhecidas. O bolo, ou seja, o total que a F1 dividiu, que é diretamente proporcional ao arrecadado, não é.

O que se comentava no paddock ano passado era que a expectativa das equipes era receber 50% a menos em relação a 2020 para a mesma posição no campeonato anterior. E uma segunda temporada afetada pela pandemia indica que os valores não serão os mesmos de antes novamente.

Os prós e contras das corridas substitutas

Isso porque a grande aposta da Liberty como fonte de renda (e motivo para a extensão do calendário) são as taxas milionárias cobradas dos promotores de GP. Sob condições normais e para contratos mais longos, são taxas de no mínimo 20 milhões de dólares e o direito de exploração de ingressos VIPs, pelos quais costuma-se cobrar 5.000 dólares a cabeça. Placas de publicidade, naming rights de GPs também entram na conta do que fica com a F1. Para os promotores locais, normalmente sobram o dinheiro dos ingressos e algumas placas de publicidade que, por sua vez, ajudam a bancar a tal taxa. Ou seja, de certa forma, até isso fica com a Liberty (e, consequentemente, com as equipes).

Isso, em um ano normal, claro. Em 2020, com a maioria das corridas acontecendo sem público (e, pior, sem Paddock Club, no qual se faz dinheiro, também, com ações de marketing específicas), não foi possível cobrar caro pelas provas (em algumas delas, o aluguel da pista acabou fazendo a F1 pagar para correr) e muito da receita foi comprometida. 

Uma boa conta para se ter como referência é a revelada pelo governo em Imola: a corrida de 2021, sem público, vai custar aos cofres públicos 1.2 milhão de euros (menos de 1.5 milhão de dólares). Para a F1, o evento em si será deficitário do ponto de vista do fee, mas pelo menos coloca o campeonato em andamento para que as outras fontes de renda não sequem.

Essa foi uma das lições de 2020: manter o campeonato andando com o mínimo de custo é o melhor caminho até que os fãs (e principalmente, os VIPs) possam voltar. Isso porque as outras grandes fontes de receita (contratos de TVs e publicitários) continuam gerando receita e fazendo a máquina girar. 

Quando se fala “com o mínimo de custo”, isso significa o mais perto possível de onde as equipes estão. Junte tudo isso, troque 2020 por 2021, e você tem a explicação para o início do campeonato deste ano não ter provas diferentes das que foram realizadas em 2020. A F1, ano passado, ou fez essas corridas-desconto, ou fez um GP ‘tá tudo bem’ com público na Rússia, ou foi para os portos seguros do Oriente Médio, em que a prova está intimamente ligada à promoção do turismo. Pelo menos o início deste campeonato se desenha da mesma forma.

O inevitável adiamento dos GPs da Austrália e da China (que muito provavelmente só terá uma data se tivermos cancelamentos em setembro/outubro) podem ser só as primeiras vítimas. A próxima prova que se desenha mais complicada é a do Canadá, a julgar pela proposta dos promotores ano passado, de pagar algo semelhante às europeias sem público, mesmo que seja muito mais caro cruzar o oceano para correr. Tirando a prova de Montreal e como o Azerbaijão está pelo menos tentando dar sinais de confiança (com o promotor Arif Rahimov falando em contar com público, e dá para entender, em meio a este cenário, o porquê) os maiores problemas começariam só em setembro em termos de calendário, quando espera-se que a situação tenha finalmente melhorado em vários países devido à vacinação.

O que vai acontecer daí em diante, com provas que demandam mais investimento, depende muito da possibilidade de contar com público.

Ou seja, 2021 será uma continuação de 2020 no sentido de ser impensável trabalhar com o mesmo tipo de receita de antes, e não foi por acaso que o teto orçamentário foi levado mais a sério, com um limite que só não foi mais baixo devido à queixa da Ferrari em relação às leis trabalhistas italianas, mas que vai apertar ainda mais em 2022, com mudança de regra e tudo.

Pelo menos o fato de as três equipes que estavam em maior dificuldade (Haas, Williams e McLaren) terem encontrado (bem ou mal) investidores já é um alívio, assim como o fato de a Mercedes ter continuado como equipe em um esquema bastante interessante, e da Renault/Alpine demonstrar um comprometimento renovado sob a tutela de De Meo. Não há dúvidas de que a F1 viu suas fraquezas, mas vem conseguindo se reinventar de maneira impressionante.

Mas e esportivamente? Outra continuidade em relação a 2020 será na questão de buscar um caminho para o futuro. É ponto pacífico que a adoção do motor híbrido em 2014 era inevitável, assim como que a tecnologia escolhida era cara, complicada e de aplicação indireta demais para a indústria. Ninguém vê sentido, também, em eletrificar a F1. Mas qual seria o caminho? Qual o prazo? Qual o caminho até esse tal futuro? Por enquanto, o que se ouviu foi cada um defendendo seu interesse, como de costume. Veremos qual o efeito do 2020 – parte 2 – na necessidade de, assim como aconteceu com o teto, priorizar o bem da F1.

Grazie, Ragazzi

O primeiro teste @Ferrari

Fechando as quatro semanas em que vocês tomaram o comando do blog, separei um texto de outro tema recorrente: respeitem o Seb! Os fãs do alemão estão com as esperanças renovadas com o novo desafio do tetracampeão. Mas nada como aprender com o que (não) deu certo na Ferrari para seguir adiante. E esse foi tema da Cibele Bastos, que tem formação em Economia e Gestão Pública, é apaixonada por F1, gaiata e clubista no Avexados Podcast, o único podcast cearense a falar sobre automobilismo. 

Falando em Ceará, imagino que vocês perceberam o que guiou esse Blog Takeover: a diversidade. De quem escreveu ao que foi escrito. Porque pluralidade nas vozes só faz a gente crescer. Vamos ao texto?

Obs: este texto foi escrito sob doses cavalares de paixão alimentada desde 1996, ano em que um certo alemão iniciou sua vitoriosa jornada na equipe mais tradicional do automobilismo mundial, influenciando várias gerações deste esporte e que me fez ficar apaixonada pela equipe do cavalo rampante. Dito isso, sigamos. 

Quando, em meados de outubro de 2014, os rumores da saída de Sebastian Vettel da Red Bull para a Ferrari estavam mais fortes que nunca, os ferraristas certamente pensaram que os anos sem títulos estavam terminando, afinal, já fazia sete anos desde o último mundial, aquele conquistado por Kimi em 2007. 

Seb, como é carinhosamente chamado, nunca escondeu o sonho de trilhar o mesmo caminho do seu ídolo na categoria, Michael Schumacher. Mesmo depois de conquistar seus quatro títulos na equipe austríaca, decidiu ir para a Ferrari, para a alegria daqueles que tinham saudade de escutar a sequência mais famosa dos domingos: o hino alemão seguido do italiano. Multicampeão, jovem, talentoso, fã de Schumacher, o que poderia dar errado?

Tudo.  

O início de um sonho. 

Preciso confessar que a primeira vitória de Vettel pela Ferrari me fez criar mais expectativas que gente apaixonada depois do primeiro encontro. A regência do hino em homenagem ao Schumacher preencheu de esperanças esse coração vermelhinho que já estava fatigado de tanto esperar. 

Tudo bem que o Vettel não fez aquela reformulação da equipe como fizera Michael ao entrar na Ferrari, mas só o fato de ser fã declarado e mostrar a vontade de continuar seu legado, me foi suficiente para alçá-lo à condição de amor eterno.

Era muito bom poder ouvir novamente aquela sequência de hinos e vislumbrar um futuro vitorioso com outro alemão, mesmo que as condições do carro não fossem boas o suficiente para alcançar a Mercedes, que aprendeu o caminho da vitória e parece não mais querer sair de lá. 

Não deu em 2015, 2016 e 2017, mas 2018 parecia que as coisas iriam mudar. O carro era bom, as vitórias foram convincentes e finalmente víamos um campeonato competitivo entre duas equipes. Até que…

Deu tudo errado. 

Hockenheim testemunhou o início do calvário de Vettel. Aquele 22 de julho de 2018 certamente ainda martela na cabeça do alemão. 

Seb vinha de um ótimo final de semana, fez sua quinta pole no ano, estava à frente no campeonato e parecia que desta vez o penta estava mais perto do que longe. Confiante, carro competitivo, estratégia certa, as coisas se encaixavam e fluíam e, a espera por títulos parecia que terminaria, até que tudo escorregou. Literalmente. 

Desde este dia, Seb não foi mais o mesmo. Aqueles pingos de chuva o atingiram com tanta força que não seria exagero comparar seus efeitos com a mola que atingiu o capacete de Massa em 2009 na Hungria. 

Sua confiança foi duramente minada por uma culpa que devia fazer sessões de reprise em sua mente. O “SE”, aquela partícula da língua portuguesa que muitas vezes assume a função de condição, desenhava vários cenários possíveis, talvez alguns que evitariam o erro cometido na Alemanha. Aquele Vettel tetra campeão aos poucos foi transformado em um piloto que alimentaria memes do pião da casa própria. 

É sabido que pessoas reagem de forma diferente às adversidades que a vida impõe. Alguns conseguem extrair forças e sair do estado de torpor mais rápido, outros vivem um processo mais lento e deteriorado. A própria F1 traz exemplos, como Daniil Kvyat que, após ser rebaixado para a Toro Rosso depois da colisão com Vettel (karma is a bitch!), abriu espaço para o jovem Max Verstappen e quase viu sua carreira chegar precocemente ao fim. 

No caso de Vettel, o caminho parecia ficar ainda mais tortuoso, pois dias após o erro na Alemanha, a Ferrari recebia a triste e chocante notícia da morte de Sérgio Marchionne, seu então presidente desde 2016.

GP ABU DHABI F1/2020 – SABATO 12/12/2020 credit: @Scuderia Ferrari Press Office

A morte de Marchionne deixou os ferraristas com saudades das temporadas anteriores, pois sua ausência certamente bagunçou a equipe e suas tomadas de decisões. Com ações nitidamente equivocadas, que podem ser explicadas por uma ausência de gestão direcionada para resultados, a Ferrari viu sua competitividade dissolver-se após cinco dobradinhas seguidas da Mercedes na temporada de 2019 – mas isso daria outro texto. 

Voltando ao calvário de Seb, outro acontecimento deixou o caminho mais difícil do que já estava: a entrada do talentoso Charles Leclerc.

O monegasco chegou à Ferrari fazendo muitos se perguntarem se daria conta do recado, afinal, um piloto tão jovem aguentaria a pressão de entrar na mais tradicional equipe e que amargava um jejum de mais de dez anos sem títulos? Isso foi respondido logo na segunda prova pela equipe, quando fez sua primeira pole, no GP do Bahrein.

Charles mostrou de cara que estava pronto para ganhar e que, na oportunidade que tivesse, faria. O fato de ter um tetra campeão como seu companheiro de equipe parecia não incomodá-lo, tampouco intimidá-lo, tanto que suas primeiras vitórias foram emblemáticas: a primeira, no tradicional circuito de Spa Francorchamps e a icônica vitória em Monza, que deixou qualquer ferrarista louco. 

Confiança minada, companheiro talentoso, ausência de resultados, erros repetitivos, ambiente insalubre, possibilidade de títulos cada vez mais longe, o que mais faltava? Uma demissão humilhante. 

O mundo é bão, Sebastião!

Há um trecho de Pais e Filhos (Ivan Turgueniev) que diz: “para um homem de boa cabeça, não existe fim do mundo”, ou seja, quando estamos bem conosco, mesmo que haja problemas, temos uma maior clareza para sairmos destas situações. Quando a dúvida, a culpa e a descrença em nossas habilidades nos consomem, às vezes é difícil enxergar o caminho de volta. Como retornar à nossa essência?

É obvio que Seb não desaprendeu a pilotar de um dia para o outro, assim como é obvio que um ambiente melhor poderá lhe conferir melhores condições para realizar um trabalho condizente com quem possui quatro títulos na bagagem.

Apesar da incerteza que marcou essa temporada, bem como os resultados nada satisfatórios, além do fracasso retumbante em continuar o legado de Schumacher na Ferrari, Vettel contrariou os fiscais do INSS ao ser contratado pela Aston Martin, equipe que fará parte da categoria a partir do ano que vem.

Muitos cravam que será sua redenção, outros apostam em sua derradeira aposentadoria, apontando que foi um erro a Aston Martin contratá-lo. Porém, como pode ser um erro contratar quem sabe trilhar o caminho da vitória? Isso também daria outro texto. 

Bem, como não é possível prever o futuro e, depois das expectativas criadas e malogradas em sua passagem pela Ferrari, aprendi que o melhor a fazer é esperar e torcer. Torcer para que Vettel consiga reencontrar sua essência e para que tenhamos a volta daquele menino que costumava apelidar seus carros e vibrava como nunca em cada vitória. 

Apesar dos pesares, há um genuíno sentimento de gratidão por sua passagem na Ferrari. Houve momentos muitos felizes e esperançosos nas suas 14 vitórias, mas o que realmente ficou foi a sua faceta mais humana demonstrada em cada gesto de fraqueza, ternura e amor. 

Ademais, como canta Nando Reis, o mundo é bão, Sebastião. O mundo é teu, Sebastião. 

Fórmula 1, Patrimônio Cultural e Direitos Humanos em Baku

Imagino que vocês já tenham visto essas fotos com flores nas cores dos carros em Baku. Elas são colocadas nas sacadas que os fotógrafos usam. Sim, é meio fake (Andy Hone / LAT Images)

Muito interessante essa abordagem de Vinícius José Mira, historiador pesquisador do Patrimônio Cultural de Joinville/SC com várias questões que são, sim, levantadas toda vez que a F1 vai a Baku, e que são silenciadas pelos 60 milhões de dólares que o governo autoritário de lá paga pela prova.

O Circuito Urbano de Baku (Imagem 1), no Azerbaijão, tem produzido boas corridas desde seu ingresso no calendário da Fórmula 1, em 2016. Alguns momentos memoráveis da história recente da categoria se passaram lá, como, por exemplo, “I’m stupid” de Charles Leclerc, em 2019; O suposto “brake-testing” de Lewis Hamilton em Sebatian Vettel, em 2017; e Grosjean batendo durante o Safety Car, no final da prova de 2018. A questão é que, por trás das boas provas realizadas por lá, Baku esconde problemas de ordem cultural e humanitária. Esse texto visa apresentar brevemente alguns deles.

Circuito Urbano de Baku. Fonte: Fórmula 1

O problema de ordem cultural

De autoria do arquiteto Hermann Tilke, o traçado do Circuito Urbano de Baku contempla vários pontos turísticos da cidade, incluindo os modernos arranha-céus do Século XXI e a parte histórica da cidade, que data pelo menos do Século XII. O bem cultural intitulado “Cidade Fortificada de Baku com o Palácio dos Xás de Xirvão e a Torre da Donzela” foi reconhecido pela UNESCO como Patrimônio Mundial em 2000, por denotar evidências da presença cultural zoroastra, sassânida, árabe, persa, shirvani, otomana e russa. Mas, o que isso quer dizer?

A noção de Patrimônio Mundial foi estabelecida pela UNESCO por meio da Convenção para Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, em 1972. Trata-se de uma categoria de reconhecimento de bens de valor excepcional universal cuja preservação é, supostamente, de interesse global. A título de exemplo, o Brasil possui 22 bens reconhecidos como Patrimônio Mundial, dentre eles, o Centro Histórico de Ouro Preto (MG); O Parque Nacional do Iguaçu (PR) e o Sítio Arqueológico Cais do Valongo (RJ). 

No caso de Baku, o bem se localiza exatamente na parte de dentro do circuito, no Setor 2 da pista . É possível observar que a avenida que rodeia a zona tampão do bem (em amarelo na imagem) faz parte do circuito. Além disso, a sequência das curvas 8-11 (onde ocorreu o famigerado episódio do “I’m stupid”, em 2019) passa muito próxima da fortaleza da cidade velha e as barreiras de contenção são, potencialmente, insuficientes para conter danos à estrutura milenar da construção. Ademais, a passagem dos carros de Fórmula 1 a altas velocidades por si só já representa um risco a uma construção do Século XII.

Cidade Fortificada da Baku. Fonte: UNESCO

Curva 8 do Circuito Urbano de Baku. Fonte: Fórmula 1

Cabe destacar que o bem esteve na lista do Patrimônio Mundial em perigo entre 2003 e 2009, em função do desenvolvimento incontrolado da região e de demolições ilegais dentro da zona de proteção da UNESCO. O uso da área para os grandes prêmios de Fórmula 1 representa mais uma ameaça à cidade fortificada de Baku. 

O problema de ordem humanitária

Em busca de mais diversidade e respeito às diferenças, a Fórmula 1 lançou a campanha “We Race as One”. A partir disso, muito se foi falado em relação à realização de Grandes Prêmios em países que não respeitam os direitos humanos. O Azerbaijão seria um desses casos. 

O Partido do Novo Azerbaijão, que está no poder desde 1993 (praticamente desde a fragmentação da União Soviética, em 1991), é acusado de autoritarismo e desrespeito aos direitos humanos por observadores internacionais. Soma-se a isso a utilização de grandes eventos esportivos como campanha publicitária do governo. Além da Fórmula 1, Baku também sediou a final da UEFA Europa League, em 2019; os Jogos Europeus, em 2015; e o Festival Eurovision da Canção, em 2012. 

Nesse sentido, estima-se que a realização da prova de Fórmula 1 custe anualmente 60 milhões de dólares ao governo do Azerbaijão. Em um país com significativos números de desemprego e pobreza, onde a população ganha em média 340 dólares por mês, trata-se de uma extravagância desmedida por um governo autoritário. 

Além disso, as autoridades locais promoveram uma “limpeza urbana” às vésperas do GP do Azerbaijão de 2019, matando inúmeros cães de rua, o que desencadeou críticas de turistas, grupos de direitos dos animais e dos próprios habitantes da cidade. 

Na atual condição, a política de realização do GP do Azerbaijão vai contra a campanha do “We Race as One”.

Uma solução possível?

O objetivo desse texto não foi defender a não realização do Grande Prêmio do Azerbaijão, mas sinalizar que algumas medidas tomadas pelo governo do país são incompatíveis com o atual modus operandi da Fórmula 1. Uma categoria que promove uma campanha como a “We Race as One” deveria se valer da realização de provas nesses países para fomentar mais igualdade e respeito aos direitos humanos. 

We race as one!

Os pontos que deram o 3º lugar para a McLaren

(McLaren)

Uma combinação entre um tema muito bem delimitado e interessante, e uma análise baseada em dados: a  Denise Vilche (@DeniseVilche) abre essa última semana do Blog Takeover mostrando como a McLaren terminou em terceiro mesmo sem ter o terceiro melhor carro em 2020.

