“No seco, é emocionante. Na chuva, é aterrorizante. Há rios por toda a parte e você tem de tirar muito o pé em curvas que seriam facilmente de pé embaixo”, Martin Brundle, comentarista da Sky Sports, começa sua tarde de adivinho. “Devíamos ter começado essa corrida há umas 4h.”
De fato, o prognóstico antes da largada do GP do Japão não era dos melhores. Os narradores e comentaristas informavam que eram necessárias mais de duas voltas para contar metade dos pontos e 40 para que o total fosse computado. Chuva e o entardecer logo depois das 17h (três horas depois da largada) tornavam difícil de imaginar que a prova iria até o final.
A largada é dada com Safety Car. “Os carros partem para a pista e tá um sabão”, observa o narrador da Globo, Luis Roberto. “Mesmo em baixíssima velocidade, vemos quanta água os carros levantam”, destaca o comentarista da Rai, Ivan Capelli. “É um risco enorme. Não dá para fazer uma corrida sem que os carros andem rápido, porque eles são projetados por isso”, completa o comentarista brasileiro Luciano Burti. A Caterham de Ericsson aquaplana mesmo em velocidade baixa, os pilotos não param de reclamar e não tem jeito: bandeira vermelha depois de duas voltas.
Seria o suficiente para os pontos serem dados? Para os britânicos, sim: “Se nada mais acontecer, Nico vai sair líder”, aponta Brundle. Mas há uma segunda largada, de novo sob Safety Car, e Giancarlo Bruno, comentarista técnico italiano já informa o tempo de volta que a Pirelli recomenda para a troca dos pneus de chuva para os intermediários.
Para Fernando Alonso, porém, isso pouco importa. A Ferrari simplesmente desliga após poucas curvas. “Alonso, que já esteve perto de recordes de corridas nos pontos, agora abandona a segunda corrida em três”, observa o narrador italiano Gianfranco Mazzoni. “Uma pena que perdemos um combatente. Alonso certamente teria dado show nessas condições”, lamenta Capelli, da mesma forma que Luis Roberto. “Que pena, Alonso, logo você! O piloto mais habilidoso do grid fica de fora da corrida. Apagou geral.” Já Brundle aproveita para especular. “Ele está voltando em uma moto Honda. Será que terá um motor Honda ano que vem?”
O Safety Car segue na pista e o comentarista inglês não se conforma – pede para a corrida começar desde a quarta volta e já prevê o que estar por vir. “Sabemos que as Red Bull estão acertadas para a chuva, vamos ver se eles conseguem chegar nas Williams.” Os italianos ficam em cima do muro. “Realmente as condições parecem boas, mas acredito que o spray é o único risco”, diz Capelli. Os brasileiros apoiam a direção de prova, pois, nas palavras de Reginaldo Leme, “essa é uma das pistas mais perigosas do campeonato, porque é uma das mais rápidas e tem poucas áreas de escape.”
Antes mesmo da corrida começar de verdade, os britânicos já especulam se alguém colocará os intermediários. E quem aposta é Jenson Button. “Foi assim que ele teve várias vitórias na F1: no molhado e arriscando”, lembra Mazzoni.
De fato, na volta seguinte, vários pilotos copiam o inglês, que ganha terreno. “Button já está na frente de Bottas com sua aposta”, se surpreende Capelli. Isso significa, a essa altura, a terceira posição, o que os brasileiros só veem na 16ª volta.
Enquanto Hamilton não deixa Rosberg escapar na ponta, ambos ainda com pneus de chuva extrema, as Red Bull – como previu Brundle – vão à caça das Williams. O carro mais alto, acertado para a chuva, ajuda Vettel e Ricciardo, como destacam Burti e Giorgio Piola. E não demora para a dupla chegar ao quarto e quinto postos. “Boa pilotagem de Massa e Vettel para não bater. E muito corajoso Ricciardo, mantendo o pé do acelerador mesmo com uma roda na tinta”, avalia Brundle. “Valeu a pena esperar por essa corrida.” O narrador britânico David Croft começa a acreditar que, “com esse ritmo, eles vão chegar na Mercedes no final”, até porque, como frisa Brundle, “o acerto com mais downforce está ajudando-os a manter os pneus em melhor estado.”
