Perfil de Toto Wolff, um austríaco que veio do ramo de investimentos e se tornou o chefe da equipe da poderosa Mercedes na F1
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“Dia da marmota”, repetia o jornalista do The Sun ao meu lado durante a classificação. Para quem não viu o filme, o personagem central sempre acorda no mesmo dia. Ele se referia à repetição das histórias neste início da temporada. Mercedes perfeita, Ferrari lenta e se atrapalhando com estratégias e ordens de equipe, Verstappen consistente. Meio do pelotão disputado. Williams a milhas de distância.
Mas pelo menos o domingo serviu para lembrarmos por que Lewis Hamilton é Lewis Hamilton. Ele não estava contente com o comportamento do carro e estava monossilábico após a classificação. Vazia tempo que não via Lewis assim. Ele fica, digamos, rabugento quando sente o golpe e, por isso, tive que voltar para os tempos de Nico Rosberg para relembrar a última vez que o tinha visto ter uma reação dessas.
“As pessoas me criticam quando isso acontece, mas é porque eu sou muito duro comigo mesmo”, um falante e sorridente Lewis me explicou neste domingo. Mais do que isso, a impressão de que, pela primeira vez, depois de perder três classificações seguidas, ele levou a sério a ameaça de Bottas.
Minha pergunta era como ele fazia para se recuperar de momentos como esse. Afinal, essa sempre foi uma característica de Hamilton. Tirando aquele ano fora da curva que ele teve em 2011, sempre pudemos esperar um Lewis muito mais forte depois de um dia difícil.
Ele disse que procura canais para suas emoções, explicou que pilota melhor quando encontra o canal certo. Mas, neste domingo, há de existir também uma explicação técnica. “Esse carro é ótimo, mas às vezes não nos damos muito bem”, disse Lewis. Na classificação, ele claramente estava lutando com o carro. Na corrida, algo mudou. E entender o porquê disso – algo que, inclusive, se repetiu em todas as provas até aqui – será a chave para seu campeonato.
Do outro lado do box da Mercedes, Valtteri Bottas culpou a embreagem pela largada ruim, e disse que depois desgastou os pneus tentando perseguir Hamilton. Ele teria uma chance no Safety Car, mas optou por cuidar dos pneus na relargada para tentar a volta mais rápida. Com isso, acabou abdicando da vitória e saiu de mãos vazias.
Escolhendo o lado certo na largada, Max Verstappen fechou com um terceiro lugar outro final de semana sem erros. O holandês é um candidato forte para melhor piloto da temporada até aqui e está cada dia com um sorriso maior na cara com a melhora do desempenho do carro.
Isso traz a esperança que talvez seja a Red Bull quem vai acabar com o dia da marmota. Isso porque a Ferrari estranhamente não conseguiu sequer melhorar seu próprio tempo dos testes em Barcelona, mesmo tendo atualizado o carro e o motor. E, para completar, houve mais demora com ordens e a estranha decisão, que tinha sido planejada antes da corrida começar, de usar os pneus duros com Charles Leclerc. Os pilotos, mais uma vez, adotaram um discurso de apoio à equipe e positivo em relação ao desenvolvimento. E a marmota segue correndo solta.
Rapidinhas de Barcelona e o que esperar da corrida
Se nas quatro primeiras corridas se tinha a impressão que os resultados tão bons da Mercedes não contavam exatamente a história da temporada, já que o carro da Ferrari não estava tão atrás, parece que as atualizações que os alemães trouxeram para Barcelona, principalmente na região dos bargeboards, mudaram a situação. Foi impressionante ver, especialmente na volta da pole de Bottas, como o carro era ágil nas curvas.
Para a Ferrari, como Sebastian Vettel explicou depois da classificação, falta aderência nas curvas, e isso fica mais claro no terceiro setor da pista de Barcelona. Mas isso não conta toda a história. Enquanto a Mercedes foi 0s8 mais rápida que nos testes, a Ferrari perdeu 0s051 em relação a fevereiro, o que está longe de ser normal.
Para a corrida, a única esperança de Vettel é a velocidade de reta da Ferrari. De fato, se ele conseguir se colocar entre as Mercedes nas primeiras voltas, pode tornar a corrida mais interessante.