O box da McLaren vibrou como se tivesse acabado de vencer o campeonato quando Lando Norris cruzou a linha de chegada em 5º, em Abu Dhabi, com seu companheiro de equipe, Carlos Sainz, logo atrás. O terceiro lugar no Mundial de Construtores é considerado uma vitória para a equipe inglesa e mostra a sua evolução nos últimos anos.

O sucesso da McLaren começou com a reestruturação que trouxe Andreas Seidl para o comando do time. Sob a liderança descontraída de Zak Brown, a equipe se desfez das amarras do passado e criou um ambiente mais prazeroso de se trabalhar. Juntou-se a eles uma dupla de pilotos entrosada, cuja amizade passou das pistas para a vida real. Assim foi formada a receita do sucesso.

Há quem acredite que o terceiro lugar da equipe não é merecido, já que a Racing Point foi punida e perdeu preciosos 15 pontos na tabela, que selaram o desfecho do campeonato. Contudo, o segredo do terceiro lugar da McLaren não reside nos quinze pontos perdidos pela rival, mas sim em um conjunto de fatores.

Mudança de direção

Até 2009, a equipe era regida por Ron Dennis. Conhecido por ser linha dura, os últimos anos de seu mandato foram marcados por escândalos de espionagem e a conturbada relação de Fernando Alonso com o time. O substituto de Dennis seria Martin Whitmarsh, que comandou o time de Woking entre 2009 e 2013. Apesar de sempre figurar entre as três primeiras no começo de sua gestão, logo os resultados começaram a piorar e ele foi substituído por Éric Boullier, que liderou a equipe nos anos em que a Honda foi a fornecedora de motores. Os resultados foram de mal a pior, com a equipe amargando a penúltima posição no campeonato em 2015 e 2017. Para complicar a situação, foi divulgado que os funcionários que batiam a meta dentro do prazo, mesmo trabalhando dia e noite para isso, ganhavam um chocolate que custava centavos como bônus de agradecimento. A insatisfação dos componentes da equipe se refletia no mau desempenho da equipe na pista.

Com a volta dos motores Renault, a McLaren passou por uma mudança de gestão, com Zak Brown entrando para comandar a equipe. Com seu jeito descontraído e sua paixão por automobilismo, Brown, junto com o brasileiro Gil de Ferran, transformou a McLaren ao trazer o alemão Andreas Seidl para ser o chefe de equipe em 2019. Juntos, eles mudaram o astral dentro da garagem e os resultados começaram a surgir, com a McLaren conquistando o quarto lugar no campeonato de Construtores em 2019, com direito a um pódio de Sainz, no GP do Brasil. 

Carlando

Junto com a mudança no gerenciamento da equipe, vieram dois novos pilotos, Carlos Sainz e Lando Norris. A dupla, apelidada pelos fãs de Carlando, mostrou logo de cara uma afinidade incomum para a categoria. Amigos também fora das pistas, Carlos foi uma espécie de irmão mais velho para o caçula entre os pilotos, Lando, que fez sua estreia na F1 em 2019 aos 19 anos. Sem rivalidade, os dois pilotos se uniram para tirar proveito dos dados um do outro. Essa colaboração entre os dois, dentro e fora das pistas, ajudou a equipe a crescer. 

E o bom relacionamento dos pilotos com o time também ajudou a criar um clima mais familiar. Não é raro ver Lando ajudando os mecânicos e desmontar o carro após as corridas e quanto ao chocolate de agradecimento, neste ano veio estilizado em formato do troféu da Áustria, acompanhado de um cartão de agradecimento, oferecido por Lando Norris. No ano anterior, os dois pilotos já tinham presenteado todos os funcionários da McLaren com uma garrafa personalizada com o logo do piloto inglês junto ao nome de todos os funcionários e um chaveiro com o número do carro do espanhol.

Last Lap Lando

Logo na primeira corrida, na Áustria, Lando Norris estava em quarto na corrida e precisava diminuir os cinco segundos de diferença para Hamilton, punido com o acréscimo desse tempo. Bater uma Mercedes parecia impossível, mas nesse momento nascia a lenda do Last Lap Lando, já que o piloto inglês fez uma última volta voadora e chegou a 4,8s do contemporâneo, conseguindo assim seu primeiro pódio na F1 e ainda de quebra, a volta mais rápida, somando 4 pontos além do esperado. A McLaren ainda lucraria com o 5° lugar de Sainz. O resultado conjunto lhe rendeu 26 pontos logo de cara, ficando apenas atrás da Mercedes na tabela. A equipe apenas perdeu a segunda posição no campeonato na terceira corrida, quando foi ultrapassada pela Red Bull.

Em comparação com a Racing Point, a McLaren começou a temporada de 2020 com desempenho melhor, ajudada ainda por mais uma volta mais rápida, cortesia de Carlos Sainz na Estíria. Nessa corrida também entrou em ação o Last Lap Lando, que saiu do 8° para o 5° lugar ao ultrapassar Ricciardo e os dois pilotos da Racing Point nas duas últimas voltas. Em uma temporada acirrada para o pelotão intermediário, cada ponto pode fazer a diferença no final. 

Analisando os dados das primeiras quatro corridas da temporada, antes do anúncio da punição da Racing Point, a McLaren tinha 51 pontos no campeonato, contra 42 da Racing Point. Uma diferença de nove pontos que se mostraria importante no final da temporada.

CORRIDAMCLARENRACING POINT
Áustria268
Estíria1314
Hungria218
Grã-Bretanha102
Total de pontos5142

Total de pontos obtidos pelas duas equipes nas quatro primeiras corridas do campeonato.

Carreras son carreras

Como já dizia o pentacampeão Juan Manuel Fangio, “carreras son carreras”. E nesse quesito, a McLaren conseguiu se desenvolver um pouco melhor do que a Racing Point, principalmente se levarmos em conta o ano de 2019. 

Comparando todas as corridas em que os pilotos das duas equipes cruzaram a linha de chegada, a McLaren foi a que teve o melhor aproveitamento, levando em consideração chegar ao final da corrida em posição igual ou superior ao da largada. Das 17 corridas em que Sainz cruzou a linha de chegada em 2019, ele terminou a corrida em posição igual ou superior ao da largada em 12 delas, com uma média de 70,58% de aproveitamento. Em 2020, Sainz continuou com um bom ritmo e das 14 vezes que viu a bandeirada, em 11 delas ele foi igual ou melhor que sua posição inicial, com 78,57% de média, mostrando uma leve melhora em relação ao ano anterior.

Mas a maior evolução viria do carro número 4. Fazendo sua temporada de estreia, Lando Norris pecou pela  inconsistência. Depois de 6 abandonos, o inglês só viu a bandeirada em 15 das corridas disputadas, terminando apenas 6 delas em posição igual ou superior ao da largada, uma média de 40%. 

Nas férias de inverno, Lando passou a trabalhar com seus engenheiros para corrigir seus erros. As horas de estudo deram certo. Das 16 corridas completadas em 2020, o inglês aumentou essa média para 68,75%, conseguindo igualar ou melhorar sua posição final em 11 corridas, mostrando toda a evolução do piloto inglês. 

Já em termos de pontos, Sainz passou de 96 pontos em 2019, para 105 em 2020. Já Norris passou de 49 para 97, quase o dobro de pontos de um ano para o outro. 

PILOTOCORRIDAS TERMINADAS(2019/2020)CHEGADA = OU SUPERIOR(2019/2020)PORCENTAGEM (2019/2020)  PONTOS(2019/2020)
Carlos Sainz17 / 1412 / 1170,58 / 78,5796 / 105
Lando Norris15 / 166 / 1140 / 68,7549 / 97
Sergio Pérez19 / 1316 / 984,21 / 69,2352 / 125
Lance Stroll18 / 1115 / 783,33 / 63,6321 / 75

Comparação entre o rendimento dos pilotos ao terminar a corrida em posição igual ou superior ao da largada, levando em consideração apenas corridas completadas.

Já os pilotos da Racing Point tiveram uma leve piora em relação a 2019, com a média caindo devido ao baixo número de corridas terminadas, apesar de terem mais do que dobrado o número de pontos em relação ao ano passado.

Em termos de corridas sem pontuar, as duas equipes se equiparam. Enquanto a RP teve oito abandonos durante a temporada de 2020, a equipe papaya teve apenas quatro. Em 17 corridas, os pilotos da McLaren só ficaram de fora da zona de pontuação em cinco corridas, nove se somados os abandonos. Já na Racing Point, que também foi prejudicada quando seus dois pilotos contraíram o vírus do Covid, só ficou uma vez de fora dos pontos, mas somando os oito abandonos, também se iguala com nove. 

A maior diferença está na posição final de seus pilotos. Apesar da Racing Point ter uma vitória, a McLaren conseguiu mais 5°lugares.

POSIÇÃOMCLARENRACING POINT
01
11
12
34
72
44
24
21
33
10°23

Número de vezes em que os pilotos das duas equipes terminaram a corrida entre os 10 primeiros. 

Com as duas equipes equiparadas, o final da temporada de 2020 seria decisivo.

Recuperação da Racing Point

Já punida com a perda de 15 pontos, a Racing Point começou a ter resultados melhores, inclusive com um pódio de Stroll na Itália. Do outro lado, na garagem laranja, o rendimento começou a cair com as atualizações feitas no carro. Em um raro bom momento no GP da Itália, Carlos conseguiu o segundo pódio da equipe na temporada e por muito pouco, não saiu de Monza com a vitória, com Lando chegando em 4°. 

O baixo desempenho da McLaren foi a oportunidade perfeita para a Racing Point, que foi mais constante nos pontos, se recuperar e encerrar essa segunda fase igualada na tabela, ambas indo para a Turquia com 134 pontos. Naquele momento, quem se recuperou melhor foi a Renault, que superou as duas e assumiu o terceiro lugar no campeonato, com apenas um ponto de vantagem.

CORRIDAMCLARENRACING POINT
70 Anos214
Espanha922
Bélgica63
Itália3016
Toscana810
Rússia012
Eifel1016
Portugal86
Emilia Romagna108
Total de pontos83107

Total de pontos obtidos pelas duas equipes nas nove corridas do meio do campeonato.

(McLaren)

Smooth Operation

Empatadas, as últimas quatro corridas da temporada seriam o momento da decisão. No GP da Turquia, o bom ritmo de corrida mostrado pelos pilotos da McLaren também renderam bons resultados, um deles até inesperado. Enquanto Sainz estava tranquilo no 5° lugar, Lando voltou em 11º, após fazer sua parada. Vinte e cinco segundos atrás de Ricciardo, chegar na zona de pontuação parecia impossível, ainda mais com a maioria dos pilotos reclamando do desgaste dos pneus na recém asfaltada pista turca. Mas o dono do carro número 4 não só conseguiu tirar toda essa diferença, mas também tirou os 15 segundos que o separaram de Stroll, terminando a corrida em 8º e levando mais uma vez a volta mais rápida da corrida. Só nessa corrida foram cinco pontos a mais que pareciam perdidos. Apesar do bom resultado, a Racing Point se saiu melhor, conseguindo o 2° lugar com Pérez, superando o time laranja e assumindo o terceiro lugar entre os construtores.

A McLaren se recuperou no Bahrein e marcou 22 pontos contra nenhum da RP, que sofreu com o abandono de seus dois pilotos. No Sakhir, foi a vez da Racing Point dar o troco e conseguir dois pódios, com o 3° lugar de Stroll e a vitória de Pérez, retomando a posição perdida na corrida anterior e abrindo dez pontos de vantagem, faltando apenas uma corrida para o fim. 

E foi a consistência da McLaren que deu à equipe o tão festejado terceiro lugar no campeonato. Depois de uma classificação forte, que viu Norris conseguir a 4ª posição no grid após ficar muito perto do tempo da pole, a equipe papaya viu sua rival largar com Pérez do 20° lugar, depois de uma punição por troca de motor. O mexicano ainda abandonaria a prova, deixando a RP apenas com Stroll para barrar a McLaren. Depois de largar em 8º, Stroll precisava acumular o maior número de pontos para manter o terceiro lugar para sua equipe. Sem ritmo, o piloto canadense acabou perdendo a posição para Gasly e Ocon no final da corrida e em 10°, marcaria apenas um ponto.

Já o time papaya mostrou um bom ritmo durante a corrida e sem ser ameaçado, terminou a corrida em 5° e 6°, somando 18 pontos e selando o terceiro lugar no campeonato a favor da McLaren. 

CORRIDAMCLARENRACING POINT
Turquia1520
Bahrein220
Sakhir1340
Abu Dhabi181
Total de pontos6861

Total de pontos obtidos pelas duas equipes nas quatro últimas corridas do campeonato.

Resultado final: McLaren 202, Racing Point 195

Com um carro inspirado na vencedora Mercedes, a Racing Point tinha tudo para conseguir bons resultados. Mesmo punida e perdendo seus pilotos principais por algumas corridas, a equipe conseguiu se recuperar a ponto de se colocar novamente na disputa. Mas toda a evolução da McLaren nesses dois anos, começando por sua mudança de mentalidade e passando pela evolução de seus pilotos, renderam à equipe de Woking, a consistência necessária para alcançar o posto de terceira melhor equipe no campeonato.

Hora de dar uma chance para a F2

(Joe Portlock / LAT Images)

Ler esse texto carregado de dados tão bem compilados e ilustrados pela Victoria Ferraz me levou de volta ao início deste blog. Como eu nunca tinha pisado em um paddock na vida, julgava que não cabia a mim analisar conjunturas, já que me faltavam informações para ter uma base sólida para fazer isso. Então eu focava em números para ter algo objetivo como ponto de partida. Mas eu nunca fiz um gráfico interativo tão detalhado como este!

A Fórmula 2 é a principal categoria de base da Fórmula 1 e teve em 2020 a temporada mais disputada de sua nova era. Em 2017, a categoria mudou seu nome de GP2, como era conhecida antes, para Fórmula 2 (F2). E em 2018, teve a atualização de seus carros para o modelo atual, Dallara F2 2018. Já nesse ano de 2020, foram apresentados os novos modelos de pneus de 18 polegadas, que também ajudariam a Pirelli a estudar melhor os novos pneus da F1 para 2021.

Portanto, a F2 é considerada o grande teste para os pilotos que querem chegar à Fórmula 1. Atualmente, é praticamente obrigatório que os pilotos passem por essa categoria. Inclusive, porque as corridas acontecem nas mesmas pistas e nos mesmos finais de semana dos GPs da F1. Fazendo com que essa seja a grande “vitrine” para que os pilotos possam ser vistos pelas equipes da F1 com mais facilidade.

Diversas equipes de Fórmula 1 tem programas de jovens pilotos e equipes juniores, para correrem nas categorias de base e se desenvolverem para tentar chegar à F1. Como por exemplo, a Ferrari Driver Academy (FDA) e o Red Bull Junior Team. Eles não possuem equipes especificamente na F2, mas normalmente se associam a certas equipes da categoria, para que seus pilotos tenham certa prioridade. 

Desde que se tornou Fórmula 2 em 2017, a categoria teve algumas boas disputas e formou alguns dos ótimos jovens pilotos que temos na F1 hoje em dia. Como Charles Leclerc, campeão de 2017 e atualmente um dos principais pilotos da categoria na Ferrari. E George Russell, campeão em 2018 e atualmente principal piloto da Williams, considerado a grande promessa (praticamente realidade) da Mercedes. Assim como não podemos esquecer de Lando Norris e Alex Albon, que foram respectivamente segundo e terceiro colocados também em 2018, e estão em grandes equipes. O único campeão recente a não ser promovido para a F1, foi Nyck De Vries em 2019, que é piloto da academia Mercedes e atualmente corre pela equipe na Fórmula E. Dessa forma, é possível notar a enorme importância que a categoria tem em formar os pilotos das novas gerações.

Resumidamente, a F2 tem um formato bem simples de disputa. Na sexta-feira são feitos o treino livre único e o treino de classificação, com a pole position valendo 4 pontos. No sábado, temos a Feature Race, que é a corrida principal, sendo ela a mais longa e com a pontuação seguindo os moldes da F1, onde os 10 primeiros pontuam (25, 18, 15, 12, 10, 8, 6, 4, 2, 1). E no domingo, é realizada a Sprint Race, uma corrida mais curta, sem pit stop obrigatório, onde o grid de largada é definido pela classificação da Feature Race (do 1º ao 8º invertem-se as posições e do 9º em diante mantem-se o mesmo) e com pontuação apenas para os 8 primeiros (15, 12, 10, 8, 6, 4, 2, 1). Além disso, em ambas as corridas, os pilotos que fizerem a melhor volta e terminarem entre os 10 primeiros, recebem 2 pontos extras.

A temporada 2020 pode ser considerada a melhor e mais competitiva da nova era da categoria, contando com 24 corridas nos 12 rounds em 8 países diferentes, 11 equipes e 26 pilotos inscritos no total. E para demonstrar isso, desenvolvi uma visualização com uma série de gráficos interativos.

Gráfico

Descrição gerada automaticamente

Relação de Equipes e Pilotos:

ART Grand Prix – Marcus Armstrong e Christian Lundgaard

BWT HWA Racelab – Artem Markelov, Giuliano Alesi (até o round 9), Jake Hughes (apenas para o round 10) e Theo Pourchaire (para os rounds 11 e 12)

Campos Racing – Guilherme Samaia, Jack Aitken (até o round 11) e Ralph Boschung (apenas para o round 12)

Carlin Motorsport – Yuki Tsunoda e Jehan Daruvala

Charouz Racing System – Louis Deletraz e Pedro Piquet

DAMS – Dan Ticktum, Sean Galael (para os rounds 1 a 6 e 11 a 12)

Hitech Grand Prix – Luca Ghiotto e Nikita Mazepin

MP Motorsport – Felipe Drugovich, Nobuharu Matsushita (até o round 9) e Giuliano Alesi (para os rounds 10, 11 e 12)

Prema Racing – Mick Schumacher e Robert Shwartzman

Trident Racing – Roy Nissany e Marino Sato

Uni-Virtuosi Racing – Callum Ilott e Guanyu Zhou

Mick Schumacher consagrou-se campeão apenas na última corrida da temporada. Após termos 3 líderes diferentes durante o campeonato, 12 vencedores diferentes de corridas, com 16 pilotos diferentes subindo ao pódio. Além disso, tivemos diversas mudanças nos 10 primeiros colocados durante o campeonato, com destaque para o top 5, que teve pilotos de 4 equipes diferentes.

