A transmissão da Globo já começa com uma mensagem negativa, de que não se ultrapassa em Abu Dhabi, mesmo que essa tendência dos dois primeiros anos tenha se invertido com os pneus de alta degradação e o DRS. Mas o pessimismo dá o tom de um total clima de fim de feira, ainda mais para os espanhóis, em sua última transmissão. A partir do ano que vem, o país só terá F-1 na TV a cabo.
O tom melhora momentaneamente com uma animada primeira volta. “Hamilton tem de se defender de Perez, que acaba perdendo para Raikkonen. Que largada incrível para Rosberg, que pula em primeiro. São faíscas e carros para todo lado na primeira volta!”, se empolga o britânico David Croft.
“Já sobrou gente lá fora e me deu a sensação de ser os dois carros da Lotus. O Felipe vem passando o Bottas, que largou muito mal, tenha cuidado aí que você tá por fora, Felipe! Partiu com vontade o Felipe Massa”, narra Galvão Bueno, enquanto o protagonista de Antonio Lobato, na espanhola Antena 3 é outro: “Carlos atacando Kvyat, quase se tocando. Carlos foi para cima! Massa agora ataca Kvyat e eles podem tocar em Carlos!”, se preocupa. “A temporada já acabou, mas isso aí é por orgulho pessoal. Primeira volta sensacional, muito agressiva”, celebra o comentarista Martin Brundle. “Aconteceu um pouco de tudo. Menos na parte da frente, porque Rosberg largou como um foguete”, resume Pedro de la Rosa.
Os espanhóis, assim como os ingleses, logo veem que o acidente na primeira curva, na verdade, foi entre Maldonado e Alonso. “Não vejo Fernando, não vejo Fernando, não vejo Fernando…”, Lobato fica aflito porque o piloto demora a passar nos primeiros setores. Afinal, tem danos na asa dianteira.
No replay, a cena é clara para o narrador asturiano. “É o Nasr que o toca.” Julgando a batida como um incidente de corrida, o comentarista Cristobal Rosaleny explica que “Alonso quis ir por fora, claro, para ter um traçado melhor na curva, mas Nasr estava ali.” É uma visão parecida de Croft. “Observem que Nasr bate no Alonso e daí ele é jogado para cima do Maldonado. Não foi culpa dele.”
Na Globo, Galvão destaca que “dessa vez foi Alonso que deu no meio do Maldonado”, pois inicialmente já estava culpando o venezuelano mesmo antes de ver a batida, mas foi Luciano Burti quem chamou a atenção para o contato inicial. “Acho que foi o Alonso quem tocou com o Nasr, que virou um sanduíche. Não foi culpa dele [no caso, do brasileiro].” E Reginaldo Leme define: “Alonso teve culpa nos dois incidentes, porque fechou o Nasr e depois perdeu totalmente o carro.”
Os comissários concordam e punem o espanhol. “Realmente, acho que não viram muito bem a transmissão. Me parece excessivo. Acho que eles não viram o incidente anterior”, reclama De la Rosa. “Coitado de quem tiver de contar a Fernando que ele tem um drive through”, diz Lobato.
O narrador passaria por outro susto, quando Bottas é liberado nos boxes em cima de uma McLaren. “Uuuui, é Fernando!” Calma, Lobato, era Button, que acabou não sofrendo muitos danos. Quem levou a pior foi Bottas, que fez a volta inteira com a asa dianteira quebrada e ainda levou uma punição. “O piloto não vê nada, quem tem culpa é quem liberou porque a McLaren tava muito perto”, explicou Burti. “Eu estava aqui no box da McLaren. Pareceu uma chuva de confete preto de fibra de carbono”, descreveu o repórter Ted Kravitz.
Com o desenrolar da corrida, Galvão passou a divagar sobre a recente boa forma de Rosberg, que liderava com tranquilidade. “Será que o Rosberg, sem pressão, consegue mostrar que é um grande piloto? Mas grande piloto é quem mostra isso sob pressão.” Para Lobato, é um caso de “a buenas horas, mangas verdes”, expressão espanhola que se refere a algo que foi muito esperado, mas que só acontece quando já não vale nada.
Logo a estratégia de Vettel, que largou em 15º e aparecia em terceiro depois que todos fizeram a primeira parada, menos ele, começa a chamar a atenção. “Será que ele vai parar só uma vez?”, pergunta Galvão. “Acho que ele vai fazer duas paradas, mas vai colocar o supermacio na parte final”, responde Burti. Para os ingleses, o tipo de estratégia que piloto da Ferrari vai utilizar está claro desde o início, mas “a grande questão é onde Vettel vai terminar. Raikkonen está fazendo um bom trabalho e acho que vai ser difícil para ele chegar no pódio. Está bem para um quarto lugar, no entanto”, avalia Kravitz. Já o foco dos espanhois a essa altura era Carlos Sainz e sua estratégia para pontuar.
Na briga entre os líderes, Rosberg começa a perder terreno em relação a Hamilton. Para Burti, o vilão é o graining. “O carro do Rosberg não se adaptou bem às condições da pista, o que é uma das consequências que podem acontecer quando se tem uma variação de temperatura. E não é só ele, porque vemos na reta a quantidade de pedaços de pneu.”