Caso contrário, a briga fica entre Hamilton e Bottas. Neste sábado, Lewis parecia ter sentido o golpe da terceira derrota seguida em classificações, algo incomum em sua carreira. Sua melhor volta no Q3 foi bastante atrapalhada, e o inglês disse que não está confortável no carro e não sabe muito bem por que.
Por outro lado, as largadas dele têm sido melhores do que as de Valtteri, e essa é sua esperança para a prova. E também o grande temor de Bottas, que disse estar vivendo o melhor momento da carreira, e reconheceu a dificuldade de manter o mesmo padrão ao longo de todo o ano, disputando contra o piloto que “no papel, é o melhor em classificação na história”.
Mais atrás, a Haas voltou aonde estava na primeira corrida, no papel de quarta melhor equipe. Dizem eles que é só uma questão de conseguir colocar os pneus na janela de temperatura. Isso tem sido um grande drama para todo o grid. Para este ano, a Pirelli mudou a construção do pneu para que ele sofresse menos blistering, mas o subproduto disso parece ter sido um composto cuja janela de funcionamento é pequena demais.
A Ferrari já sofreu com isso especialmente em Baku e a Red Bull parece bastante sensível, especialmente em classificação. Mas é algo mais sentido no meio do pelotão, onde a disputa é nos centésimos. Então, dependendo da pista, temperatura e compostos, um time diferente deve despontar a cada fim de semana.
Por conta disso, também, as equipes vão para a corrida sem saber se farão uma ou duas paradas. A segunda estratégia é a indicada pela Pirelli como a mais veloz mas, em um circuito em que as ultrapassagens são tão difíceis como Barcelona, o mais provável é que se busque preservar os pneus para fazer só uma parada e evitar o tráfego.
Juntando a vantagem que a Mercedes tem a esse caldeirão, sinto dizer que a expectativa não é para uma corrida das mais movimentadas. Talvez o jeito seja focar nas ótimas brigas do meio do pelotão e tirar o chapéu para uma equipe que fez todas as poles em Barcelona, um circuito considerado completo e, por isso, palco dos testes, desde 2013. Sim, o último piloto que não tinha uma Mercedes e largou na pole no Circuito da Catalunha foi Pastor Maldonado.
Confira o placar e as diferenças na classificação do GP da Espanha
Turistando na F1 e comendo muito mais que deveria em Barcelona
A cara de Barcelona: muito jamón, várias croquetas. E mais croquetas de jamón
O melhor lugar para comer: El Trabuc (a chance de cruzar com meio paddock, inclusive, é gigante)
O que evitar: paella, a não ser que seja em um restaurante referência nesse prato
A Espanha é aquele país em que, se você quiser uma refeição de verdade, vai ter várias opções, mas se quiser só beliscar, terá um mundo a sua frente – e muito provavelmente comerá muito mais do que tinha planejado. Você olha um menu de tapas (porções) e tudo parece apetitoso. E geralmente é, mesmo em algum restaurante pequeno no centro de Granollers, base de muita gente da Fórmula 1 para o palco do GP da Espanha, que fica na verdade em Montmeló, a cerca de meia hora de Barcelona.
Mas o restaurante mais frequentado pelo pessoal da Fórmula 1 é o El Trabuc. Provavelmente, é aquele em que a probabilidade de você encontrar gente do paddock nas noites de F1 (testes e corrida) é maior em toda a temporada, já que todo mundo que escolheu não se hospedar em Barcelona está por lá.
Foi no El Trabuc que eu comi o melhor bacalhau da minha vida – detalhe: não gosto de bacalhau e não esqueci aquele prato, sete anos depois – e também a melhor crema catalana, sobremesa tradicional de lá. Lembro que gostei tanto que nem notei que Fernando Alonso e Stefano Domenicali tinham sentado em uma mesa próxima de nós. O carro-chefe, contudo, é a perna de pato. Confesso que não entendi muito bem por quê.
O bom da Espanha é que não existe só uma especialidade, ainda que o ingrediente famoso do país seja o jamón ibérico, que tem vários níveis de qualidade – e preço. E com certeza vai haver algumas opções no menu de tapas. E mesmo o mais barato vai ser gostoso, especialmente nas croquetas (carboidrato + embutido + fritura, não tem erro!). E logo você percebe que a tal dieta mediterrânea, tão aclamada pelos cientistas, também tem seu lado B.