Classificação Final de Pilotos: 

1Mick SchumacherAlemanha215
2Callum IlottReino Unido201
3Yuki TsunodaJapão200
4Robert ShwartzmanRússia177
5Nikita MazepinRússia164
6Guanyu ZhouChina151.5
7Christian LundgaardDinamarca149
8Louis DeletrazSuíça134
9Felipe DrugovichBrasil121
10Luca GhiottoItália106
11Dan TicktumReino Unido96.5
12Jehan DaruvalaÍndia72
13Marcus ArmstrongNova Zelândia52
14Jack AitkenReino Unido48
15Nobuharu MatsushitaJapão42
16Juri VipsEstônia16
17Giuliano AlesiFrança12
18Artem MarkelovRússia5
19Roy NissanyIsrael5
20Pedro PiquetBrasil3
21Sean GelaelIndonésia3
22Marino SatoJapão1
23Jake HughesReino Unido0
24Guilherme SamaiaBrasil0
25Ralph BoschungSuíça0
26Theo PourchaireFrança0

Fonte: fiaformula2.com

Um dos principais destaques deste ano, foram os “rookies” (estreantes), que ganharam diversas corridas e foram melhores do que muitos veteranos. Os que mais se destacaram foram Yuki Tsunoda com 3 vitórias e 7 pódios, Christian Lundgaard com 2 vitórias e 6 pódios, Robert Shwartzman com 4 vitórias e 6 pódios, e Felipe Drugovich com 3 vitórias e 4 pódios.

A disputa de equipes teve grande vantagem da Prema, com a Uni-Virtuosi em 2º e Carlin em 3º. O midfield foi bem disputado entre 5 equipes, com destaque para o desempenho da MP, uma equipe mediana, que teve um excelente ano.

Classificação Final de Equipes:

1PremaItália392
2Uni-VirtuosiReino Unido352.5
3CarlinReino Unido272
4HitechReino Unido269
5ARTFrança201
6MP Holanda167
7CharouzRepública Checa137
8DAMSFrança115.5
9CamposEspanha48
10HWAAlemanha13
11TridentItália6

Fonte: fiaformula2.com

Uma análise interessante, é a do desempenho dos pilotos em relação às suas posições finais, considerando apenas as corridas em que eles cruzaram a linha de chegada. Em média, os melhores são: 

Mick Schumacher – 5.48

Callum Ilott – 6.05

Robert Shwartzman – 6.55

Nikita Mazepin – 6.83

Guanyu Zhou – 6.91

Porém, para realizar uma análise mais especifica, podemos levar em consideração as 2 corridas de cada round de forma separada. Por exemplo, nas Feature Races, os maiores pontuadores em média foram: 

Yuki Tsunoda – 14.64

Callum Ilott – 14.36

Mick Schumacher – 12.73

Nikita Mazepin – 10.73

Robert Shwartzman – 10.64

Já nas Sprint Races, os maiores pontuadores em média foram: 

Mick Schumacher – 6.82

Christian Lundgaard – 6.55

Louis Deletraz – 6.36

Robert Shwartzman – 5.45

Guanyu Zhou – 4.95

Com isso, podemos notar o quanto é importante que os pilotos tenham consistência em ambas as corridas, para que possam se manter no topo do campeonato.

Se analisarmos os 2 pilotos que disputaram o campeonato até o final, Mick Schumacher e Callum Ilott, podemos perceber o quão consistentes ambos foram durante a temporada. Com a diferença que Schumacher não começou bem, mas foi melhorando a cada corrida, deixando de pontuar em apenas 3 ocasiões, com 2 vitórias e 10 pódios. Enquanto Ilott nunca ficou fora do top 2 durante toda a temporada e conseguiu 3 vitórias e 6 pódios. No final, o desenvolvimento contínuo e a regularidade de Schumacher fizeram com que ele fosse o grande campeão.

Existem diversas outras análises que podem ser feitas para demonstrar o quão disputada foi essa temporada 2020 da Fórmula 2. Contudo, acredito que esse pouco seja suficiente para mostrar que essa categoria tem tudo para nos proporcionar um entretenimento enorme, às vezes ainda mais divertido do que a Fórmula 1, com as suas loucuras e sua imprevisibilidade.

Por fim, gostaria de lembrar que Mick Schumacher (Haas), Yuki Tsunoda (AlphaTauri) e Nikita Mazepin (Haas) farão parte do grid da Fórmula 1 em 2021, mostrando o quão importante essa categoria é para o desenvolvimento dos pilotos e abrindo ainda mais espaço para novos rostos na Fórmula 2.

Espero que mais pessoas possam acompanhar a próxima temporada da F2, pois 2021 tem tudo para ser ainda melhor que 2020. Ainda mais, porque teremos um brasileiro, Felipe Drugovich, correndo por uma das melhores equipes, Uni-Virtuosi Racing.

Amor e ódio entre a F1 e os pilotos pagantes

(Racing Point)

Do alto dos seus 17 aninhos, João Pedro Lima traz para a gente um texto que transborda informação sobre um tema que, não por acaso, volta e meia volta à tona. E por que isso acontece? Porque equipe nenhuma vai dispensar uns milhõezinhos de dólares. E isso não é necessariamente ruim para o esporte.

Nesses 70 anos da F1, o dinheiro por meio de patrocínios, por vendas de produtos e pelo promotores de corridas sempre fez parte da Fórmula 1. Mas um dos principais meios de manter a categoria e principalmente as equipes, são os famosos e polêmicos “pay drivers”. Nos anos 90, era praticamente normal um piloto qualquer de turismo e de família rica pagar cerca de 300 mil euros em uma vaga em uma Simtek ou na Andrea Moda da vida e fazia um GP qualquer e às vezes nem se classificava para a corrida.

Nos anos 2000, a FIA viu essa situação insustentável e começou a mudar regras da superlicença da F1, onde só pilotos com superlicença poderiam correr na F1, mas isso não acabou com os nossos adoráveis pilotos pagantes. Tivemos casos de Rio Haryanto, Sergey Sirotkin e principalmente Lance Stroll, seu pai, Lawrence Stroll, que comprou a vaga na Williams para seu filho e que depois comprou a Force India após grave crise financeira. Rio e Sergey não tiveram sorte e não mostraram talento, onde Haryanto não marcou pontos e Sirotkin, apenas 1.

Lance Stroll se destaca mais, no seu primeiro ano, em 2017, teve um pódio e boas atuações na chuva, com um 2° lugar na qualificação para o GP da Itália, terminou em 12° no campeonato e apenas 3 pontos atrás do experiente Felipe Massa, 2018 não foi um bom ano, nem técnico e nem pela equipe, marcou 6 pontos e foi 18° no campeonato, 2019 veio e também com mudança de equipe, com seu pai comprando a Force India e rebatizando de Racing Point, Lance foi para uma equipe com mais futuro que a Williams. A temporada não foi boa, triturado por Pérez, Stroll fez 21 pontos enquanto Pérez fez 52. Mas em 2020 a mudança veio, dois pódios, 75 pontos e em 11° no campeonato e uma pole no GP da Turquia, em 2021 promete mais, com a mudança de nome para Aston Martin e tendo o tetracampeão Sebastian Vettel como companheiro de equipe.

  Mas ser piloto pagante significa piloto ruim ou fraco? E eu respondo que não. Outros exemplos no atual grid é de Sérgio Pérez, o piloto mexicano é patrocinado pela Telcel do México e com esse patrocínio fica até hoje na F1, mas o melhor exemplo de piloto pagante é de Michael Schumacher.

Schumacher era piloto de carros de protótipo da Mercedes e teve uma oportunidade na Jordan, logo depois de Bertrand Gachot (piloto da Jordan) ser preso em Londres, a Mercedes pagou 150 mil euros para a Jordan e Schumacher fez sua estreia no GP da Bélgica de 1991 e conseguindo um ótimo 7° lugar, mas sua Jordan deu problema no início da corrida e teve que abandonar, logo depois desse bom fim de semana, Flavio Briatore, da Benetton, contratou Michael para sua equipe e no mesmo GP da Bélgica, só que agora em 1992, Schumacher vencia seu primeiro GP e terminava à frente de Aryton Senna no campeonato. Em 1994, Schumacher se tornaria campeão do mundo pela Benetton e em 1995 o bicampeonato, em 1996, Michael se mudou para Ferrari e de 2000 á 2004 construiu uma hegemonia, com 5 títulos de pilotos e 5 de construtores para a Ferrari.

  Outro bom caso de piloto pagante é o tricampeão Niki Lauda, onde essa história é contada no filme “Rush: No Limite da Emoção”. Niki tentou apoio de seu pai, mas foi negado e foi buscar um empréstimo de 2 milhões de francos austríacos para ter uma vaga na March só por uma corrida em 1971 e só no próximo ano fez uma temporada completa, se mudou para a BRM em 1973 e em 1974 foi para a Ferrari onde conseguiu suas primeiras vitórias e dois de seus títulos (1975 e 1977), foi para a Brabham em 1978 e ficou até 1979, com apena uma vitória nesses dois anos e tirando dois anos sabáticos (1980-81) e voltando em 1982 para a McLaren e conquistando 8 vitórias e sendo campeão em 1984 com 0,5 ponto de diferença para seu companheiro Alain Prost.

Niki se aposentou na temporada seguinte do seu tri, voltou para a Fórmula 1 ser consultor técnico na Ferrari nos anos 90, em 2001 foi contratado pela Jaguar como diretor técnico e demitido em 2003, e em setembro de 2012, Lauda foi nomeado presidente não executivo da Mercedes e foi crucial para trazer Lewis Hamilton para a equipe alemã e construir uma dinastia que começou em 2014 e até hoje não acabou, mesmo depois da sua morte, em maio de 2019, a Mercedes continuou dominante em 2019 e 2020 e promete seguir a maior hegemonia da história da Fórmula 1 em 2021.

Pilotos pagantes são importantes para a categoria, para manter as equipes vivas e quem sabe, ter um novo Michael Schumacher ou um novo Niki Lauda. Alguns pilotos tiveram apoio dos pais, outros tiveram uma Ferrari, Mercedes, Red Bull, McLaren ou uma Renault financiando suas carreiras e outros com apoio do governo ou de empresas privadas. Ser pagante ou não, não define a habilidade do piloto, mas às vezes causa injustiças e cria facilidades para esses pilotos com aporte financeiro.

Sergio Perez na vila da Red Bull

Isso, isso, isso

Seguindo no mesmo tema, este texto do Carlos Lemes Jr., de Itatiba/SP, colocou um sorriso no meu rosto. Espero que no seu também.

Sergio Perez colocou sua trouxinha nas costas e foi despedido da Racing Point. E foi despedido, sem nem um sanduiche de presunto. Mas, aí como um presente de Merry Christimas, a “mulher do Papai Noel”, ele conseguiu entrar na tão desejada vila da Red Bull.

Lá, ele vai encontrar “Kiko” Verstappen, que se, por acaso, ver uma vantagem do companheiro, Ah.. não tenham dúvidas! Vai gritar: mamãeeeee! E virá sua mãe “Florinda Horner” perguntar: o que foi
tesouro?

E Perez que não vacile, porque “Seu Madruga Marko” estará pronto para lhe dar uns cascudos, se ele fizer qualquer coisa errada. Não vai ser uma boa voltar para o barril fazendo “pipipi”. Olhando tudo ficará Alexander “nhonho” Albon e pronto para bradar: Olha ele! Olha ele!

Falhar para cima

(Glenn Dunbar/Racing Point)

Não sei se todos têm familiaridade com este termo, emprestado do inglês “to fail up”. É quando uma série de falhas acabam ajudando você a subir na carreira de alguma maneira. Então não é por acaso que David Pedro, do “Fórmula Portugal” usou esse termo para definir o que aconteceu com Sergio Perez em 2020, iniciando a terceira semana do Blog Takeover, um mês inteiro em que quem manda no blog são vocês.

Com a contratação de Sergio Pérez pela Red Bull na última semana, o último dos lugares  disponíveis do grid da F1 ficou finalmente ocupado (sendo que apesar da peculiaridade da situação  negocial entre a Hamilton e a Mercedes, pouco se duvida da renovação). E depois da temporada de  2020 do mexicano, teria sido uma suprema crueldade vê-lo sem espaço no grid de 2021. Mais ainda  quando se tem em conta toda a situação da Racing Point que levou Pérez a ficar sem espaço. 

Com a disponibilidade do 4-vezes campeão Sebastian Vettel e o filho Lance no outro lado  da garagem, Lawrence Stroll tomou a decisão que surpreendeu Pérez mas de algum modo não o  paddock: rescindiu o contrato de 3 anos assinado com o piloto no ano anterior. Na altura, com Lance  ainda na frente de Pérez, até não pareceu tão indefensável assim, mas rapidamente uma inversão  ocorreu quando o mexicano se lançou numa sequência notável de resultados, culminando na vitória  tardia mas não menos merecida em Sakhir. 

Independentemente das considerações sobre as ramificações que a decisão da saída de  Sergio Pérez poderá vir a ter para todos os envolvidos, a Fórmula 1 teve em 2020 a caricata situação  de ver um piloto despedido quando terminou o campeonato na frente do colega. E não pela primeira  vez. 

Bom trabalho. Adeus. 

São várias as ocasiões em que líderes de equipa optam por trocar de volante, geralmente  por carros mais competitivos (Alonso ao passar da Renault para a Ferrari em 2010, por exemplo)  mas a última vez que a F1 passou por uma situação como a de Pérez foi em final de 2016 e 2017 na  Sauber. Os logos da marca Silanna estavam nas asas traseiras dos carros suíços por influência de  Marcus Ericsson. O piloto sueco foi batido convincentemente primeiro por Felipe Nasr e depois por  Pascal Wehrlein na equipa, mas conseguiu permanecer ao contrário destes pelos fundos que movia  para a equipa. Quase fez o mesmo em 2018 (quando Charles Leclerc o arrumou a um canto), só que  aí a Ferrari puxou os cordelinhos para que a equipa optasse por Antonio Giovinazzi. 

Antes, em 2014, Jean-Éric Vergne vira-se na infeliz posição de ter sido preterido face à  perspetiva da contratação de Max Verstappen para o programa de jovens da Red Bull. A marca de  bebidas energéticas teve que escolher entre manter Vergne ou Daniil Kvyat na equipa. Kvyat estava  na primeira temporada de F1 ligeiramente atrás do francês, mas a Red Bull acreditava que teria mais  potencial que o colega de equipa mais experiente. Vergne ironizou depois do anúncio que talvez  não devesse ter deixado crescer a barba para parecer mais jovem.

Com Kvyat a ser largado este ano pela segunda vez pelo programa Red Bull e Vergne com  dois títulos de Fórmula E pela Techeetah, fica difícil defender a posição dos austríacos aos olhos de  hoje. 

3 anos antes, em 2011, Nick Heidfeld fez a sua última corrida na F1 ao saltar do seu Renault  em chamas no Grande Prémio da Hungria. Tendo sido escolhido pela marca para substituir o  lesionado Robert Kubica no início do ano, Heidfeld sabia não ser a grande escolha da marca. Apesar  disso estava na frente do colega de equipa Vitaly Petrov, ainda que a chefia tenha considerado não  estar o suficiente adiante dada a falta de andamento do russo para com Kubica (antes da lesão). Isso  e a vontade de ver o nome Senna associado às cores da Lotus-Renault levaram-no a ser substituído  por Bruno Senna a meio do ano. 

Quem também foi corrido a meio da temporada foi o alemão Heinz-Harald Frentzen em  2001. Tendo brilhado ao serviço da Jordan em 1999 quando chegou a estar na corrida ao título, o  piloto ficou estupefacto com o seu despedimento a meio de 2001. Nessa temporada era difícil dizer  que o colega Trulli estivesse a fazer um melhor trabalho, mas o alemão terá tido discussões sobre  decisões técnicas com a chefia (alegadamente chegando a oferecer pagar ele própria algumas  alterações que queria) e a lesão que o retirou de uma prova também não ajudou. 

A decisão de rescisão da parte de Eddie Jordan foi a apenas 4 dias do Grande Prémio da  Alemanha, para juntar acrimoniosidade à situação. Anos mais tarde Jordan confirmou um rumor da  época: que a Honda andara a pressionar para ter um japonês na equipa. O piloto do Japão, Takuma,  Sato assinou pela equipa para 2002. Já Frentzen conseguiu ir para a Prost nas corridas finais de  2001. 

Ao contrário de Frentzen, Alain Prost fez mais por merecer a sua demissão em 1991.  Depois de se juntar à Ferrari em 1990 e ter levado o título até à penúltima corrida com Ayrton Senna  (perdeu quando Senna colidiu com ele, o que deu o triunfo no mundial ao brasileiro), Prost viu o  Ferrari 642 do ano seguinte ser um projeto falhado. Apesar de ter terminado no 5º posto do  campeonato com 5 pódios, na frente do colega Jean Alesi, Prost cometeu o erro fatal para pilotos da  Scuderia: insultou o carro. O francês ainda insistiu que se tinha tratado de um erro de tradução, mas  a Ferrari não gostou da palavra “camião”, independentemente do contexto, e despediu-o com efeito  imediato. 

Mas o caso mais famoso de uma situação “a la” Pérez foi o de Damon Hill em 1996. Líder  do campeonato, e com grandes probabilidades de o vencer contra o colega de equipa estreante  Jacques Villeneuve, Hill recebeu a informação da equipa Williams de que seria substituído pelo 

anteriormente mencionado Frentzen para 1997. Vice-campeão dos dois anos anteriores, Hill ficou  incrédulo. Mais ainda quando o chefe da McLaren, Ron Dennis, ofereceu um contrato sem  rendimento base para o inglês (apenas com bónus por corrida). 

Se é certo que o paddock acreditava que com os Williams de 1994 e 1995 Hill deveria ter  feito melhor contra Michael Schumacher e a Benetton, a verdade é que o piloto tivera que lidar com  ser tornado chefe de equipa com a morte inesperada do colega Senna e soube tomar a carga nos  ombros com confiança. A Williams acreditou que podia conseguir mais rendimento de Frentzen, 

mas a verdade é que Hill venceu o título de 1996 e levou o número 1 para a Arrows, enquanto  Frentzen ficou apenas 2 anos na equipa com uma única vitória. 

De volta a Pérez 

Um padrão emerge quando se compara a situação de Sergio Pérez com a de pilotos de  outrora. Regra geral, num meio tão competitivo como a Fórmula 1 em particular, não premiar pilotos  que provam ser capazes de obter resultados com a sua manutenção sai caro às equipas no longo  prazo. 

Se é certo que estas decisões se podem observar ao longo da história da categoria com  frequência, é difícil não ficar alarmado com a proliferação de pilotos de famílias como a de Stroll  ou Mazepin, que não se limitam a patrocinar equipas, mas também a comprá-los, interferindo de  modo cada vez mais direto nas decisões das equipas. 

A Racing Point de Stroll parece ser um caso distinto na história da F1, em que poderemos  ver um piloto com 4 anos de F1 (em que foi derrotado por colegas de equipa em 3) como Stroll  “falhar para cima” com tanta frequência que se arrisca a ficar com material competitivo nas mãos… 

Resta ver como será contada a história da rescisão Pérez dentro de alguns anos. 

Respeite o rei

2020 Belgian Grand Prix, Saturday – LAT Images

Fechando a semana, escolhi o texto do Diogo Xavier, que inclusive tem um blog, o Fórmula 1 Sem Cortes. O Diogo é mestre em Engenharia Mecânica, de Santa Catarina, e empresta para a gente a lógica da engenharia para responder à pergunta: seria Lewis Hamilton o melhor de todos os tempos ou seus números vêm do carro?