Na frente, Rosberg para primeiro e Hamilton aperta o ritmo. Tanto, que escapa da Spoon, perdendo a chance de superar o companheiro. “Se não fosse aquela escapada, meu amigo…” imagina Luis Roberto.
Mas o inglês não desiste e, com os problemas de equilíbrio do carro de Rosberg, se aproxima.“Vemos que Rosberg faz uma trajetória mais central para ter de virar menos e sentir menos a saída de dianteira, enquanto Hamilton faz uma trajetória mais estreita, que é, efetivamente, mais curta”, observa Capelli.
Na volta 23, Brundle começa a “imaginar quando eles vão permitir o DRS. Deve estar próximo porque o spray está bem menor”. No giro seguinte, o pedido é atendido, com Hamilton já a menos de 1s do companheiro. “Vai esquentar! Hamilton não tenta só liderar a corrida, mas também o campeonato. Pela pista estar molhada, o talento do piloto pode fazer com que use pontos de ultrapassagem que não seriam normais”, se empolga Luis Roberto.
Os italianos também acham que usar o DRS para passar não será a melhor estratégia para Hamilton, mas o inglês parece decidido a superar Rosberg na primeira curva. Na primeira vez, não dá certo e sua asa dianteira passa perto do pneu do alemão. “Quase vimos um novo Spa agora”, lembra Brundle. “O que eles vão fazer? Rosberg está com problemas no pneu e Lewis não. Enquanto isso, as Red Bull se aproximam. O que fazer para que eles não batam? Eles têm de liberar Hamilton. Os pneus dele estão melhores, mas ele não consegue usá-los”.
A justificativa dos britânicos para pedir ordens de equipe é a aproximação das Red Bull, mas a Mercedes não precisa intervir: na volta 29, Hamilton completa a manobra para delírio de todos. “A 330km/h, em pista molhada e por fora. Foi o que restou para ele fazer. Ótima manobra. Esse é o Hamilton que a gente conhece”, vibra Reginaldo. “Grandioso. Espetacular, arriscou muito bem. E Rosberg sentiu na hora, nem conseguiu acompanhar. Perdeu 1s6 no primeiro setor”, observa Mazzoni. “Rosberg foi mais defensivo do que deveria e acabou facilitando. Isso resolveu o problema da Mercedes”, comenta Brundle.
A ultrapassagem não cessa os questionamentos dos britânicos em relação à estratégia da Mercedes. A bronca agora é pela demora em trazer Rosberg aos boxes.“Não sei o que a Mercedes está esperando para chamar o Rosberg para os pits. Parou de chover, mas não está nem perto de secar a pista”, observa o repórter Ted Kravtiz.
Para Burti, a demora talvez seja justamente porque “a equipe deve estar esperando ver se a pista vai secar”, mas os italianos pensam o contrário. “Se chover o que está previsto, ele poderia colocar os pneus de chuva e pararia uma vez a menos que os outros”, avalia Capelli.
A questão é que Vettel está se aproximando, “fazendo uma grande prova antes de ir para Maranello”, como o narrador italiano frisa. Porém, após as paradas, as posições se mantêm.
Na volta 36, Kravitz avisa : “está formando uma bela chuva aqui e está escurecendo”. A escapada de Vettel, três voltas depois, é a prova de que a água chegou de vez. “Alô, Vettel, a pista é para a esquerda!”, se diverte Luis Roberto. “Está chovendo mais, porque mudaram os níveis de aderência do asfalto”, observa Capelli, enquanto Brundle lembra que “pode ser que eles terminem a corrida antes, porque na próxima volta já tem os pontos totais. Os intermediários até que têm uma grande janela, mas chega um momento em que a água é demais. Um milímetro a mais e eles começam a aquaplanar.”
“O spray e a alta dos tempos são sinais evidentes de que as condições pioraram. Por isso proibiram o DRS. Estamos chegando no tempo limite para colocar os pneus de chuva”, observa Bruno na volta 41. Logo os pilotos começam a entrar nos boxes. A McLaren usa a informação de Magnussen e para Button. “Novamente é ele o primeiro a mudar a estratégia entre os ponteiros”, aponta Luis Roberto.