Falando em carboidrato, quem não pensa em paella quando o assunto é comida espanhola? Pois, bem. No segundo dia em que viajava para fora do Brasil pela primeira vez, em 2008, minha host espanhola me levou para o melhor restaurante de paella de Valência, que é, por sua vez, a capital espanhola da paella. A partir daí todas as que eu experimentei foram um desperdício de calorias.
Então eu não seria a melhor guia de paellas de Barcelona – onde, aliás, a tradição é comer fideua, e não paella. Trata-se do mesmo prato mas, ao invés de arroz, o cozido é feito com um tipo de pasta bem fino. No final das contas, dá mais ou menos na mesma, mas não fale isso aos catalães, por favor.
Toda essa comilança pode ser acompanhada de um bom vinho nacional, uma sangria nos dias quentes de verão – que começam a chegar mais um menos um mês depois do GP – ou com uma taça de cava, o champanhe espanhol. Sou mais prosecco, o parente italiano, do que a versão francesa ou espanhola. Vai ver é de sangue.
Falando em álcool, Barcelona é famosa por ser uma cidade festeira, e ano passado descobrimos um bar que acabou se tornando um perigo: chama-se Dow Jones e funciona como uma bolsa de valores: se alguém compra a cerveja X, por exemplo, o valor dela aumenta e das outras bebidas cai. E, às vezes, a bolsa “quebra” e todos os preços despencam. Você tem alguns segundos para reagir. É claro que tudo isso significa que você não vai ficar bebendo a mesma coisa a noite toda. E sabemos no que dá.
Bebedeiras à parte, as opções são inúmeras em Barcelona. Aliás, são tantas que seria um desperdício comer na área mais turística, do bairro gótico. O melhor sabor da Espanha geralmente está num café minúsculo ou em um restaurante de bairro, onde você vai sair mais que satisfeito por não muito mais que 10 euros.
Por dentro da F-1 e o como acompanhar os treinos livres
Um belo dia – ou todo fim de semana de corrida – você resolve acordar às 6h da manhã para ver um treino livre de Fórmula 1 e ouve coisas como “tal equipe está escondendo o jogo” ou “fulano foi para a pista porque não podia deixar o companheiro ser meio segundo mais rápido” e outras generalidades do tipo. Mas será mesmo? O que as equipes estão fazendo dando voltas e mais voltas numa sexta-feira de treinos livres?
O programa não será sempre o mesmo, mas dá para ter uma boa ideia do que cada time está fazendo, especialmente no segundo, e mais importante, treino livre da sexta. Em uma pista em que a confiança do piloto é importante, como em Mônaco, os times vão deixar os carros mais tempo na pista enquanto, mais para o final da temporada, a necessidade de economizar as unidades de potência ganha muita evidência – e até por conta disso fica bem claro quem ainda está meio perdido no acerto, pois tem que sacrificar quilometragem e ir à pista.
O fato é que, tirando dois momentos específicos das 4h de treinos livres – somando as três de sexta e uma de sábado de manhã – a tabela de tempos em si pouco importa.
Mas, então, o que eu devo observar para entender o que está acontecendo em um treino livre?
Primeiro treino livre
A tal sessão para a qual você resolveu acordar às 6h serve prioritariamente para comprovar simulações feitas na fábrica. Primeiro, todos saem para a volta de instalação, o que acontece em todas as sessões e é basicamente um teste de todas as funções básicas do carro. Em velocidade média, o piloto vai testando o funcionamento dos botões, como o rádio e as configurações do motor, além do acelerador e do freio. E depois apenas dessa volta retorna aos boxes.
Aí começa um jogo de espera que pode demorar para acabar, por vários motivos. Pode ser que a volta de instalação tenha mostrado algum problema, mas geralmente as equipes esperam por dois motivos: esses treinos geralmente começam às 11h no horário local, e a pista está mais fria do que estará em qualquer outro momento ao longo do fim de semana; além disso, especialmente em circuitos que são pouco usados ao longo do ano, a aderência é muito baixa (e vai aumentar muito até a corrida, ou seja, os resultados também serão pouco significativos nesse início); e também a previsão do tempo pode apontar alterações significativas ao longo do dia.
Há duas situações, contudo, que fazem uma equipe acabar com esse compasso de espera: se o piloto de testes está tendo uma chance no treino livre – o que é geralmente pago por um patrocinador, então ele realmente tem que ir para a pista! – ou se há muitas novidades a serem testadas e dados a serem comprovados nos carros.