Esse ano a Fórmula 1 escreveu na história o nome de mais uma lenda: Lewis  Hamilton. Não há exagero na afirmação. Superou os recordes de vitórias de  Schumacher e o igualou em títulos, se tornando em números o maior piloto da história  da categoria. Entretanto isso acontece no mesmo momento em que há também um  domínio técnico inédito da Mercedes, a equipe de Lewis. Por isso levantam-se tantas  dúvidas a respeito de Hamilton, seria ele o maior de todos os tempos ou é somente o  carro? Para responder, passemos por 3 pontos: história, técnica e origem. 

História 

Por que sobre Schumacher não pairam tantas dúvidas? O alemão surfou no domínio  da Ferrari para se tornar multicampeão, entretanto pouco se colocou em dúvida sua  técnica e habilidade. Sem falar que Schumacher nunca teve um companheiro de  equipe que fosse permitido enfrentá-lo, esse é o modo Ferrari. Ao contrário de Lewis  que durante toda a sua carreira, enfrentou grandes pilotos, como Alonso e Button, e  teve guerra aberta com seu ex-amigo Rosberg. Mesmo Bottas tem liberdade para  enfrentá-lo. Comparando as trajetórias desses dois multicampeões, não existe razão  para se duvidar mais de Lewis do que de Michael (este que possui o polêmico título  de 94). 

Outro fato que esquecemos é o percurso de Lewis. Nos tempos de kart até a Fórmula  2, empilhou títulos e performances incríveis. Iniciou na Fórmula 1 enfrentando como  companheiro de equipe ninguém menos que o espanhol Fernando Alonso, sensação  da época e vitorioso em cima de Schumacher. O então novato, fez frente de igual ao  espanhol, tendo empatado em pontos no campeonato (ficou na frente por outros  critérios). Já no ano seguinte foi campeão vencendo Massa na forte Ferrari (melhor  que a McLaren na época). Nos anos seguintes, com uma McLaren mais fraca,  conseguiu a incrível marca de vencer e fazer pole em todas as temporadas. Sempre  conseguiu ser competitivo com um carro inferior, fazendo exatamente o que Max faz  hoje na RBR. 

Ao longo da Fórmula 1 foram várias as corridas memoráveis. Algumas corridas na  chuva, manobras espetaculares e poder mental impressionante. Somente este 

ano, as principais foram no GP da Estiria, onde sob forte chuva cravou a pole 1.2  segundos à frente de Max (vencendo o GP) e o GP da Turquia, num misto de chuva  e falta de aderência, em um dos raros momentos de inferioridade da Mercedes.  Venceu por pura técnica, inteligência e frieza, largando da sexta posição. Como já  disse Reginaldo Leme, Hamilton é uma mistura dos grandes campeões Senna, Prost,  Mansell e Piquet, onde conseguiu fundir técnica, inteligência, agressividade e  conhecimento do carro em um único piloto. 

Técnica 

Lewis é um piloto rápido, mas muito rápido. Não é só capaz de fazer uma grande volta  para uma pole, uma de suas marcas, mas também alcançar excelente ritmo de corrida.  Além do mais, consegue ser agressivo quando precisa (era uma das suas fontes de  erro no início de carreira) já o credenciando como um dos grandes, mesmo na época  da McLaren. A habilidade de ultrapassar também é uma de suas marcas. Enquanto  bons pilotos sofrem nesse quesito, Lewis tem um leque de ferramentas que só não  fazem inveja a Ricciardo e Albon (sim, Albon era um dos melhores overtakers da  Fórmula 1). 

Mas o que o faz ser dominante como piloto não é segredo para ninguém: a gestão  dos pneus. Conseguiu alinhar velocidade com boa gerência dos desgastes que acaba  se tornando seu principal trunfo nas corridas. Isso exige uma sensibilidade fora do  comum e inteligência para o acerto do carro. Nesse quesito é imbatível. Os compostos  da Pirelli têm sido um desafio, visto que mantê-los sempre na estreita faixa de  temperatura ótima com boa velocidade não é tão simples. O próprio Vettel já  mencionou isso algumas vezes. Bottas não o vence principalmente por isso. Um  antigo engenheiro da McLaren explicou como no momento em que Lewis aceitou não  ser tão rápido para melhor gerir pneus, foi chave na carreira. Bom lembrar que Lewis  iniciou a carreira naqueles horríveis pneus estriados (ao meu ver uma das piores  ideias para a categoria) e foi se adaptando e evoluindo ano a ano, sem precisar mudar  seu estilo de frear em cima da curva e retomar aceleração antes. 

Origem 

Cada vez mais pilotos são preparados desde o berço. Verstappen é um bom exemplo.  Filho do ex-piloto Jos Verstappen, desde muito criança foi basicamente criado e  talhado para se tornar piloto (às vezes de forma controversa). Não só dispunha de um  tutor técnico, mas de um conhecedor dos caminhos para a principal categoria. E acima  de tudo, possuía recursos para tal, equipamento, dinheiro e contatos. Não à toa, Max  se tornou um fenômeno e é um dos melhores da atualidade. Um outro caso  semelhante (e que estamos todos na torcida que siga os caminhos de Max) é da piloto  Juju Noda de 14 anos, filha do ex-piloto Hideki Noda, atualmente na F4 dinamarquesa.  Assim como Max, foi treinada desde o berço, conquistando incríveis resultados contra  pilotos mais velhos e tem tudo para seguir o caminho do holandês. Também, por ter  um pai ex-piloto, possui todos os recursos para construir uma carreira planejada,  podendo treinar e focar exclusivamente no desenvolvimento técnico como esportista. Com Lewis, o contexto foi exatamente o oposto. Não era filho de ninguém ligado ao  automobilismo e tampouco tinha os recursos necessários para desenvolver uma  carreira tão cara na base. Mesmo assim, o pai de Lewis se dispôs a muitos sacrifícios  para impulsionar a carreira de Lewis permitindo que treinasse. Como o próprio já  comentou, corria com os piores equipamentos, diante de pilotos bem mais  estruturados. Mesmo assim conseguiu ser vitorioso. Lewis parece ter tido um talento  natural. Tinha tudo pra não dar certo num esporte essencialmente voltado para  ricos.Foi dessa forma que chamou a atenção de Ron Dennis, que permitiu que  assinasse um contrato com a McLaren ainda nos tempos do kart. O resto é história. 

Essas são as credenciais que fazem de Lewis Hamilton o maior piloto de todos os  tempos. Pode ser sim considerado um dos melhores da história, discussão essa  sempre tão espinhosa. Fora das pistas, assumindo um protagonismo na luta contra o  racismo, o colocou em outro patamar como esportista, partindo para o caminho de  lenda do esporte. Mentalidade de campeão, exemplo como esportista, não se abateu  nem quando foi derrotado por Rosberg. Pelo contrário, atingiu outro patamar depois  disso. E parece que por enquanto não tem fim, segue forte. Será vencido um dia, mas  jamais deixará de ser o que é: uma lenda.

Um público (e ideias) novos

Um jeito diferente de ver as coisas…

Recebi dois emails parecidos, da Rafaela Oliveira, e da Aline Mariño, dizendo que ficaram em dúvida se mandavam textos neste ano, pois tinham sido selecionadas ano passado e não queriam “roubar o lugar” de ninguém. Mas, se vocês lutam por um lugar, por que não pode ser de vocês de novo, não é verdade? A Rafa, que também atende por Garota da F1, faz uma relação pertinente sobre o novo perfil de fã da F1, resultado direto da exploração de mídias sociais da Liberty, e as mudanças que terão que vir junto desse público.

A Fórmula 1 é quase uma recém-nascida em meio a era das redes sociais, a categoria só aderiu as plataformas na gestão da Liberty Media em 2017 e desde então vem encarando um público que antes não tinha necessidade de satisfazer. 

Contudo, uma grande onda de fãs mais jovem vem surgindo, com a juventude vem a mudança de atitude e pensamentos. A F1 sempre foi acostumada com um grupo de expectadores mais velhos, predominantemente masculino e branco, com grande poder aquisitivo. Por isso ela parece ter problemas em atender alguns “pedidos” de seu novo público, que não está feliz com a falta de posicionamento constante da categoria sobre muitas situações. 

Como é o atual caso com Nikita Mazepin, o piloto russo está confirmado para a vaga da Haas ao lado de Mick Schumacher. Contudo, desde o princípio Mazepin mostrou muitos problemas de comportamento dentro e fora da pista e o mais recente caso de assédio (filmado pelo próprio piloto) gerou uma grande comoção nas redes sociais – aquelas que a F1 só está ativa a quatro anos – pedindo que o russo não faça mais parte do grid de 2021 da categoria. Neste caso a Fórmula 1 lavou as mãos e jogou qualquer decisão no colo da equipe estadunidense, o que chega a ser um absurdo em vista que eles prontamente criaram uma regra que proíbe manifestações de camisetas anti-racistas (ou de outro cunhos), mas em um caso de assédio não tomam ação alguma. 

Não é a primeira vez que a categoria enfrenta o novo nicho que vem se formando. Ainda no início desta temporada de 2020 as cobranças de seu maior astro, Lewis Hamilton, forçaram a F1 a agir e criar às pressas a campanha “We race as one”, mas os adesivos, vídeos e uma amostra de desunião nos atos anti-racistas antes das corridas, escancararam a falta de vontade de realmente construir e mudar alguma coisa dentro do esporte. As atitudes contraditórias da categoria durante o ano só os jogou mais aos leões, a notícia de que a FIA puniria Lewis Hamilton devido uma camiseta no pódio e a proibição, citada acima, de manifestações até mesmo na máscara que os pilotos carregavam na boca, foi o estopim para que a campanha de igualdade fosse taxada de hipócrita. 

É claro que em tempo de crise e a permanência daquele grupo tradicional de fãs, faz com que a Fórmula 1 os busque, os encontre e se torne cômoda, mas talvez quando esse público mais jovem, com pensamentos abertos e vontade de mudar o mundo virar o majoritário, eles não poderão se fazer de cegos. 

A escassez da Representatividade na F1

No aniversário de Lewis Hamilton, um assunto que (ele já repetiu algumas vezes) lhe motiva mais do que qualquer recorde, na análise da Joyce Rodrigues. Neste 7 de janeiro, duas mulheres, negras, vão ter voz por aqui.

No aniversário de Lewis Hamilton, um assunto que ele já disse algumas vezes que lhe motiva mais do que qualquer recorde, na análise da Joyce Rodrigues. Neste 7 de janeiro, duas mulheres, negras, vão ter voz por aqui.

Desde seu início , na década de 50, a Fórmula Um, uma das modalidades mais populares mundialmente, sempre excluiu certas parcelas da sociedade. Um esporte elitista e majoritariamente branco, poucas pessoas distantes deste ciclo tiveram a oportunidade de ingressar na carreira de piloto, acompanhar o esporte ou comparecer a um autódromo. O espelho dessa restrição está no grid, tendo como exemplo o atual, que de vinte pilotos, apenas quatro não têm somente origem caucasiana; Lewis Hamilton, homem negro, Alexander Albon, asiático, Sérgio Perez, latino e Nicholas Latifi, descendente de imigrantes iranianos.

A falta de representatividade nesse esporte é um assunto bem preocupante, visto que a ausência dela afasta uma parte da população de assistir o espetáculo que o automobilismo sempre nos proporciona. Quando um ser, excluído socialmente, assiste e enxerga que há outro do seu ciclo que vivencia as mesmas lutas, ele começa a torcer, apreciar aquilo, isso aconteceu quando Hamilton entrou na modalidade, conquistou grandes prêmios e campeonatos, a audiência do movimento negro cresceu e começaram acompanhar a categoria.

Durante a história da modalidade, houve exemplos de representações de pessoas excluídas socialmente pelo seu gênero, orientação sexual ou pela sua cor. Willy T Ribbs, primeiro negro a pilotar um carro de Fórmula Um e a competir as 500 milhas de Indianápolis, ameaçado de morte quando foi chamado pelo presidente do circuito de Charlotte, Humpty Cheeler, para participar de uma etapa da Nascar, no intuito de chamar a população negra para o esporte. O estadunidense foi convidado por Bernie Eccletone nos anos 80, para fazer um teste na Brabham BT54, usada pelo brasileiro Nelson Piquet, complentando todo o circuito como foi planejado.

Maria Teresa de Fillippis, primeira mulher a pilotar um carro de Fórmula Um, começou a sua carreira a partir de uma aposta entre amigos, fez a sua estreia no final dos anos 50 no carro de Fangio, aos 22 anos já mostrava o seu grande talento para todos, mais tarde consagrando-se vice campeã do campeonato italiano. Por ser do gênero feminino, foi proibida de correr, o diretor de provas da época, Toto Roche, em uma entrevista apontou para uma foto da italiana e deu um depoimento bem machista, dizendo que ela era uma jovem muito bonita e não deveria usar nenhum capacete a não ser um secador de cabelo, a napolitana quando soube da declaração dada, ficou extremamente irritada.

Após a cobrança do Lewis pela falta de posicionamento da categoria e dos seus colegas de trabalho, a Fórmula Um aderiu o “We Race as one” (nós corremos como um) e o arco-íris nos carros. No GP da Toscana, o britânico subiu ao pódio, com uma blusa pedindo justiça por Breonna Taylor, morta por policiais brancos nos Estados Unidos, a FIA decidiu investigá-lo por declarações políticas. Se a instituição realmente cumprisse com o slogan, ela o apoiaria, como a NBA fez com suas equipes no movimento “Black Lives Matter”, dado que lutas raciais são questões de direitos humanos.

Esse caso não é o único que contradiz a frase usada pela categoria, atualmente houve episódios lamentáveis de pilotos privilegiados e com acesso à informação que tiveram atitudes péssimas, sem nenhuma ação da instituição. O piloto Nikita Mazepin gravou um vídeo nos seus stories assediando uma mulher e logo depois apagou, a equipe Haas decidiu mantê-lo na equipe e a FIA apoiou a decisão, o russo tem um poder aquisitivo alto e mais um fato apontando quão o privilégio branco é tóxico, sendo um dos empecilhos para a entrada de mais diversidade no grid.

A mesma entidade que mantém um assediador nas pistas, é a que apoia e realiza um campeonato exclusivo para as mulheres, a W Series, lançada faz dois anos e inaugurada há um. Ambas categorias terão etapas nos mesmos locais, seguindo essa lógica, haverá uma situação bem desconfortável, pilotas vão correr no mesmo ambiente que um homem que usou o corpo feminino como um pedaço de carne. Novamente colocando o capital em primeiro lugar, usando o emblema em vão, desrespeitando a todas as mulheres que acompanham ou trabalham nesse meio.

Diferentemente da Fórmula Um, que até então não houve a partir dela um intuito de maior diversidade no esporte, havendo somente uma equipe, a Mercedes, que iniciou o projeto de inclusão, a Nascar, considerada por muitos anos uma categoria sulista e conservadora, neste momento tem um incentivo de entrada de minorias na categoria, no grid atual, há um descendente de cubanos, Aric Almirola, um latino, Daniel Suárez, um afro-americano, Bubba Wallace e um descendente de asiáticos Kyle Larson. Em Abril, o piloto Larson, usou um termo racista durante uma corrida virtual, perdeu patrocínios, foi suspenso da categoria e somente em Outubro a organização decretou o fim da suspensão. Uma reação desse formato, provavelmente não ocorreria na Fórmula Um, sendo que esse ano houveram falas intolerantes e nenhuma ação da FIA.

Sob essa ótica, o lema usado pela instituição é apenas uma jogada de marketing para aparentar que a visão de mundo a partir da entidade mudou, apoiando as lutas sociais e a inclusão de diversidade no grid, vimos que na prática não é assim. O automobilismo sem a representatividade gera um afastamento e uma falta de interesse gigante, se não fosse pela a entrada do Hamilton em 2007 e os protestos que ele promove, a Mercedes provavelmente não faria um programa de integração de minorias e muitos sites ligados a isso não estariam falando sobre esse assunto, sendo assim, a Fórmula Um deveria seguir os passos de muitas categorias e promovendo inclusão, não apenas em palavras bonitas, no entanto em ações, consequentemente atraindo pessoas que se identificam com um dos pilotos, por viverem as mesmos combates sociais.

Ativismo e a eterna cobrança sobre Lewis Hamilton (e o negro)

22 anos, natural de Aracaju-SE, negro, recém-formado em jornalismo e apaixonado por automobilismo. É assim que Eduardo Costa se apresentou para mostrar seu texto, que vem quase de mãos dadas com o vídeo do Felipe. Representatividade é um troço poderoso, ainda que alguns tentem relativizar todo e qualquer avanço.

Quinta-feira, 5 de novembro de 2020. A notícia que cada vez mais circulava pelos veículos enfim se tornou oficial: a Fórmula 1 confirmou a entrada do Grande Prêmio da Arábia Saudita em 2021. A prova já estava incluída no calendário provisório da categoria, mas ali foi fechada de vez. O GP noturno será em Jeddah, no litoral do Mar Vermelho.

Assim que saiu o anúncio, vieram vários questionamentos. O reino comandado por Mohamed bin Salman desde 2015 tenta passar para o mundo uma imagem de moderno. Internamente, a realidade é de perseguições a ativistas ou críticos do regime. Desaparecimentos e mortes de jornalistas denunciantes de violações também são registrados.

Isso sem contar a questão de gênero: relatório do Fórum Econômico Mundial em 2016 mostra que a Arábia Saudita tem a quarta maior desigualdade de gênero entre 144 países analisados. O regime considera ateísmo, feminismo e homossexualidade como atos de extremismo.

Diante disso tudo, em meio até mesmo a manifestações da Anistia Internacional alertando a Fórmula 1 sobre o uso de um GP como “cortina de fumaça” para o governo saudita, Lewis Hamilton foi questionado sobre o assunto. O heptacampeão mundial se tornou um grande ativista na luta antirracista nesta temporada 2020, e muitos esperavam um posicionamento enfático sobre o novo assunto. Mas além de dizer que não sabia “exatamente qual é o problema”, ainda respondeu:

“O movimento Black Lives Matter me motivou muito. Precisamos usar essa plataforma incrível que temos. Nós vamos para todos esses países onde isso é um problema… não há necessidade de isolar esses lugares. Precisamos entender como podemos interagir mais, usar esta plataforma para encorajar e promover mudança”.

A manifestação de Hamilton gerou repercussão automática, em especial nas redes sociais. E não foram poucos os comentários de pessoas deslegitimando a luta antirracista do inglês. Frases como “quando envolve dinheiro ele muda o discurso”, “só inocente se engana com Hamilton”, “ele só quer lacrar e lucrar”, “todo esse ativismo é marketing” e tantos outros pensamentos enlatados foram jogados ao vento.