Mas o fato que mudaria a história da corrida seria a batida de Sutil na saída da Dunlop, na volta 42. “Nós podemos ter um SC. Adrian Sutil foi parar nas barreiras”, diz Croft. Isso não acontece.
Impaciente, Brundle quer ver se a área de escape já está liberada. “Onde está o carro do Sutil? Será que eles conseguem tirar rápido? Porque os outros também estarão aquaplanando no mesmo lugar. Aconteceu comigo.” Quando a imagem mostra o carro de Sutil e o trator de remoção ainda na brita e os fiscais acenando, a preocupação do comentarista, que atropelou um fiscal sob circunstâncias bastante semelhantes há 20 anos, aumenta. “Os fiscais estão andando do lado de dentro da pista, o mais sábio seria ficar do outro lado… e tem o trator também. Vimos como o Sutil escapou…”
Só então sai o Safety Car, acompanhado do carro médico, em procedimento que causa estranheza. “Muita confusão porque o SC saiu longe do líder. Parece que deve ter havido um problema com algum fiscal que estava na recuperação do carro, pois o carro médico parou por ali. Por isso eles apareceram agitando as mãos daquele jeito”, observa Capelli.
Essa, também, é a primeira suspeita dos britânicos. “O carro médico também está saindo. Não vimos Sutil depois da batida”, lembra Croft. “Ele saiu do carro, não?”, pergunta Brundle, que confabula.“Tomara que não seja algum fiscal, com o trator dando ré… alguma coisa não está bem lá.” E, depois de alguns instantes, a dúvida: “Não tem outro carro lá, tem?”.
Sim, havia outro carro. “Tem uma Marussia ali. E Jules Bianchi está fora da corrida. Será que ele escapou antes ou depois de Sutil?”, questiona Croft. “Será que ele bateu no trator? Eu estava falando dessas coisas de outro carro escapar no mesmo lugar porque aconteceu comigo em 94”, explica Brundle.
Na Globo, a primeira suspeita é que algo teria acontecido com Sutil. “Falei com a mulher de Sutil e ela disse que ele está bem, talvez seja uma checagem porque ele bateu forte”, intervém a repórter Mariana Becker. “Mas essa checagem acontece no centro médico, não na pista. Aconteceu alguma coisa”, estranha Burti. É ele, quando a corrida é interrompida e as imagens do box da Marussia não param de aparecer, quem junta os pontos. “Não dá para ver se tem outro carro… parece que o Bianchi, com a Marussia, bateu naquele trator que estava tirando o carro do Sutil. Deve ter sido muito grave para terem dado bandeira vermelha.”
Os italianos acreditam, desde o primeiro momento, que houve um problema com um fiscal. “Ao mesmo tempo, abandonou Bianchi. Tomara que não tenha acontecido nada mais grave a um fiscal. Eles são geralmente voluntários, movidos apenas pela paixão”, diz Mazzoni.
Bruno estranha as imagens da Marussia, mas a informação que tem em seu computador de que o carro médico está em uma curva e a ambulância, em outra, o confunde. “A imagem fica retornando à Marussia. Não vimos a imagem do abandono de Bianchi e sequer temos o replay…”, corrobora, antes de um longo silêncio na transmissão. “Talvez tenha acontecido em outro ponto da pista. Aqui diz que a ambulância está na curva 15, depois da 130R. O carro de Sutil está na 7.”
Com as imagens focando cada vez mais a tensão dentro da Marussia e a movimentação no centro médico, os italianos compreendem que o problema é com Bianchi, mas não imaginam que o piloto tenha batido na mesma curva de Sutil. É Piola, dos boxes, quando pilotos já estão se preparando para ir ao pódio, que informa: “Parece que Bianchi bateu no trator que retirava o carro de Sutil. Se foi isso mesmo, foi um impacto extremamente violento.” E Mazzoni completa. “Deve ter sido violento mesmo pois, se há as imagens, preferiram não mostrar.”
Os repórteres entram em cena e Mariana e Ettore Giovannelli informam que Bianchi foi levado ao hospital de ambulância e inconsciente. Na Sky, Croft tenta animar o clima, falando do aumento da vantagem de Hamilton, mas Brundle só murmura. “Isso não está na cabeça dele no momento. Eu não estou gostando disso. Não está soando bem.”