É aí que vemos algumas equipes usando flow viz, aquelas tintas com cores chamativas que permitem analisar fluxos aerodinâmicos pelo jeito que “esparramam” em alta velocidade, ou até o que parecem grades, muito comuns nos testes, com sensores que servem para medir a mesma coisa. Mas muitas vezes os sensores usados não são tão visíveis – na verdade, usar flow viz e as tais “grades” é visto como um mau sinal, pois indica que a equipe não está segura de correlações básicas com suas ferramentas de simulação – e somente vemos determinado time primeiro sair com uma asa, e depois com a segunda, por exemplo.
Esses testes aerodinâmicos geralmente são feitos em velocidade constante, para ter melhor mensuração. Aí começam os motivos para não olhar para a tabela de tempos. Outros são o emborrachamento ainda pobre da pista e a questão da temperatura, devido ao horário. Trocando em miúdos, a primeira sessão pode dar vários dados de comparação de peças e acertos para as equipes, mas nada muito valioso para quem assiste.
Segundo treino livre
Aí sim, trata-se da sessão mais importante do final de semana por começar – com raras exceções – no mesmo horário da classificação e da corrida. No FP2, o ideal é que a equipe não tenha mais dúvidas sobre se aquela peça nova vai estrear ou não, mas acontece disso só ser resolvido para o sábado e os testes continuarem.
Em um mundo perfeito, o foco será no acerto do carro e nas simulações de classificação e de corrida.
A parte do acerto é feita mais na primeira hora, e existe um motivo muito claro para isso: ele precisa estar afinado para o horário em que, no sábado, os carros estarão terminando a classificação. A ideia, com isso, é diminuir as variáveis que possam interferir no rendimento, ainda que, é claro, não seja possível controlar o clima. Mas os engenheiros tentam de tudo!
Isso quer dizer que a tabela de tempos ainda não é importante antes de começarem as simulações de classificação, geralmente depois de uns 50 minutos do início do treino. É quando os pilotos vão para a pista com o pneu mais macio que têm à disposição – nesse ano vai ser fácil, sempre o supermacio, e sempre vermelho – e buscam o máximo de performance. Salvo raríssimas exceções, é neste momento que será definido quem é o mais rápido da sexta-feira.
Depois dessas simulações de classificação, os carros voltam à pista, com o trabalho dos pilotos dividido: um faz a simulação de corrida, ou seja, de tanque cheio, com o composto mais macio, e outro com aquele que os times veem como o outro que será usado na corrida – geralmente, neste ano, será o macio. Neste momento, são dados indicativos muito fortes de quem está bem no fim de semana, mas é preciso mais disciplina para entender – na verdade, a não ser que você fique acompanhando tudo no live timing, fica mais claro nos documentos que a FIA deixa à disposição em seu site. Ali, os tempos de todas as voltas de cada piloto são divulgados, e você vê de quantas voltas foi o stint de simulação e qual o ritmo.
Uma pegadinha em que muitos caem é ver, por exemplo, a Ferrari com média de 1min24s5 para sua simulação de corrida com o pneu X e a Red Bull virando em 1min24 com o mesmo composto, e dizer que a Red Bull está muito melhor. Ao longo do vamos, vemos padrões claros de equipes que fazem simulações com o carro mais leve do que outras, e peso de combustível interfere muito no tempo final.
Além do ritmo em si, dá para ter uma ideia das diferenças de degradação entre as equipes. Mas aí também cabe o cuidado: estudando os dados, os times podem mudar isso completamente para o sábado. E aí vamos para o terceiro treino livre.
Terceiro treino livre
O dia mais trabalhoso para os engenheiros é a sexta, quando eles ficam até tarde da noite na pista debruçados sob os números e tentando encontrar a melhor combinação de peças a serem usadas e o melhor acerto para o carro. Muitas vezes, o que foi descoberto é enviado para a fábrica, onde mais engenheiros buscam soluções e colocam os dados no simulador para que o novo acerto seja validado. O resultado de tudo isso vai para a pista por mais uma hora na sexta.
O treino é só de uma hora e com a pista um pouco mais fria que na classificação, então isso é levado em conta. Quando um time já sai fazendo uma simulação de corrida, é sinal de que houve mudanças significativas de acerto que estão sendo validadas na pista. E, se uma equipe está ainda trocando asas ou algo do tipo, indica que estão bem perdidos. Por outro lado, quando vemos equipes que ficam nos boxes por mais da metade do treino, é porque o nível de confiança é alto. E isso, novamente, traz muito mais significados do que a tabela de tempos.