E isso leva a uma reflexão importante e extremamente necessária, que vai muito além do automobilismo: por que Lewis Hamilton, único piloto negro da extremamente elitista Fórmula 1 e militante antirracista, tem que ser questionado e falar sobre tudo?

Em 2020, Hamilton foi quem encabeçou protestos na Fórmula 1 diante do movimento Black Lives Matter, que ganhou o mundo. Ele se ajoelhou antes das corridas, mostrou camisas de protesto até mesmo no pódio e cobrou mais organização da F1 sobre o assunto. A atitude conscientizou vários pilotos que deram apoio ao heptacampeão.

No grid, 14 dos 20 pilotos costumavam se ajoelhar em favor ao movimento antes das provas. Nomes como Sebastian Vettel, Romain Grosjean, Daniel Ricciardo e Sergio Pérez também se manifestaram publicamente ao longo desse tempo.

Em se tratando da Arábia Saudita, os crimes contra a humanidade cometidos pelo país deveriam, em teoria, assustar e conscientizar a todos os pilotos, além da raça. A questão é: por que os outros pilotos (como alguns dos citados) não são questionados sobre isso? Por que suas opiniões não rendem tanta repercussão? Por que a fala de Hamilton, o único negro, é a única que vira manchete e gera críticas?

A cobrança vai além de uma simples questão, e atinge qualquer posicionamento. Podemos lembrar que Hamilton, por exemplo, é um forte ativista do meio ambiente, tanto quanto na causa racial.

Ele se tornou vegano; abriu em 2019 a “Neat Burger”, rede de hambúrgueres feitos a base de vegetais; participou do documentário “The Game Changers”, falando sobre o impacto positivo de uma dieta à base de plantas no esporte; e é uma voz ativa contra a poluição, o desmatamento e a emissão de carbono, até mesmo na Fórmula 1.

O que obviamente gera críticas por “incoerência”. O motivo é óbvio: Lewis Hamilton é heptacampeão mundial da Fórmula 1. E a indústria automobilística, em especial no esporte, não tem como uma grande bandeira o cuidado com o meio ambiente. Por isso, não é incomum ler que o desejo de mudança expresso por ele nada mais é do que “marketing” ou “lacre”.

E claro, isso respinga na luta antirracista. Hamilton entrou na F1 em 2007, sendo o primeiro piloto negro nos 57 anos (!!) da categoria. Na época, ele não costumava se manifestar sobre tal questão. Na verdade, passou muitos anos alheio ao assunto. E já afirmou abertamente que se arrepende de tal fato.

Tal problemática envolve algo que nem todos estão dispostos a entender: o racismo que mata é o mesmo que silencia. E dependendo do meio, é ainda pior. Em um esporte como o automobilismo, altamente elitista e, consequentemente, branco, tal posição costuma ser silenciada. Tanto que Hamilton foi o primeiro negro da F1. Hoje é o único do grid. É impossível imaginar quantas vezes ele já foi silenciado.

E com mais movimentos da causa antirracista ganhando espaço, é natural que mais pessoas se engajem e comecem a entender o tema. E com isso, revejam posicionamentos e questionem mais o problema. Ou seja: o argumento de “ele nunca defendeu isso e agora fala porque está na moda” é infundado.

As pessoas aprendem com o passar do tempo, e se sentem mais aptas para falar. É assim com qualquer causa: se uma mulher que sofre assédio denuncia o fato, outras se sentem mais encorajadas; se uma pessoa do grupo LGBTQIA+ é agredida e registra queixa, outras veem que podem fazer o mesmo. Representatividade é tudo.

As manifestações, ao mesmo tempo que fecham portas, também podem abrir mentes. Quantas crianças negras pelo mundo não veem as mensagens e a representatividade de Hamilton e desejam ser como ele? Quantos garotos e garotas não se inspiram no que ele faz para seguir em frente e abraçar a causa?

(Nota pessoal: não só crianças. Este que vos fala, negro, passou a ver a F1 de outra forma com os posicionamentos de Lewis Hamilton)

Mas não apenas na Fórmula 1, como também na sociedade, o negro sempre será questionado. A dúvida, o olhar torto, a crítica, a insinuação negativa sempre (ou quase sempre) será pautada nele. E se o negro ainda é abertamente ativista e questiona os problemas da sociedade, pior ainda.

Lewis Hamilton sabe disso. Mas está disposto a enfrentar de frente. Ao UOL Esporte em 2019, ele afirmou:

“Faço o que eu faço porque amo, mas também porque acho que isso pode criar uma plataforma para eu gerar mudança. Não vou mandar nas pessoas, mas há coisas que eu estou descobrindo, porque agora estou pesquisando mais, e é chato para mim não ter aprendido tudo isso antes. Agora quero usar minha plataforma para destacar essas áreas”.

Lewis Hamilton

O heptacampeão entendeu sua responsabilidade, sua importância e sua voz no mundo. Também por isso caminha rumo a ser o maior piloto da história. Além de gênio dentro das pistas, um desbravador fora delas. Com certeza, os posicionamentos de Lewis Hamilton estão fazendo a categoria e o público repensarem muitas coisas. Temas que jamais ganharam voz no automobilismo estão ganhando espaço por conta dele.

Obviamente, o posicionamento e a representatividade trazem o lado negativo da desconfiança e do questionamento com o negro. Uma parte do público simplesmente prefere não questionar.

Se o negro opina sobre racismo, irão questionar por que nunca opinou antes. Se ele não fala sobre um caso de racismo específico, irão questionar por que não comentou. Se ele se manifesta sobre uma causa B, irão questionar por que não falou nada sobre a causa C. Se ele prefere não se manifestar porque não conhece o suficiente, irão questionar o silenciamento. Isso já aconteceu com outro piloto na história?

Com certeza vários outros pilotos têm a acrescentar nos debates, e deveriam abraçar várias causas de forma mais firme. Mas por que apenas Lewis Hamilton vira manchete? A resposta é clara – ou nesse caso, “escura”.

Lições de representatividade (e paternidade também!) na F1

Muitos dos textos que vocês mandaram para participar do Blog Takeover eram sobre ele, o heptacampeão Lewis Hamilton, que não só está reenscrevendo a história da F1 dentro das pistas como também tem sido fundamental para conectar a categoria a discussões que antes eram estranhas ao esporte. A representatividade é uma delas, muito bem abordada pelo vídeo do Felipe Oliveira, que tem um canal no YouTube voltado à paternidade.

Não foi por acaso que escolhi esse vídeo para abrir a semana do aniversário de 36 anos de Hamilton.

Fiquei imaginando a cena que o Felipe descreve sobre o GP Brasil de 2008, o que me lembrou da primeira vez que parei para pensar nessa questão de representatividade na F1. Foi quando meu ex-namorado, negro, reclamou que eu estava assistindo “esse esporte de branco”. Sem ter meus olhos treinados para ver esse tipo de coisa, era algo que nunca tinha passado pela minha cabeça. Nunca tinha percebido que basicamente só havia caucasianos e um ou outro asiático (japonês) no esporte.

Até que fiquei sabendo que a McLaren promoveria um jovem negro de 22 anos direto da GP2. E convenci meu então namorado a ver o GP da Austrália de 2007 comigo. Imagino que o orgulho da família do Felipe grudada na telinha naquele GP do Brasil tenha sido o mesmo do cara que exclamava “olha o negão! Ele é muito melhor que os outros!”, empolgadíssimo. Representatividade é um troço sério.

O fim de uma tradição

A coleção do Paulo

O ano acaba de começar, as esperanças estão renovadas e blá blá blá. Mas para o Paulo Pellegrini, jornalista, músico e professor universitário de São Luis, 2020 foi o fim de uma era. E mesmo ele considerando que ouvir a corrida só pela rádio pela primeira vez foi a “rendição final”, o texto muito bem escrito entrou na minha lista…

Na ânsia de escrever sobre Fórmula 1 para o blog da Julianne Cerasoli, deparei-me com o desafio de contar alguma história não contada e vi o quanto essa tarefa é quase impossível. Tudo já foi dito – como Fangio venceu espetacularmente o GP da Alemanha de 1957; a sequência de azares de Chris Amon, o melhor piloto de sua geração a nunca vencer uma corrida; o dia em que Jacky Ickx tirou uma vitória de Ayrton Senna em Mônaco; a treta entre Chico Serra e Raul Boesel que terminou em tapas – enfim, tantas histórias que falar sobre elas seria fazer mais do mesmo e, assim este texto aqui não poderia existir.

Aí lembrei de uma história que nunca foi contada: a minha. Mais precisamente, a minha história como telespectador e colecionador de corridas em vídeo, na cidade em que moro desde a infância, São Luís do Maranhão. Não posso afirmar que seja única, mas fica o convite para que outros contem histórias semelhantes – se não surgirem, vale a exclusividade da minha…

Tudo começou no início de 1983, quando meu pai apareceu em casa com um aparelho novo, o vídeo-cassete. Que família brasileira de classe média não tinha um desses nos anos 80? A sensação era mágica: sentar-se diante da TV para assistir a algo sobre o qual você tinha o controle de pausar, adiantar, ver de novo… A estreia do nosso aparelho foi com o VHS de Luciano do Valle apresentando todos os gols das Copas de Mundo, de 1930 a 1982. Um espetáculo.

Mas ainda havia outra magia: gravar o que estava passando na televisão. Sem qualquer motivo aparente e de modo totalmente aleatório, coincidiu de a primeira gravação caseira dos Pellegrini se dar em um domingo, 27 de março de 1983, exatamente na hora em que Galvão Bueno anunciava a largada do GP dos Estados Unidos Oeste, em Long Beach, na Califórnia.

“Luz vermelha acesa… Vai pintar a verde… A largada do Grande Prêmio de Long Beach… Keke Rosberg sai… Por dentro…”.

Assisti tantas vezes a essa fita que nunca me esqueci dessas palavras. E a largada do Grande Prêmio de Long Beach foi também a largada de um hábito que me acompanhou a vida inteira desde então: gravar as corridas de Fórmula 1.

Na verdade, esse primeiro ato de apertar o Rec coube a meu irmão mais velho, que o fez religiosamente durante todos os anos até 1990. Ao término do ensino médio – chamado ainda de segundo grau – ele arrumou as malas de volta para São Paulo e me incumbiu da missão de prosseguir a tradição.

Dessa forma, meu primeiro Rec foi a abertura da temporada de 1991, também nos EUA, só que no circuito de rua de Phoenix, um dia marcante para mim como telespectador pelo fato de estar agora “reinando” com o controle remoto nas mãos, e para a população ludovicense – é assim que se chama quem é nascido em São Luís – que testemunhou a primeira transmissão de F1 pela TV Mirante, do Sarney, que havia “tomado” a concessão da Globo da TV Difusora dias antes.

E assim fomos seguindo, domingo a domingo, com sol ou com chuva, da manhã, de tarde ou de madrugada, ano após ano, gravando no guerreiro vídeo-cassete todos os Grandes Prêmios. Impressionante imaginar como foi possível manter essa disciplina. Não poderia haver compromisso no horário. Nada de praia, nada de bola, nada de churrasco. Era sempre “só posso ir depois da corrida”. A mesma fala em 1983, quando eu tinha 9 anos de idade, a mesma fala em 2020, aos 46.

As gravações no vídeo-cassete seguiram até 2006. Isso significa que tenho, por exemplo, todas as corridas de Ayrton Senna em VHS. Consciente da obsolescência da tecnologia – as fitas estavam cada vez mais difíceis de se encontrar – tive que aposentar o velho VCR e partir para algo mais moderno. Assim, adquiri minha primeira gravadora de DVD, que estreou em casa junto com Lewis Hamilton na Fórmula 1, em 2007.

Ao contrário do vídeo-cassete, cujo único problema é o mofo, logo entendi que as gravações em DVD tinham suas armadilhas. O aparelho da Samsung era temperamental. Apesar da qualidade das gravações, era seletivo com determinadas marcas de DVD-R. Algumas mais tabajaras, como uma tal DLL, por exemplo, não davam certo nunca. Em outras, nem sempre as gravações conseguiam ser finalizadas. Mas, no fim das contas, eu sempre dava um jeito: se a gravação da transmissão ao vivo não prestasse, eu gravava a reprise no SporTV e ficava tudo certo.

Em 2010, cansado do comportamento temperamental do DVD Recorder da Samsung, adquiri um da LG, que tinha a vantagem de ter um HD de gravação. Ou seja, se desse pane no DVD-R, eu tinha a opção de gravar no HD e depois transferir para um DVD. Nesse esquema, fui mantendo as gravações até o último GP do ano passado, em Abu Dhabi. Quase 10 anos de gravações no LG, praticamente sem sustos.

Mas veio a pandemia, a Fórmula 1 teve férias forçadas até junho de 2020 e, em sua volta, quem resolveu entrar de recesso foi o minha gravadora LG. Provavelmente por causa de um pico de tensão, sua fonte queimou. Desesperado como quem leva um ente querido ao hospital em estado grave, levei o aparelho, com suas dezenas de corridas armazenadas no HD, à assistência técnica da LG em São Luís, mas fui desenganado pelo “médico”, ou melhor, pelo técnico:

“Este aparelho está fora de linha e não somos autorizados a fazer manutenção em aparelhos assim”.

Como um alcóolatra que ainda precisa de um último gole, apelei para o último dos recursos, já que as gravadoras de DVD simplesmente desapareceram do mercado: gravar as corridas de 2020 no próprio receptor da SKY, da casa dos meus pais. Mas era sabedor de que se tratava de uma medida extrema. Afinal, o aparelho não era meu, era da operadora, e ela poderia trocá-lo na primeira pane que ocorresse e levar todos os meus GPs embora.

Dessa forma, vinha gravando os GPs de 2020 mais por força do hábito, pelo vício da “cachaça” mesmo, pois já não havia sentido. Eram gravações que eu nunca veria, seja por não estarem em minha casa, seja por poderem ser levadas embora pela operadora a qualquer momento. Tanto que dei o braço a torcer ao mundo digital e no início do ano assinei o pacote da F1TV que dá direito ao arquivo de Grandes Prêmios desde 1981. Em outras palavras, tudo o que construí em 37 anos estava agora disponível apenas digitando login e senha. 

Para completar o drama, peguei covid no final de novembro e, isolado em casa, sequer pude gravar no receptor da SKY as três últimas provas de 2020, pois não poderia ir à casa dos pais. A segunda delas, em Sakhir, por não ter passado em TV aberta e eu não ter SporTV na minha casa, tive que ouvir pelo rádio – sim, Odinei Edson, Julianne Cerasoli e Alessandra Alves tiveram minha audiência no canal da BandNews FM na internet! – e me contentar pelo VT após o Domingo Maior. 

Ouvir F1 pelo rádio foi a minha rendição final. Sem ter como gravar mais, fechou-se um capítulo de minha vida. Sabia que esse momento um dia chegaria, já que nunca tive a possibilidade de adquirir um computador com não-sei-quantos teras de HD para gravar programas de TV, como se faz no século 21.

Agora, liberto, posso simplesmente assistir às corridas e depois assisti-las na Internet, como faria qualquer pessoa normal. E admirar a coleção de VHS e DVD que construí ao longo de quase quatro décadas, como faria qualquer pessoa absolutamente aficcionada por esses apaixonantes carrinhos voadores.

Na perspectiva de Platão: o ‘fico’ de Mazepin e a F1 (a)política

(Joe Portlock – Formula 1)

Continuando com temas mais políticos aqui no Blog Takeover 2020/2021, o ano em que fomos quase que forçados a parar, e pensar, termina com o texto da Andréa Borges Leal. A advogada de Belém – sim, a diversidade segue sendo o eixo principal – divide com a gente como a filosofia de Platão pode ser aplicada à F1.

Até antes do início da temporada 2020 de Fórmula 1, caso alguém me perguntasse se existe política na principal categoria do automobilismo, eu responderia – sem pestanejar – que sim. Tentando provar meu ponto, eu traria à tona Ayrton Senna versus Alain Prost, a chefia de Bernie Ecclestone, a passada de pano no escândalo sexual nazista envolvendo Max Mosley, a anulação do banimento de Briatore pelo Singapore Gate, o circuito de Abu Dhabi fechando a temporada… mas, em 2020, eu me convenci de que não é bem assim, ou melhor, não é nada disso.

No curso de Direito, filosofia compõe a grade das matérias de 1° e 8° semestres. Estudamos Locke, Hobbes, Kant, Rousseau, Arendt, Stuart Mill e outros que nunca aprendi a, sequer, pronunciar. Contudo, quem me convenceu de que política e Fórmula 1 percorrem, na verdade, rotas antagônicas foi a boa e velha filosofia de Platão – aquela que estudamos ainda no ensino fundamental.

Platão (um clássico idealista, diga-se), na obra “A República”, afirma que todos os homens se consideram capacitados para exercer a política, muito embora essa seja uma arte para poucos. Em suma, a política em Platão é o meio para corrigir injustiças, que apenas se proliferam porque falsos intelectuais assumem o compromisso de administrar a pólis (cidade), sob o ilusório fundamento de que governarão em benefício de todos.

Surge, então, o que Platão designou como as quatro virtudes cardeais, quais sejam, sabedoria, coragem, moderação e justiça. Deve administrar a pólis, portanto, quem as detém, de modo que tão somente são detentores dessas virtudes os filósofos.

E vocês devem estar se perguntando o que isso tem a ver com Nikita Mazepin ou com a Fórmula 1 em geral. Eu digo: tal como na Grécia Antiga, os más administradores da Fórmula 1 se julgam filósofos.

Aliás, a temporada 2020 exigiu uma postura mais ativa de um esporte que sempre tentou se esconder das questões sociais. Enquanto um piloto negro de raízes pobres assumiu o papel de protagonista, a Fórmula 1 se utilizou de um dublê para dar a cara à tapa. Foi assim que eles passaram a falsa impressão de que todos correm como um só; de que se importam com as vidas negras; de que mulheres podem ocupar o mesmo espaço dos homens. No circo da Fórmula 1, nós, que acreditamos em todas essas falácias, fomos os bobos da corte.

Nikita Mazepin, o piloto que deliberadamente publicou um vídeo assediando uma mulher, fica. Por dinheiro, por patrocínio. Isso não é política; é corrupção de interesses. A manutenção do contrato do russo causou grande barulho nas redes sociais, mas o silêncio de uma categoria inteira (chefes, equipes, pilotos, diretores, patrocinadores, federações) nos ensurdeceu.

No dia que a Haas comunicou a permanência de Mazepin, declarando que “nenhum outro comentário (sobre o assédio) deve ser feito”, o twitter da Fórmula 1 postava propaganda sobre a F1TV. No dia que Lewis Hamilton subiu ao pódio pedindo justiça por Breonna Taylor, a FIA abriu uma investigação contra o heptacampeão.