Para os ingleses, a distância maior que o normal do primeiro stint pode ter sido uma tática de Hamilton. “Será que Hamilton estava economizando seu carro e combustível para atacar depois? Espero que sim”, diz Brundle. “Foi o que ele não fez no Brasil, ficou perto demais e acabou com seus pneus”, observa Croft. “Também, se Rosberg não está economizando motor nesta fase da corrida, teremos uma disputa.”
O tom das previsões logo muda quando Rosberg faz seu segundo pit stop e Hamilton segue na pista. “Vão dar o direito a ele de fazer estratégia diferente”, explica Burti. “Mas daí não vai dar certo”, retruca Galvão, observando os tempos. O narrador brasileiro acredita que a intenção é Hamilton andar forte para andar na frente. Mas o plano em tempos de undercut, claro, não é esse.
“Vai ser uma corrida decidida na última volta porque, se Hamilton está demorando a parar, é porque está pensando em se aproveitar do desgaste do pneu de Rosberg no final da corrida. Eles poderiam esperar até 15 voltas para o final e ele colocaria os supermacios. Não acho que vai acontecer, mas podemos sonhar”, avalia De la Rosa. E Brundle concorda. “Se eles não colocarem os supermacios quer dizer que eles não estão permitindo que ele dispute com Rosberg, mas sim que eles estão se defendendo da Ferrari. Se não for para colocar supermacios, não faz sentido.” Galvão é outro que também passa a pedir o pneu supermacio.
Em determinado momento, os britânicos se perdem e começam a achar que a tática é, na verdade, parar três vezes com ambas as Mercedes, o que faria pouco sentido para Hamilton àquela altura. Afinal, faltavam 17 voltas e o inglês só fizera uma troca.
Quando Vettel para pela última vez e, como programado, coloca seu supermacio com 15 voltas para o fim, Brundle, voltando à Terra, questiona: “Será que os supermacios vão durar 15 voltas? A informação de Vettel é importante para a Mercedes, mas Hamilton já está perdendo muito tempo ficando na pista agora.”
O inglês permanecia porque queria ir até o final com o mesmo jogo de pneus e questionava o engenheiro, que dizia para o inglês que eles manteriam o plano inicial. “Ele teria que fazer 44 voltas, por isso que o engenheiro está falando que é impossível”, Brundle faz as contas. “Acho que eles, no momento, nem sabem qual é o plano”, De la Rosa joga a toalha, já cansado de fazer os cálculos e ver que Hamilton estava perdendo tempo demais para poder atacar no final.
Isso, até que, enfim, o tricampeão para. E coloca pneus macios, para a irritação de todos. “Achei que Hamilton poderia até desafiar a equipe e seguir na pista, mas acho que isso criaria um problema tão grande que não valeria a pena”, diz Kravitz. “Vai dar problema porque não acho que ele vai conseguir ir atrás do Rosberg com esse pneu macio”, crê Galvão.
A frase definitiva, contudo, é de Brundle: “Eles demoraram muito para parar e deixaram Hamilton com muito trabalho para fazer.”
Os ingleses, contudo, entendem a reação da equipe. Dos boxes, Kravitz informa que a Mercedes não colocou supermacios no carro de Hamilton por medo de ter graining. E Croft racionaliza. “Isso é crítico para a equipe. Eles não podem dar uma estratégia pior para quem fez um trabalho melhor na classificação.”
E quem fez um trabalho melhor foi Rosberg, que venceu a terceira seguida. “Ele mudou e está com o mindset certo. E talvez o contrário tenha acontecido com Lewis”, avalia Brundle. “ Ele fez tudo certo no final da temporada. Só que tem de fazer o mesmo enquanto estiver na luta pelo título”, completa Croft. “Bacana de ver essa disputa dentro da Mercedes, com o Rosberg ficando forte novamente. E também é legal ver a Ferrari mais próxima, lembrando que a gente também espera a Williams mais forte para ano que vem”, finaliza Brundle.
De la Rosa destaca a grande temporada da Ferrari, com boas perspectivas para o futuro “porque eu não vejo, a curto prazo, nenhuma equipe, a não ser Ferrari e Mercedes, com condições de lutar pelo mundial”. Mas logo a emoção pela última transmissão da emissora – e de Antonio Lobato como narrador da Fórmula 1 – toma conta. “Obrigado por me fazer gostar de algo que eu não achava que iria gostar, que é comentar as corridas quando eu queria, na verdade, estar correndo. E me perdoem os espectadores pelos erros, principalmente de espanhol. Eu sei que às vezes falei coisas que não eram corretas mas juro que tentei”, brincou o ex-piloto em sua despedida.
Já o narrador, que ficou marcado como a voz por trás do Alonsismo, tendo capitaneado as transmissões desde que as corridas passaram a ser mostradas ao vivo na Espanha, em 2003, deixou gravado seu discurso pois, no ar, já não conseguia falar.