Novamente, todos esperam que a condição de pista esteja o mais próxima possível da classificação para fazer suas simulações de uma volta lançada, ou seja, os tempos só serão realmente relevantes nos últimos minutos da sessão.
Não fazer um fim de FP3 competitivo é preocupante, já que a classificação começa geralmente duas horas depois. E, a partir do momento em que o carro sai para sua última tentativa, não vai dar mais para mexer no acerto até a corrida.
A primeira vitória do pioneiro australiano na F1
A Austrália teve um piloto, Tony Gaze, disputando três corridas em 1953, mas a história do país na categoria começa mesmo com um tal de Jack Brabham, que viria a ser tricampeão mundial e, até hoje, o único piloto a vencer um campeonato com sua própria equipe.
A história de Brabham é fascinante: aos 18 anos, ele entrou para o exército australiano, em pleno 1944. Queria ser piloto de avião, mas havia uma demanda grande por mecânicos por conta da guerra, e foi lá que ele aprendeu muito do que usaria nas pistas após começar a correr no final da década de 1940.
Logo ficou claro que a Austrália era pequena demais para ele, que inclusive foi o primeiro piloto a atrair um patrocinador – mas viu o adesivo do parceiro ser retirado de seu carro pelos organizadores. Em 1955, ele foi para a Inglaterra tentar a sorte, conheceu a família Cooper e, no mesmo ano, estreou na F-1, mas sem saber que estaria na equipe que mudaria o curso da história. Afinal, a Cooper foi a primeira a colocar o motor na parte traseira do carro, iniciando uma tendência que dura até hoje.
Não seria o australiano o primeiro a vencer com a novidade – foi Juan Manuel Fangio em 1958 – mas Brabham chegou a sua primeira vitória na F-1 com estilo, em Mônaco, no ano seguinte, aquele que também seria o campeonato de seu primeiro título mundial.
A 17ª edição do GP de Mônaco completa 60 anos nesta semana e teve 100 voltas (se os pilotos reclamam das 78 de hoje em dia, em que andam 260km, imagine chegar a quase 320 km de corrida como na época…). Era a primeira etapa do campeonato porque, depois da aposentadoria de Fangio, o GP da Argentina, que tradicionalmente abria a temporada, não foi realizado. O grid tinha 16 vagas, mas 24 pilotos se inscreveram para a prova – inclusive a pioneira Maria Teresa de Filippis, que não conseguiu se classificar com o Porsche. Entre o primeiro – Stirling Moss – e o último que alinharam no domingo, a diferença na classificação fora de 5s, sendo que os três últimos eram carros de F-2! Brabham era o terceiro no grid.
Na largada, Jean Behra passou Moss e foi para a ponta. O primeiro, o segundo e Brabham logo escaparam do resto e faziam uma corrida particular quando a Ferrari começou a ter problemas de motor e perdeu rendimento, dando a liderança a Moss na volta 22. Logo, ambos começaram a poupar equipamento, e o ritmo caiu em três segundos – com Brabham ainda mais lento, permitindo que Moss abrisse confortáveis 16s na liderança enquanto, mais atrás, aconteciam coisas que só mesmo nos anos 1950, como Graham Hill parando na beirada da pista para apagar fogo de seu cotovelo (!).
Com metade da prova disputada, Moss já tinha 40s de vantagem para Brabham, que estava outros 30s na frente do terceiro colocado Tony Brooks (emocionante, não?). O britânico parecia imbatível até menos de 20 voltas para o fim, quando parou nos boxes por sentir vibrações, que eram sinal de um problema de câmbio. Fim de prova para ele.
Brooks chegou a tentar ameaçar Brabham, mas o australiano logo fez uma volta em 1min40, dois segundos abaixo da então volta mais rápida da prova, para mostrar que estava apenas administrando e, após quase três horas de prova, recebeu pela primeira vez a bandeirada como vencedor de uma corrida de F-1, o que também foi a primeira vitória da Austrália na categoria.