Se houvesse política, Mazepin nem ao menos seria opção. As virtudes cardeais não permitiriam. No entanto, a Fórmula 1 não abriga filósofos. Sábios, corajosos, moderados, justos… seria uma utopia acreditar que o administrador da nossa pólis governa em benefício de todos. Talvez os filósofos sejamos nós e talvez por isso nosso lugar seja nas arquibancadas.


Enquanto Mazepin fica, todo o discurso social e representativo construído ao longo desse ano, pela Fórmula 1, vai embora. A vaga de Mazepin não significa unicamente que teremos um assediador no grid de 2021, mas indica que, não importa o esforço que fazemos para lutar pelo que é ético, esse esforço jamais será suficiente para combater o que é financeiramente conveniente.

Filósofos normalmente são tidos como loucos. E que assim seja, afinal, não estamos dispostos a dividir espaço com aqueles que não respeitam nosso espaço. Eu finalizo afirmando: a Fórmula 1 é apolítica não por ser isenta, mas por ser hipócrita.

A Fórmula 1 e seu mundo de papel

Lewis Hamilton/Twitter

Como assim dois textos no mesmo dia? Minha ideia original com o Blog Takeover era publicar 12 textos em quatro semanas, mas achei que podia agrupar alguns que dialogavam entre si e, ainda por cima, escolher 16 autores diferentes. Indo na mesma linha do Fábio, o Rodrigo Seraphin foi no âmago da questão: enquanto não doer no bolso…

Dos papéis de contrato milionários, aos papéis de bobo cada vez mais recorrentes aos fãs, o universo da F1 se constrói e reconstrói, cada dia apontando mais quem – e como – dá as cartas. Lembre-se, num universo de papel, nada mais lógico que Deus seja o papel-moeda, também conhecido como dinheiro.

Quando Hamilton se propôs a discutir ações práticas no combate às gritantes restrições de cunho racial no universo da F1 na primeira metade de 2020, parecia o inglês renegado a um papel de bobo da corte, por uma organização precária e nada midiática aos atos antirracistas antes das corridas e pelos questionamentos infundados de personalidades do esporte – brancas, é importante dizer – como Jackie Stewart ou Bernie Ecclestone, além, claro, de um silêncio conveniente de grande parte do grid com quem o britânico disputa.

Mas, se o rei dinheiro manda, os súditos o seguem. Foi a oportunidade de o marketing institucional aparecer e a FIA sequer titubeou: We Race as One pra lá, arco-íris com as equipes do circo pra cá e uma campanha que, no seu papel, parecia genuinamente ótima. Afinal, a categoria de tantas restrições criadas por pré-estruturas sociais estaria revendo seus conceitos, buscando novos horizontes, saindo cada vez mais da gestão de Bernie Ecclestone em direção ao showbiz estadunidense da Liberty.

Só que aí, a campanha de todo um ano, os discursos tão bem intencionados e o suposto suporte à sua principal estrela tiveram três grandes testes contra o Deus do papel, dinheiro. Acabariam sendo reprovados em todos eles. Acabariam FIA e a Liberty vendo seu castelo de cartas no âmbito social, frágil como um sulfite, desmoronar frente à própria palavra. Como diria o poeta, palavras ao vento.

Em Mugello, Hamilton exigia em sua camiseta justiça pelo assassinato de Breonna Taylor, mulher negra, pela mão de policiais brancos. A exigência nada mais é que sobre direitos humanos. Sobre sobrevivência. Mas ao ver o assunto tomar a frente de seus patrocinadores no quadro da vitória a FIA não vacilou e lá foi proibir “manifestações políticas” no pódio, temendo que Lewis poderia ter atitude semelhante no GP seguinte, na Rússia. Mais à frente, em novembro, a categoria que viu seu caixa ser inundado pelos petrodólares sauditas da Aramco, confirmou, para 2021, a inauguração do GP no país, ainda que o atual governo sofra e enfrente diversas sanções de cunho humanitário por políticas nada agradáveis, sobretudo contra as populações LGBT e contra as mulheres. 

Por fim, a categoria vê Nikita Mazepin comprar por cerca de 40 milhões de dólares uma vaga na Haas, e concede ao russo imediatamente um passe livre. O papel de Nikita é patético, desastroso, inconcebível para qualquer pessoa, ainda mais em condição pública e num meio com tanta formação de ídolos. Comportamentos raivosos e explosivos nas disputas na F2, comentários xenofóbicos, racistas e insensíveis à respeito da COVID-19 e assédio sexual carregado com exposição e humilhação públicas sem qualquer sinal genuíno de remorso foram todas varridos para debaixo do tapete nas últimas semanas, junto com a campanha da categoria – afinal, dificilmente qualquer mulher fã ou trabalhadora na categoria se sentirá confortável ou plenamente segura com Mazepin no paddock no próximo ano. 

A impressão que fica é que no mundo dos papéis da F1, existem protagonistas e coadjuvantes, donos da voz e aqueles que só é dado o direito de escutar. Seja como for, é um universo frágil, perigoso, que pode se esvair num sopro, num rasgar, numa gota de água, e absolutamente nada, nem uma tonelada do metal mais pesado é páreo para o Deus, dinheiro.

We don’t race as one

Quem vai abrir a temporada 2020/2021 do Blog Takeover é o Fábio Andrade, que está no Twitter como @fabyoloso. O Fábio abre essa série de textos produzidos por leitores por diversos motivos. O tema que ele discute muito bem aqui foi central em muitos dos artigos que vocês enviaram, mostrando que a F1 terá de acompanhar o ritmo de mudanças de seu novo público. E também porque o tema é diversidade e representatividade e o Fábio levanta uma bandeira importante: ser gay e curtir F1.

No início da temporada, na primeira vez que vimos as referências e as ações da campanha We Race As One, foi difícil encontrar quem não ficou arrepiado. A Fórmula 1, um esporte historicamente pautado no fetiche do dinheiro e que, por tantas vezes, não ligou de correr em meio à ditadura no Brasil e na Argentina – tampouco se furtou de disputar provas no apartheid sul-africano – modernizava seu discurso, enfim.

“Corremos como um só”, dizíamos, animados com atos de repúdio ao racismo em todas as corridas, lindos arco-íris e easter eggs da campanha nos carros, embalo na popularidade e no engajamento de uma estrela do quilate de Lewis Hamilton.

A expectativa era de que a Fórmula 1 estivesse marcando um golaço. A categoria nunca tinha feito muito esforço para pensar e agir de forma menos elitista. Pilotar carrões superpotentes era uma das principais expressões do “ser homem” no século XX e não foi por acaso que a maior categoria do automobilismo mundial sempre foi um território do homem branco, com dinheiro para financiar suas aventuras, corajoso ou insano o suficiente para fazer isso por esporte, mas sempre percebido pela opinião pública como destemido, viril, forte e, por isso, admirável.

Era a Fórmula 1 com as neuroses próprias do seu tempo e à imagem e semelhança do homem de baixa estatura que a tornou grande: Bernie Ecclestone.

Mas o mundo mudou. Gerações passaram e vimos um piloto negro chegar ao esporte há pouco mais de uma década. Era um Lewis Hamilton tímido, inseguro de si, entrando pela porta da frente na Fórmula 1 apoiado desde a infância pelo campeoníssimo time da McLaren.

Que referências esse Hamilton tinha de seus iguais em posição semelhante a sua no passado? Em quem com uma história parecida poderia buscar referências? Quais companheiros, entre pilotos, engenheiros e mecânicos brancos poderiam comungar com ele dos códigos do subúrbio metropolitano de Londres, onde nasceu e cresceu?

Em qualquer dimensão da vida, ter referências, ouvir histórias contadas pelos seus, sentir que o seu local e a sua gente fazem parte do contexto pretendido, todos esses são fatores decisivos para novas gerações almejarem atingir um objetivo.

Para entender, basta fazer um exercício simples: teria sido factível para Piquets, Sennas, Barrichellos, Massas, Morenos e afins se imaginarem como pilotos de Fórmula 1 – esse esporte busca dinheiro em toda parte do mundo, mas que tem orgulho de ser um negócio dos europeus –  sem que antes um Landi chegasse e um Fittipaldi ganhasse, mostrando que era possível?

Enquanto você reflete, o mundo segue mudando. Ele mudou desde que Hamilton estreou. Se não tinha referências para si mesmo, o britânico tratou de as criar por conta própria. Seu vestuário fala por si e é um choque se comparado aos looks cleans de quando começou na McLaren. Se nos primeiros anos de F1 a aparência de Hamilton parecia quase um pedido de desculpas por ser negro e estar naquele lugar, à medida que foi ganhando corridas, títulos e confiança, o britânico pareceu fazer cada vez mais questão de deixar claro quem ele era.

Seu modo de abordar a Fórmula 1 também é inédito: é piloto profissional, enquanto cuida de sua marca de roupas e se reúne com seus amigos da música com inúmeras escalas nos Estados Unidos sem deixar de entregar resultados excelentes (e que também falam por si) na pista.

E, à medida faz tudo isso, ganha notoriedade, que somada a seu carisma, dá a Hamilton o status de estrela, uma estrela que sabe bem o peso que seus atos e falas têm dentro e fora da Fórmula 1. Ciente de tudo o que criou, este homem se torna um piloto-celebridade, conseguindo se equilibrar perfeitamente entre os dois universos.

Mas, ainda assim, Hamilton simplesmente “não está certo”. Tem quem encontre espaço para contestar o maior piloto da história em números, o único que venceu corridas em todas as temporadas que disputou e que é dotado de uma regularidade e constância invejáveis.

Suas roupas e seu cabelo não condizem com o de um campeão, dizem muitos, como Bernie Ecclestone, essa figura que não é um anjo. “Ele não parece um piloto de corrida”, “ele não é como Piquet ou Schumacher”, prossegue o ex-comandante da Fórmula 1, com sua habitual metralhadora semi automática de palavras.

Mas o mundo seguiu mudando e o século XXI felizmente chegou. Bernie não comanda mais a Fórmula 1. No entanto, Lando Norris ainda é criticado publicamente por fãs por não reproduzir o comportamento do machão de gangue exibido por pilotos até outro dia, tendo até sua sexualidade questionada por isso. Hamilton é tolhido pela FIA ao manifestar sua indignação pelo assassinato de Breonna Taylor, enquanto nada acontece com o assediador de mulheres Nikita Mazepin, que vai estrear na Haas sem qualquer espécie de reprimenda formal após o vídeo que registra seu abuso contra uma mulher dentro de um carro se tornar público.

E, então, precisamos voltar a Bernie. Em seu pensamento equivocado, o britânico não deixa de expor um fato incômodo: we don’t race as one coisíssima nenhuma.

Bernie nunca foi muito afeito a campanhas de marketing. O velho britânico é um dinossauro ainda vivo no campo das ideias, mas em uma coisa não errou: não há marketing que sustente um blefe. Apesar do grande empurrão que Hamilton começou a dar na modernização da imagem do esporte, não se livra em poucos anos a Fórmula 1 do rótulo – que dura décadas – de um dos esportes mais elitistas e excludentes do planeta com uma campanha de marketing bonitinha.

Entre o que a Liberty deseja que a Fórmula 1 seja e o que ela ainda é, há um abismo que a nova dona da categoria não parece saber como solucionar. E que não vai se resolver tão cedo, porque não há como correr como um só enquanto o modelo comercial da categoria continuar fazendo equipes pequenas serem totalmente dependentes de qualquer dinheiro que surja, mesmo que de origem duvidosa.

Mesmo que de um flagrante abusador de mulheres.

Falar que corremos como um só é bonito, agrada aos acionistas e patrocinadores de Chase Carey. Mas, para a frase deixar de ser só um jogo bonito de palavras, precisamos tirar Bernie do comando da Fórmula 1. Sim, ele já saiu na prática, mas o comando da categoria no plano simbólico pouco mudou. O “modus operandi” da Fórmula 1, na prática, ainda é o mesmo de Bernie, com uma carpintaria mais refinada aqui e acolá.

Mulheres, negros, pessoas LGBT+, com deficiência e todos os demais grupos minorizados são raras no ambiente da Fórmula 1. Em que momentos da transmissão a gente vê representantes desses grupos nos boxes? E nas arquibancadas?

Para que esses grupos possam, de fato, dar alguma credibilidade e levar a sério o discurso que a Fórmula 1 tenta encenar, é preciso que eles se vejam lá. Como Hamilton precisava no início de sua carreira. Nenhuma pauta identitária se faz só com frases bonitas e atos isolados como a campanha We Race As One quer nos fazer acreditar ser possível.

Enquanto a Fórmula 1 não compreender isso, nós não correremos como um só. E Bernie continuará no comando da categoria.

Este espaço é seu também

Uma pergunta que vira e mexe eu recebo é “qual curso eu deveria fazer para começar a trabalhar na área?”. Foram tantas vezes que eu até pensei em, eu mesma, criar um projeto deste tipo para ajudar essa nova geração que vejo chegando em peso especialmente de uns dois anos para cá no mundo da F1. 

Enquanto me falta tempo para levar essa ideia adiante, o mínimo que posso fazer é dar espaço. Sei que muitos de vocês já estão produzindo seu próprio conteúdo em blogs e no YouTube e é uma grande notícia. Costumo dizer que a melhor coisa que fiz na faculdade de jornalismo foi começar a trabalhar logo no segundo ano. Os grandes aprendizados não vieram na teoria.

Então, pelo segundo ano (aqui os textos do ano passado), estou abrindo esse espaço para quem tiver algo legal e diferente para dizer. Não precisa ser jornalista e não há muitas regras em termos de formato. E aí vai a primeira lição: o texto ou o vídeo vai ser do tamanho do que você escolheu como tema. Tentar alongar só para chegar num número de palavras ou tentar colocar um tema que renderia uma enciclopédia em um texto só é o começo para um conteúdo desinteressante ou vazio.

Vocês notaram que falei em vídeo: sim, o formato é livre, podendo ser em vídeo também. É só me mandar um WeTransfer da vida e, se o vídeo for selecionado, vemos onde é melhor subir.

Houve algumas dúvidas também se só vale textos sobre F1. Não, necessariamente. Mas é legal que tenha algum tipo de relação, até por conta do público-alvo do blog.

A regra mais importante é que o material seja original, e gostaria que vocês se perguntassem “o que não é feito por aí e eu gostaria de ler/assistir”?

Vamos aos dados práticos: serão 12 textos/vídeos escolhidos e o prazo é até dia 26, ou seja, o próximo sábado. Os textos ou vídeos devem ser mandados para o juliannecerasolif1@gmail.com.

E mãos à obra!

(O SC que matou a) Estratégia do GP de Abu Dhabi

F1 Pool

O GP de Abu Dhabi é daqueles que já começam sem muitas saídas para os estrategistas. Perde-se muito tempo na saída dos boxes “enjoada”, a única que em que se passa por um túnel. Mesmo com a zona de DRS dupla, é difícil chegar próximo de um carro cuja performance é parecida. Ao mesmo tempo que, por essa zona de DRS dupla começar depois de um grampo, se seu pneu estiver muito desgastado, sua tração será tão ruim que será difícil defender. E, por fim, com o asfalto liso e a corrida noturna, não é tão difícil evitar o superaquecimento e cuidar dos pneus para fazer só uma parada.

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Alguma coisa poderia mudar esse cenário? Talvez um Safety Car com umas 15, 10 voltas para o final, como aconteceu com outras corridas que pareciam decididas, como Imola ou mesmo Sakhir. Algo que gerasse a dúvida: ‘arrisco ficar com os pneus duros frios na relargada ou faço a troca?`, e respostas diferentes a essa pergunta.

O Safety Car apareceu. Mas na hora errada: dentro da janela na qual a “bola de segurança” seria entrar, colocar os duros, e só administrar até o final. O pior dos cenários para o GP que encerrou uma temporada que foi muito melhor do que isso, até porque neutralizou as jogadas diferentes – largar com os duros ou com os médios. A não ser no caso de um piloto. Mas vamos por partes.

Quando o motor novinho de Sergio Perez apresentou a mesma falha que lhe tirou o pódio do GP do Bahrein duas semanas antes, na volta 9, e logo ficou claro que seria necessária a entrada de um trator, foi a dica para as equipes de que seria um SC, e não somente um VSC, e quase todos entraram. Dos 19 pilotos que estavam na pista 14 não só fizeram a parada, como colocaram o mesmo composto. 

Então, além de Abu Dhabi ser Abu Dhabi, o SC significou que as estratégias estavam engessadas também.

Isso porque a corrida tinha começado com algumas alternativas, apesar de tudo. Os três primeiros largaram com o médio e fariam a melhor estratégia (médio-duro). A única dúvida era a respeito do ritmo da Red Bull, embora Max Verstappen tenha colocado 2s2 em Valtteri Bottas em duas voltas e a diferença não diminuiu depois disso. Quando Bottas ouviu o pedido de forçar (para ficar perto o suficiente de Max e tentar o undercut), e possivelmente visando um ataque 2 x 1, com Valtteri chamando Verstappen para o box e Hamilton fazendo o overcut, alongando o stint, o piloto da Red Bull imediatamente respondeu, mostrando que tinha ritmo.

O SC significou que não tivemos a chance de ver se a Mercedes sequer tinha condições de fazer isso. Depois que todos estavam nas mesmas posições, com Max primeiro, Valtteri segundo e Lewis terceiro, e com os mesmos pneus, as Mercedes, que aparentemente correram com uma limitação de potência por todo o final de semana, diminuíram ainda mais o ritmo e o pódio estava definido.

Mais atrás, no SC, a Ferrari tentou algo diferente com Leclerc, basicamente pela falta de opções (a explicação oficial foi evitar tráfego): ele estava com o pneu médio, mas ainda assim não parou. E terminou atrás da Alfa de Kimi Raikkonen, que se defendeu da Ferrari como se lutasse pelo campeonato. Já Vettel esteve entre aqueles cuja tática de largar com os duros perdeu um pouco de força com o Safety Car, já que ele estava atrás demais para conseguir andar sem trânsito, como esperava fazer assim que todo mundo parasse em uma corrida um pouco mais normal.

Mais na frente, Ricciardo conseguiu isso: ele era o líder entre os que largaram com os duros (Vettel e Magnussen eram os demais), então acabou se colocando em primeiro entre os que não eram Mercedes ou Red Bull após a relargada, conseguindo, assim, fazer o próprio ritmo e cuidar dos pneus. Foi parar somente com 16 voltas para o fim, caiu para sétimo e parecia, até, que poderia lutar com as McLaren no final, se os pneus deles perdessem rendimento. Mas nem isso Abu Dhabi proporciona. Talvez com um asfalto tipo o do Bahrein, mais abrasivo, a história seria um pouco diferente.

Para Ricciardo, o sétimo posto acabou de bom tamanho para quem largou em 11º, e ainda por cima em Yas Marina. Ele acabou sendo o piloto que mais avançou, ganhando quatro posições na corrida. Mas não fez nenhuma ultrapassagem de verdade: estava com ritmo melhor que o de Ocon, que recebeu ordem para abrir, e depois superou as duas AlphaTauri e Stroll só pelo ritmo que conseguiu manter quando estava correndo de cara para o vento: até o piloto que mais ganhou posições não teve uma tarde das mais animadas.

Na luta pelo terceiro lugar entre os construtores, prevaleceu a ótima classificação dos dois pilotos da McLaren – Norris em quarto e Sainz em sexto – embora Lando tenha dado sorte com o SC, já que acabou com seus pneus macios nas primeiras voltas e fatalmente teria de antecipar sua parada. Já Sainz tinha conquistado, no Q2 no sábado, a vantagem de largar com os médios, mas acabou não podendo aproveitar algo que poderia ter lhe dado o quarto lugar. Na verdade, isso é algo difícil de cravar, uma vez que Alex Albon disse que finalmente se entendeu com o carro. Ele teve a menor diferença em relação a Verstappen em classificações no ano, passou Norris no começo da corrida e, também de cara para o vento, fez seu ritmo e quase colocou pressão em Hamilton no final. Na base do antes tarde do que nunca, fez uma prova até mais consistente do que seus pódios logo no último GP.

F1 Pool

Abu Dhabi foi, ainda, a segunda corrida de Pietro Fittipaldi na F1. Ele conseguiu se colocar na briga com a Williams no começo, andando no ritmo de Magnussen com a outra Haas até o SC. Ele entrou e o companheiro, com duros, não, mas um pit stop 5s mais lento o devolveu à pista atrás de Latifi, em último. Para completar, as duas Haas sofreriam com um problema de superaquecimento, e o brasileiro seria o único a fazer três paradas – Magnussen fez duas. Ainda assim, terminou a cerca de 20s do dinamarquês e fechou dois finais de semana sem erros graves e com uma evolução sólida. Um excelente trabalho para quem não andava em uma competição de alto nível fazia mais de dois anos.

Drops do GP de Abu Dhabi: Hamilton de volta, Nikita, GP Brasil

Dizem que em time que está ganhando, não se mexe (Foto: Mercedes)

Chamou a atenção a reação de Lewis Hamilton a ter George Russell em seu carro. Na quinta-feira em Sakhir, os repórteres da Fleet Street (rua famosa por ter vários jornais diários, principalmente os tabloides) tentavam tirar de George informações sobre alguma conversa entre os dois sobre a chance que o piloto de 22 anos teria. Ficou claro que ele tentava se esquivar sem causar uma má impressão, citando uma conversa após a corrida de Imola.

Ao longo do final de semana, George disse que Lewis tinha mandado uma mensagem falando: “Cuide bem do meu carro”. Em Abu Dhabi, nada (de acordo com o próprio George). Depois, foi óbvio o esforço do heptacampeão de voltar o mais rápido possível. Imagine como seriam os meses de especulação, sem muita notícia de verdade na F1, se Russell vencesse em Abu Dhabi? Até mesmo para mostrar seu comprometimento para a equipe e patrocinadores enquanto acerta os detalhes do novo contrato, ele não daria essa chance. 

Isso, claramente sem estar totalmente recuperado, mas a equipe deixou nas mãos dele a decisão de voltar ou não. Não deve ter sido uma decisão fácil. Quem teve covid sabe que você tem, algumas vezes, a sensação de estar recuperado, até seus níveis de energia se esgotarem de uma hora para a outra. É difícil julgar.

De qualquer maneira, em Abu Dhabi, Hamilton seria perguntado sobre Russell na quinta, mas ainda estava lidando com as várias regras de Bahrein e Abu Dhabi – que foram flexibilizadas para ele, como adiantei aqui semana passada. Na sexta, só um jornalista (Will Buxton) fala com ele, por uns dois minutos, mais sobre o treino livre. No sábado, seria a primeira chance. E ele saiu em defesa de Bottas, dizendo que o finlandês o pressiona na pista e tem uma relação muito profissional com ele fora dela. E ainda deu uma alfinetada. Quando Verstappen estava falando da volta dele, jogou, do nada, um “essa pista é bem mais difícil do que a da semana passada!”. E o holandês concordou.

Hamilton estaria preocupado em perder a vaga ou todo o prestígio que construiu em oito temporadas na equipe? Óbvio que não. Num esporte contado nos milésimos de segundo, qualquer milímetro é brecha. E ele a fechou.

A temporada foi bem mais curta mas o ano foi tão “longo” que deu tempo de a McLaren ir do pedido (negado) de um empréstimo milionário na Inglaterra até a venda de ações do time para um grupo de investidores norte-americanos, a MSP Sports Capital, que também investe na NBA, MLB, ESPN, entre outros. Eles ficarão com 15% da equipe inicialmente, e chegarão a 33% das ações em 2022. 

Eles começaram o ano como uma das três equipes mais ameaçadas do grid, juntamente com Williams e Haas. A Williams acabou encontrando (também na América) um comprador, e a Haas acabou se rendendo ao investimento de Mazepin. É por isso que, quando perguntado por Andrew Benson, da BBC, de forma muito bem colocada, quais seriam as consequências para Nikita tendo em vista que “um comportamento desses levaria à demissão em qualquer empresa séria”, Guenther Steiner não tinha muito a dizer. Pilotos perderam o emprego por menos porque os patrocinadores retiraram o apoio. O papai não vai fazer o mesmo.

De qualquer forma, o silêncio da grande maioria dos jornalistas brasileiros nas mídias sociais foi notado. No mundo mais civilizado, não foi assim.

Por fim, vocês notaram que o GP do Brasil não foi confirmado pela F1? Ao que parece, o calendário de 2021 ainda está no forno (e não tem outro jeito mesmo, já que também será um ano de pandemia, com a diferença que o mundo dos eventos esportivos aprendeu a lidar melhor com ela). Sobre o Brasil, o que o governo de São Paulo tinha informado era que o contrato seria assinado após a eleição. Mas estava realmente estranha aquela história de uma negociação relâmpago, já que havia muitas arestas entre F1 e Interlagos. São estas arestas que estão sendo aparadas ainda, embora haja um acordo em princípio e o mais provável é que a corrida siga adiante. Com Austrália e China ainda com fortes restrições para quem vem de fora e a grande dúvida do Vietnã, depois de se virar para conseguir fazer 17 provas em 2020, um feito e tanto, o pessoal da Liberty não vai ter muito refresco nos próximos meses.

(Vindo do futuro para atualizar, no final das contas minha informação estava alguns dias atrasada. O contrato foi assinado logo antes do GP de Abu Dhabi. Mas de qualquer maneira havia, mesmo, arestas a serem aparadas e por isso houve esse mês a mais de negociações)

GP de despedidas

Ferrari

O GP que encerrou a temporada 2020 da Fórmula 1, e que teve vitória de Max Verstappen, foi marcado por muitas despedidas e mensagens de agradecimento. E a mais marcante acabou sendo justamente na relação que termina com mais decepções: Sebastian Vettel teve o cuidado de compor a letra de uma música, em italiano, carregá-la escrita em um papel consigo durante a corrida e cantá-la via rádio para a equipe após cruzar a linha de chegada em um melancólico 14º lugar.

A canção foi escolhida a dedo: “Azzurro”, famosa na voz de Adriano Celentano, é uma música dos anos 1960 que acabou virando quase um segundo hino italiano e é muito usada em comemorações esportivas. Na versão de Vettel, ele diz que ter gostado de estar com a “equipe vermelha apaixonada”, e que “sentir a energia do time foi uma sensação extraordinária.” Agradeceu a todos os funcionários e desejou que “sejam felizes e estejam com saúde.”

O alemão explicou por que decidiu encerrar sua carreira na Scuderia dessa forma. “Toda vez que eu tinha um bom momento com a Ferrari, por algum motivo, começava a cantar. Então achei que seria uma boa maneira: cantar pela última vez. E a música que escolhi é muito popular. Mudei a letra, então tomara que não tenha problemas com os direitos autorais!”, brincou. “Achei que era uma boa maneira de agradecer à equipe.”

A corrida de despedida depois de seis temporadas, 55 pódios, 14 vitórias e 12 poles positions foi um desenho da temporada, com Vettel largando fora do top 10, e terminando sem pontuar mesmo com uma estratégia diferente. O tetracampeão irá para a Aston Martin no ano que vem.

A despedida mais dolorosa, contudo, foi de Sergio Perez, que vai sair da equipe, que hoje é a Racing Point, para dar lugar a Vettel. O mexicano largou em penúltimo por ter trocado de motor e foi justamente a unidade de potência que falhou logo no início da corrida e fez com que a história do piloto na equipe terminasse com um abandono. E a emoção de alguns mecânicos com o resultado é fácil de explicar: todos queriam que Perez tivesse um bom resultado em sua última prova (que também pode ser sua despedida da F1) especialmente depois que o piloto foi fundamental para salvar a equipe no processo de administração de 2018.

Fora da F1 ano que vem, Kevin Magnussen e Daniil Kvyat também saíram do GP de Abu Dhabi sem pontos. O dinamarquês, penúltimo, aproveitou para dar zerinhos com a Haas e disse que estará torcendo pela equipe no futuro. E o russo agradeceu por “mais uma temporada intensa” na AlphaTauri. Ele não fez uma despedida oficial porque sua saída não foi confirmada, mas a expectativa é de que seu cockpit fique com o japonês Yuki Tsunoda.

Adeus com festa para Sainz

McLaren

Daniel Ricciardo também foi bem em sua última corrida pela Renault. O australiano, que vai ocupar a vaga de Sainz ano que vem, largou em 11º e terminou em sétimo. E de quebra, deixou uma última boa impressão na equipe: “Eu forcei muito para fazer a volta mais rápida, para que a minha última volta na Renault fosse a volta mais rápida da corrida, e consegui”.

A temporada da Fórmula 1 acabou tendo 17 etapas ao invés das 22 inicialmente previstas por conta da pandemia. Mas a categoria tem planos ambiciosos de fazer 23 provas ano que vem, começando em março na Austrália.

Turistando na F1 e 10 coisas que você não sabia sobre Abu Dhabi

Julianne Cerasoli

Não é sempre que a F1 visita lugares cuja história é mais recente que a do Brasil pós-colonização, não é verdade? O GP de Abu Dhabi é um dos poucos exemplos, como a corrida em Melbourne ou Austin, por exemplo. Ao mesmo tempo, é um lugar bem diferente, embora o prefeito de Cabo Frio tenha feito lá suas comparações!

Já falei por aqui dos pratos, de como é o clima do lugar e quanto sai ver uma corrida no GP que tem o ingresso básico mais caro de toda a temporada. Agora vamos de curiosidades no encerramento da quarta temporada do Turistando.

Enquanto Dubai é o mais conhecido dos emirados, Abu Dhabi é o mais raiz, e muito mais antigo. O local se tornou parada de beduínos na segunda metade do século XVIII, quando Dubai, que é mais ao norte, sequer existia. Os dois lugares evoluíram no final do século XIX devido ao comércio de pérolas, mas depois decaíram. Só voltaram a crescer depois da descoberta do petróleo. Em Abu Dhabi, isso ocorreu em 1958 e em Dubai, oito anos depois. Aliás, Abu Dhabi não é em Dubai, nem Dubai é em Abu Dhabi. Ambos são emirados, que fazem parte do país chamado Emirados Árabes Unidos. São sete no total e Abu Dhabi é, de longe, o maior deles. Porém, muito de sua área é desértica.

Mas quanto petróleo existe por lá? Abu Dhabi tem 23 VEZES mais petróleo que Dubai. Na verdade, pode até ser mais porque, no final de novembro, eles descobriram o equivalente a 22 bilhões de barris, o que é bem mais do que o Brasil tem no total. No ritmo atual de consumo e não descobrindo mais nada, eles terão petróleo por mais 150 anos pelo menos.

Numa sociedade cuja riqueza vem do petróleo, quem diria que Abu Dhabi terá uma cidade com capacidade para 40 mil pessoas, 100% sustentável? O projeto era para 2025 e está atrasado devido à covid, mas mostra bem como esses países ricos do Oriente Médio estão dando uma repaginada na imagem – basta ver como a Arábia Saudita passou a se abrir para eventos ocidentais: essa “cidade do futuro”, chamada Masdar vai ter 220.000m2 e terá painéis solares gerando 17000 horas de megawatts por ano, o que é mais que o suficiente para uma cidade dessas dimensões. Além de petróleo, sol não falta por lá, afinal.

Falando em novas cidades dentro do emirado, a cada ano que voltamos para o GP, há algum empreendimento diferente. Quando a ilha artificial de Yas foi feita para ter a pista de F1 e o parque Ferrari World, não havia mais nada, só um ou outro hotel nas redondezas. Hoje há um shopping gigantesco, o Yas Mall, um parque aquático, outro da Warner Bros e inúmeros condomínios. Foram gastos 40 bilhões de dólares na ilha.

Falando no parque da Ferrari, vou colocar um item aqui que não tem a ver com curiosidades de Abu Dhabi em si, mas é de alto teor cômico. Não poderia deixar esse vídeo morrer. Repare aos 25s, quando o Alonso, além de estar odiando o maldito evento promocional, ainda perde tudo o que tinha no bolso! 

A gasolina é muito barata – menos de 60 centavos de dólar. Então por que não gastar dinheiro na placa do seu carro? A mais cara do mundo é lá de Abu Dhabi: custou 14.3 milhões de dólares para um cidadão ter a placa simplesmente com o número 1. E nada mais.

Nas quatro oportunidades em que estive em Abu Dhabi, notei uma grande quantidade de taxistas somali nas ruas por lá, atraídos pela possibilidade de ajudar financeiramente suas famílias (ainda que quase todos com que conversei odiarem o lugar) ao mesmo tempo em que vivem em um lugar em que religião e costumes não são tão diferentes dos seus. Mas a grande maioria dos imigrantes de lá vem principalmente da Índia e do Paquistão. São eles que levantam os arranha-céus dos emirados, muitas vezes em condições péssimas de trabalho. Os imigrantes, inclusive, são 20% da população do país, uma das maiores porcentagens do mundo. 

Dá para ir na praia em Abu Dhabi, de biquíni, no estilo ocidental. Mas não em qualquer lugar. Uma opção são os próprios hotéis, que têm praias particulares, ou na praia pública, em que há algumas regrinhas. Por exemplo: há uma área reservada para mulheres e crianças, em que homens só podem entrar acompanhados de mulheres. E já fiquei em hotel por lá em que eu tinha de cobrir pelo menos os ombros o tempo todo e em que as piscinas e academias eram separadas entre homens e mulheres. Lá dentro, elas treinavam com roupas como as que usamos no ocidente, mas só saíam para as áreas comuns com abayas, geralmente pretas. Mas era um hotel que servia como clube para os militares, então era mais conservador.

Essa sou eu tentando tirar foto da enorme e maravilhosa mesquita

Falando em vestimentas, costumo matar tempo em aeroportos no Oriente Médio tentando aprender mais sobre elas. Com o tempo, dá para tentar adivinhar de onde vem a pessoa de acordo com como ela cobre a cabeça, as cores usadas, etc. No caso dos homens emirati, geralmente é tudo branco – aliás, é um grande mistério como tudo fica tão limpo no meio de tanta areia! – até mesmo a ghutra ou keffiyeh (o tecido que vai na cabeça para proteger do sol e da areia). Já a maioria das mulheres usa apenas o hijab (cobrindo o cabelo), mas algumas cobrem, com preto, o cabelo e o rosto, deixando os olhos de fora (geralmente com muita maquiagem). A burca mesmo (que é sempre de um tom mais claro de azul, com tipo uma renda que cobre o rosto) devo ter visto uma ou duas vezes em aeroportos, já que é vestimenta afegã e bem rara nessa região.

Abu Dhabi é famosa por ter caixas eletrônicos de ouro. É isso mesmo. Você paga no cartão ou com dinheiro, e sai com uma barra de ouro. Hoje há outras cidades, como Londres, que têm o serviço, mas ele começou lá nos emirados há cerca de 10 anos. Eu nunca vi – elas não devem estar nos lugares que freelancers frequentam!

Estratégia do GP de Sakhir e como Perez ganhou saindo de último

“Depois da sexta-feira, já sabíamos o que fazer”. Ir para o GP de Sakhir já tendo decidido fazer uma parada foi fundamental para o resultado da Racing Point, como explicou Sergio Perez. O foco era pontuar mais do que as rivais diretas na luta pelo terceiro lugar entre as equipes. A vitória (e o pódio duplo para o time) foi o resultado de uma série de circunstâncias – uma delas, inclusive, que ao mesmo tempo atrapalhou e facilitou a própria vitória do mexicano.

Ao final da primeira volta, ele se viu em último lugar, após toque com Charles Leclerc, pelo qual o monegasco foi punido com a perda de três posições no grid do GP que encerra a temporada. Foi um lance que acabou tirando um rival da Racing Point (o ferrarista) e um piloto que teria um ritmo muito maior (Max Verstappen, que não encontrou aderência do lado de fora da pista para controlar seu carro), e fez com que Perez pudesse usar a melhor estratégia da prova: fazer o primeiro stint com os médios e o segundo com os duros. E também fez com que, no fundo do pelotão, ele conseguisse adotar um ritmo tão rápido quanto o grupo do meio, enquanto todo mundo estava limitado um pelo outro, atrás do trenzinho de Sainz. Então, antes mesmo de as paradas começarem, na volta 26 (desconsiderando a parada antecipada de Norris), ele já estava em nono e tinha perdido só 11s em relação a Sainz.

Como a Racing Point já entrou na corrida decidida a fazer apenas uma parada, isso significava que o time sabia, naquele momento, que estaria na frente de todos os que parariam duas vezes. Restava saber quem eram eles. Albon e Ocon eram os grandes candidatos, já que tinham largado, fora do top 10, com pneus médios: Perez tinha passado Albon e Ocon estava logo à frente dele. Em sexto, Stroll estava tentando a mesma estratégia de uma parada, mesmo tendo largado com os macios.

Foi então que os carros começaram a sair da frente das Racing Point: Sainz, Ricciardo, Gasly, Kvyat estavam, como esperado, numa tática de duas paradas. Na volta 40, Stroll liderava a corrida do meio do pelotão e era terceiro na pista, com Ocon atrás e Perez em “terceiro”. O mexicano, então, estendeu seu stint.

Quando voltou à pista, com pneus seis e cinco voltas mais novos que seus rivais, passou Stroll e Ocon e se colocou em terceiro na corrida de verdade e em primeiro na corrida do meio do pelotão. De motor mais velho mesmo (já que o novo quebrou no GP do Bahrein e a opção do time foi por usar um velho e não levar punição), e com o assoalho também antigo.

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Estamos na volta 61 de 87: lá na frente, George Russell vivia uma corrida dos sonhos. Mesmo sem estar totalmente adaptado ao carro, cuja frente é tão presa, gerando tanta aderência, que ele até tinha dificuldade de saber como contornar as curvas da melhor maneira, o fato de ter tomado a ponta na primeira curva tinha o colocado na melhor situação possível. Poderia ditar o ritmo, o melhor cenário para cuidar dos pneus e ganhar de ponta a ponta logo na sua primeira oportunidade numa equipe grande, como Max Verstappen também conseguiu, embora num contexto um pouco diferente.

A Mercedes fazia a melhor estratégia para corrida, e a mais segura também: médios no primeiro stint, duros no segundo para ir até o final sem sustos, usando o único jogo de pneus novo que tinha à disposição para ambos os pilotos. Bottas estava apostando no ritmo com pneu duro, que sabia ser melhor que o de Russell, então ficou mais tempo na pista com os médios, planejando dar o bote nas voltas finais, com borracha mais nova. 

Quando Jack Aitken, ironicamente, no carro de Russell, tocou no muro e perdeu a asa dianteira, trazendo um Safety Car para a pista, o inglês liderava com 5s de vantagem para Bottas, e a dupla da Mercedes tinha 40s de vantagem para Perez. Não havia muito o que pensar: 5s era tempo suficiente para fazer uma parada dupla e, mesmo se houvesse algum atraso com Bottas, a dobradinha estava garantida tamanho a vantagem para o terceiro. Ficar na pista com os duros e arriscar que eles perdessem temperatura atrás do SC, prejudicando os pilotos na relargada, não fazia sentido algum. E eles sabiam que seria um SC longo, já que sete retardatários tinham voltas para recuperar. Para Perez e Ocon, que também estavam com os duros, isso significaria perder posição de pista, então a decisão foi arriscar não parar (no caso de Perez, era uma decisão ainda mas fácil, depois que o time tinha perdido um pódio em Imola justamente por cometer exatamente este erro).

No pitwall da Mercedes, os dois lados da garagem foram avisados para trazer os pneus médios para as paradas. Mas George estava falando com o engenheiro no mesmo momento em que a mensagem foi passada para os mecânicos, que não ouviram o primeiro chamado. Parece ser mais um exemplo (assim como o que ocasionou o chamado a Hamilton em Monza, com o pitlane fechado) de um sistema mal implementado na Mercedes, já que uma mensagem não deveria influir na outra.

Com esse atraso, foram os pneus de Bottas que chegaram primeiro. Russell fez a parada normalmente, e só quando Bottas estava trocando seus pneus o mecânico do dianteiro esquerdo parece ver que está colocando o pneu com a inscrição lateral de GR no carro de VB. A única solução é recolocar os duros usados no carro de Bottas e chamar Russell de volta aos boxes para que ele use seus pneus, e não os do companheiro.

Isso, geralmente resultaria em uma exclusão do resultado do piloto, mas a FIA usou o bom senso e aplicou a mesma linha de pensamento de quando compostos diferentes são misturados numa parada: se o time reverter em menos de três voltas, não há punição esportiva. E levou em consideração que foi um erro, que prejudicou o resultado da equipe, e não algo intencional.

Mesmo assim, a corrida não estava perdida para Russell. Com duas paradas sob o SC, ele estava em quinto, atrás de Bottas, que se apoiou no fato de estar com os pneus duros frios para se render. Que ele seria mais lento que Russell na relargada, era claro, mas a maneira como teve 18 voltas para reagir com o melhor carro do grid (e os mesmos compostos de Perez e Ocon lá na frente) e terminou só em oitavo dá a medida do quão entregue ele está. Bottas definitivamente é um piloto melhor do que tem sido de metade do campeonato para cá.

Começou a parte impressionante do fim de semana de Russell: mesmo com toda a decepção, ele não tirou os olhos da vitória, nem estava esperando chegar na curva 1 para fazer ultrapassagens, e em cinco voltas tinha pulado para segundo e estava à caça de Perez. Mas talvez sua própria agressividade nas manobras tenha feito com que ele pegasse algum detrito no pneu, que causou uma perda lenta de pressão, algo não raro para a Mercedes neste ano (que o diga Bottas!). Voltou em 15º com oito voltas para o fim e chegou em nono, com a volta mais rápida da prova.

Como 2020 não é o ano dos contos de fadas, no alto do pódio Perez vibrava sem saber se essa seria sua última chance de vencer na F1, e Russell lamentava os primeiros pontos que tanto perseguiu na categoria.

Drops do GP de Sakhir da despedida de Grosjean à ascensão de Russell

“Fiquei decepcionado que vocês não me recepcionaram com um arco de fogo”, brincava Romain Grosjean, de volta ao paddock na quinta-feira, quatro dias depois do terrível acidente do GP do Bahrein. Ele tinha algumas missões por lá. Queria, obviamente, encontrar o médico e o piloto do carro médico que ajudaram no seu resgate, assim como o bombeiro que veio correndo do outro lado da pista  e que conseguiu abrir um buraco no fogo para que o Dr. Ian Roberts pudesse ver onde ele estava.

Mas havia outras missões, pelo que ele disse, dadas pelo grupo de psicólogos que o acompanha há 8 anos: ir no cockpit da Haas, tentando se colocar mentalmente no lugar onde achou por alguns segundos que morreria. Disse não ter sentido nada de estranho. 

A segunda era contar o maior número de vezes possível e com a maior quantidade de detalhes possível tudo o que sentiu e tudo por que passou naqueles 28s e logo depois de emergir das chamas. Essa é a recomendação para que ele já comece o tratamento para o estresse pós-traumático. Ele achava importante correr em Abu Dhabi e pelo menos cruzar a linha de chegada, mesmo lá no fundo do grid com a Haas, ao invés de ter as cenas de horror do Bahrein como suas últimas lembranças da carreira na F1. 

Isso porque a mente de pilotos de corrida não funciona como qualquer outra. Quanto pior o acidente, mais rápido eles querem voltar para provar que não perderam aquela pitada de insanidade imprescindível para fazerem o que fazem da vida. Mas ele entendeu que não fazia sentido correr o risco de agravar a situação das suas mãos, talvez até para sempre, só para se arrastar no fundo do grid mais uma vez com a Haas.

Outro nome do final de semana foi George Russell. O clima era como quando Hamilton estreou, Leclerc foi para a Ferrari, Verstappen apareceu no meio da temporada na Red Bul: um cara de quem se espera muito tendo a chance de andar no melhor carro do grid. A Mercedes garantiu que a abordagem foi a mais pragmática possível: se Bottas estivesse fora, Russell seria colocado frente a frente com Hamilton. O importante era dar a ele essa experiência.

E ele também sabia que estava sendo observado. Em nenhuma entrevista, em nenhum rádio, houve qualquer deslumbre. Ele agiu como se pertencesse desde sempre à equipe. Ou tentou, pelo menos, entre uma pergunta e outra de “onde fica isso”? George tem aquele ar que fica entre o determinado e o convencido que muitas vezes faz a gente esquecer que ele só tem 22 anos.

E Hamilton, volta?

Mas, enquanto trabalhava para deixar o pupilo o mais confortável possível – algo difícil para alguém um pouco grande demais para o carro – o time também focava em tentar a liberação de Hamilton que, ao que tudo indica, pegou covid em Dubai. Pelo que sei dos procedimentos bastante rígidos dentro dos quais Abu Dhabi aceitou receber a F1, Hamilton só corre por lá se as regras não valerem para ele.

Em teoria, todos têm esta segunda-feira para voar para Abu Dhabi, usando apenas voos fretados ou jatinhos. E só é permitido voar apresentando ou quatro testes negativos em sequência ou tendo estado no Bahrein dentro da bolha da Fórmula 1 por pelo menos sete dias (obviamente, sem apresentar testes positivos). O que a Mercedes tenta é que Hamilton entre com um teste negativo e mais para o fim da semana. Ou seja, com regras que só valem para um heptacampeão do mundo.

Um GP de estreias

F1 Pool

Foi um domingo de primeiras vezes no que também era a estreia de um traçado diferente no anel externo do circuito do Bahrein. A primeira vitória de Sergio Perez veio para coroar a melhor temporada da carreira do mexicano, que ainda está a pé para o ano que vem. O primeiro pódio de Esteban Ocon vem num momento importante para o francês, que busca se firmar em um time que terá Fernando Alonso na próxima temporada dando as cartas. A primeira corrida dominante, até a confusão da Mercedes no pit stop, de George Russell, um piloto de que se espera muito. E a estreia do brasileiro Pietro Fittipaldi na Fórmula 1.

Essa vitória de Perez veio com mais de oito anos de “atraso” e deixou o piloto, em suas próprias palavras, em paz consigo mesmo. Perez chegou muito perto de vencer o GP da Malásia de 2012, quando corria pela Sauber, que usava motores Ferrari. Nas voltas finais, ele vinha muito mais rápido que o líder Fernando Alonso, então na Ferrari, e a ultrapassagem parecia uma questão de tempo. Até que ele se desconcentrou e errou. Pouco antes, tinha recebido uma mensagem via rádio para que pensasse no pódio (“precisamos dessa posição”), o que foi interpretado na época como uma tentativa de ordem para não passar Alonso.

Porém, como Perez já tinha mostrado, desde sua estreia, na Austrália em 2011, que cuidava muito bem dos pneus Pirelli, sua primeira vitória era tida como uma questão de tempo. Ainda mais quando ele substituiu Lewis Hamilton na McLaren em 2013. Mas o time caiu de produção, Perez foi muito mal durante aquele ano e perdeu o que seria sua grande chance em um time grande, não tendo o contrato renovado ao final do ano. Voltou ao meio do pelotão, pela Force India, que hoje é a Racing Point, e conquistou seis pódios para o time antes da vitória em Sakhir.

Na verdade, seriam três pódios seguidos, não fosse o estouro de motor nas voltas finais da corrida do último domingo, o GP do Bahrein, quando ele era terceiro. Se a Racing Point recuperou o terceiro lugar no mundial de construtores e vai para a etapa final com 10 pontos de vantagem para a McLaren, deve muito ao piloto que dispensou para dar lugar a Sebastian Vettel ano que vem.

Ironicamente, Perez se colocou em posição de aproveitar a lambança da Mercedes depois de um toque que o jogou para o fundo do pelotão na primeira volta, mas que tirou dois rivais – Max Verstappen e Charles Leclerc – do caminho e permitiu que ele colocasse os pneus médios e otimizasse sua estratégia de uma parada. Assim, ele escalou todo o pelotão e era o terceiro quando Jack Aitken causou um Safety Car na volta 54.

O cartão de visitas de Russell

Até ali, a corrida era, pela primeira vez, de George Russell. Acostumado às vitórias nas categorias de base, o britânico amargara a rabeira do grid por quase duas temporadas inteiras na Williams, ou pelo menos até ter a chance de pilotar o carro de Lewis Hamilton no Sakhir. Largou bem e tomou a ponta, controlou o ritmo e parecia fazer o mesmo que Max Verstappen: vencer na estreia por um time grande, mesmo com o campeonato em andamento.

Mas uma parada desastrada da Mercedes, cujos mecânicos não perceberam que os pneus de Russell não estavam preparados e calçaram os de Bottas no lugar, começou a complicar sua tarde. Ele caiu para quinto, mas vinha escalando o pelotão quando teve um furo no pneu e teve de parar pela quarta vez. Ainda assim, conquistou seus primeiros pontos na F1, com o nono posto e o ponto extra pela volta mais rápida.

Deu seu cartão de visitas para a Mercedes e, perguntado se achava que tinha causado um problema para Toto Wolff definir sua dupla de pilotos em 2022, respondeu. “Ou talvez até mais cedo”. O obstinado britânico de 22 anos quer a vaga de Valtteri Bottas já para o ano que vem, ainda que a Mercedes garanta que não vai mudar.

Foi a primeira vez, também, de Esteban Ocon no pódio. Ele vem perdendo nas classificações para o companheiro Daniel Ricciardo por muito pouco, e desta vez essa foi sua sorte: fora do Q3 e se classificando em 11º, ele teve a chance de escolher o pneu com que largaria, fez a primeira parte da prova com os médios, e conseguiu fazer uma parada a menos que os rivais. Foi um pódio, inclusive, no estilo Sergio Perez, e que lhe dá confiança para enfrentar Fernando Alonso na Renault em 2021.

Aprendizado para Fittipaldi

E também foi uma boa estreia para Pietro Fittipaldi. Ele sentiu na pele algo sobre o que ouviu os pilotos titulares da Haas reclamarem o ano todo: o carro sofre demais com a turbulência de outros carros, fica muito instável nas freadas. Largado em último, ele conseguiu acompanhar Kimi Raikkonen na primeira parte da corrida, e depois que começou a levar uma volta dos líderes, se distanciou um pouco do pelotão com a outra Haas, as Alfa Romeo e as Williams.

No final, com o Safety Car, teve outra chance de encostar e ficou em uma briga com Aitken, mas faltou velocidade ao motor Ferrari. No geral, uma estreia do jeito que ele queria: chegando até o final, sem erros, e com muito aprendizado para ser usado na segunda chance, em Abu Dhabi, já no próximo final de semana.

Estratégia do GP do Bahrein e a tática engessada pelo SC

F1Pool

É até difícil lembrar que houve uma corrida depois do terrível acidente de Romain Grosjean, que encheu o guard rail em plena reta em um ângulo e velocidades tão incomuns que abriu um buraco na proteção, fazendo com que a parte de trás do carro se soltasse, expondo o tanque de combustível e gerando um incêndio como há muito, mas muito tempo não se via na F1. Foi um daqueles lances de largada em que os pilotos vão tendo de tirar para o lado, dividir freada no meio do pelotão, e um vai tirando mais o pé que o outro, e decidindo para que lado tirar. Lá atrás, Kimi Raikkonen tirou para o lado esquerdo, onde não tinha ninguém, e Grosjean escolheu o direito, sem ver que Daniil Kvyat estava ali. E o que se passou foram cenas incríveis do francês escapando do fogo e do meio do guard rail apenas com queimaduras nas mãos.

Isso quis dizer que a corrida, mesmo, só começou mais de uma hora depois, na segunda largada, com um grid um pouco diferente, já que a direção de prova levou em consideração a classificação de quando os pilotos passaram pelo último mini setor de cronometragem antes da bandeira vermelha. Então o GP do Bahrein finalmente começou com Hamilton, Verstappen, Perez, Bottas, Albon, Ricciardo, Norris, Ocon, Gasly, Vettel. Gasly apostava nos duros, assim como Leclerc, 12º, enquanto Sainz, sem muitas opções depois que uma falha no freio fez com que ele acabasse com um jogo de médios, ia de macios.

A bandeira vermelha não tinha mudado muito o desenho da estratégia: os pilotos largaram com a ideia de fazer duas paradas, evitando ao máximo o pneu macio, que se desgastava rapidamente. E os carros mais rápidos não descartavam fazer até três paradas se isso significasse ficar mais tempo de cara para o vento.

Mas as chances de fazer uma estratégia de três pits funcionar acabaram quando, na relargada, Kvyat foi otimista para cima de Lance Stroll, que capotou, provocando a entrada do Safety Car. A corrida só recomeçou na nona volta, o que significava que o pelotão não abriria os espaços necessários para alguém tentar arriscar fazer três paradas.

Esse alguém que estava estudando adotar a tática era Max Verstappen. A ideia era driblar a Mercedes, até levando o primeiro stint próximo do que seria o ideal para fazer duas paradas (lá pela volta 20), mas depois antecipar o segundo pit e ver se Hamilton seguiria a tática de Max. Mas tudo ficou no ‘se…’ porque o pelotão ficou tão compacto que os pneus dos ponteiros acabaram antes mesmo que se abrisse um buraco, e a Red Bull teve que parar Verstappen na volta 20 mesmo com ele voltando no tráfego, respondendo o pit stop de Hamilton na volta anterior, mesmo com ele voltando no tráfego.

Nas primeiras paradas, houve estratégias diferentes entre as equipes: uns (como Hamilton) colocando os médios e outros (como Verstappen) preferindo os duros. Isso dependia de quantos jogos tinham sido guardados ao longo do final de semana, mas não fez muita diferença: o rendimento e a duração dos médios e duros se mostraram bastante semelhantes, o que fez com que Verstappen até ensaiasse um ataque no começo do segundo stint, mesmo estando com o composto, em teoria, mais lento, mas Hamilton logo respondeu e mostrou que tinha ritmo sobrando. Mais uma vez, coube a Verstappen maximizar o que era possível para a Red Bull. Quando Hamilton respondeu ao ataque de Max sendo 0s3 mais rápido na volta 26, e 0s5 na 27, as duas primeiras posições da corrida estavam definidas.

Um pouco mais atrás, Sergio Perez fazia uma corrida solitária. Com cinco voltas para o final, tinha 5s de vantagem para Alex Albon e até já tinha pedido para a equipe acordar, de tão solitário que estava no carro. Mas seu motor o deixou na mão, e a Racing Point saiu zerada do GP do Bahrein, e ainda viu a McLaren pontuar muito bem com um quarto e quinto lugares.

Isso porque, mais uma vez, a equipe e os pilotos deram show de execução. Originalmente, Norris largava do fim do top 10, Sainz só em 15º e tendo de usar os pneus macios no começo da prova. A atuação do espanhol foi magistral, levando o pneu, que não durou por mais de 4 voltas nos treinos livres, até o 21º giro. E mais, passando Vettel, Gasly, Ricciardo e Leclerc no meio do caminho. Após as primeiras paradas, já era o sétimo. E logo passou Ocon também. A McLaren optou por sempre parar seus pilotos depois dos rivais diretos, então eles perdiam posições por conta do poderoso undercut, já que quem parava antes conseguia um ritmo muito mais forte na volta à pista, mas recuperavam na pista. E foi por isso que vimos duelos bacanas entre o espanhol e seu futuro companheiro Leclerc. Como a Ferrari, a Renault buscou o undercut nas paradas, e viu as duas McLaren terminarem na frente – e é fato que Ocon e Ricciardo encontrarem-se na pista tantas vezes, um segurando o outro, não ajudou em nada o resultado do time francês.

Mas o grande temor das equipes do meio do pelotão era que alguém tentasse parar uma vez a menos. E foi essa a tática da AlphaTauri com Pierre Gasly, aproveitando a bandeira vermelha para um pneu duro novo. Isso abriu a possibilidade de fazer só uma parada especialmente depois do Safety Car, mas era claro que segurar-se no final seria difícil. Mais um Safety Car, causado por Perez, no final, salvou a pele de Gasly, e a aposta gerou um sexto lugar.

Se a sorte esteve com o francês, abandonou completamente Valtteri Bottas. Depois da largada ruim, ele teve um furo no pneu logo no reinício da prova, e depois outro. Foram tantas paradas que a Mercedes ficou sem pneus para trocar! Ele só tinha dois jogos de pneus médios, ambos já usados, e como o dianteiro direito tinha furado, quando eles tiveram que voltar a usar esse primeiro jogo depois do segundo furo, não tinham como trocá-lo. E lá foi Bottas com três semi-novos e um pra lá de usado até o fim, se arrastando até o oitavo lugar enquanto seu companheiro vencia novamente.