Seria a primeira das 14 vitórias de Brabham na F-1 em 16 temporadas – longevidade impressionante para a época, ainda mais lembrando que ele estreou com 29 anos e conquistou seu último título aos 40. Até hoje, ele é o australiano com mais vitórias e títulos na F-1. Quem chegou mais perto foi Alan Jones, que foi campeão em 1980 e conquistou 12 vitórias na carreira. Mas ele foi o único dos quatro australianos que nunca venceu em Mônaco, ao contrário de Brabham, Mark Webber e Daniel Ricciardo, que tem metade das vitórias que o maior australiano da história da F-1.
Estratégia do GP do Azerbaijão e a sinuca de bico da Ferrari
É normal que muitos torcedores estejam com os dois pés atrás em relação às estratégias da Ferrari principalmente após a (in)decisão de Xangai – lida por muitos como uma prova de que o time simplesmente não quer ver Charles Leclerc na frente de Sebastian Vettel. É por isso que começo explicando a sinuca de bico em que o time se viu no domingo em Baku.
Mattia Binotto disse no sábado que o plano era largar com o pneu médio com os dois pilotos, pois isso era melhor para a situação da Ferrari, que queria minimizar ao máximo o tempo com os pneus macios, os quais não conseguia manter na janela de temperatura, gerando graining. Essa leitura tinha a ver com a expectativa que havia antes da largada em Baku, de que seria possível levar os macios até perto da volta 20, e depois fazer o restante com o médio. Para a Ferrari, o melhor seria ficar o máximo possível com o médio e só colocar o macio na parte final, com o carro mais leve e rápido.
Mas o que se viu no domingo foi muito mais graining que o esperado no pneu macio, o que minimizou a teórica vantagem que a Ferrari esperava ter largando com os médios.
Vettel, contudo, largaria com os macios, pois fora lento em sua volta com os médios no Q2 e teve que voltar para a pista com os macios, caso contrário ficaria pelo caminho. Soltar os pilotos com os médios, que eram 1s5 mais lentos que os macios e muito mais difíceis de lidar para uma volta lançada por conta do aquecimento, no Q2 tendo liderado todos os treinos foi o erro estratégico da Ferrari neste fim de semana – além, é claro, do erro de Leclerc na classificação, que por pouco não foi repetido por Vettel, o que só ilustra a situação em que os pilotos se colocaram. Depois, a Ferrari se viu em uma sinuca de bico.
Porque Leclerc acabou passando para o Q3 com o tempo que fez no Q2, então teria que largar com o pneu médio. E Vettel, obviamente, teria que largar com o macio. Logo nas primeiras voltas, a Scuderia sabia que teria uma tarde muito complicada pela frente. “O comportamento do carro era horrível com os pneus macios. Era inconsistente, e eu estava cometendo erros”, disse Vettel depois da bandeirada. Durante a corrida, ele foi mais direto com a equipe. “Estou me cagando aqui com esses pneus!”
Com esse feedback nada positivo em mãos, a Ferrari tinha que decidir até quando estender o stint de Leclerc com os médios para minimizar seu tempo com os macios. Poderia colocar os duros e ir até o final? Os duros eram lentos demais para Baku, e ainda mais para o carro da Ferrari. Tanto, que eles não os usaram em nenhum momento no fim de semana. Reverter para duas paradas com dois stints nos médios? Não havia mais nenhum jogo de médios disponível. Reverter para duas paradas com dois stints de macios? Com o rendimento tão ruim deste composto na corrida (em geral e especialmente na Ferrari), como isso traria de volta os 22s perdidos na parada a mais?
Mas o mais interessante a respeito do GP do Azerbaijão é analisar como todo esse cenário poderia ter sido diferente, em uma corrida na qual a questão de manutenção de temperaturas no pneu é sempre um drama pela superfície lisa, falta de curvas que coloquem muita energia nos pneus, a longa reta e até a sombra dos prédios.
Durante os treinos livres, dominados pela Ferrari, as simulações de classificação sempre foram feitas com as temperaturas bem mais altas do que naquele final atrasado da classificação após as longas bandeiras vermelhas – lembrando que os horários em Baku são diferentes, com tudo começando duas horas mais tarde que o normal, então o fim da classificação foi quando estávamos perto de ficar sem luz natural. E, na primavera azeri, o clima é mais gelado, e é o sol que dá uma esquentada, então a diferença é grande.
Ou seja, era para a Ferrari ter a pole com Charles Leclerc, bem mais rápido e confortável com o carro que Vettel em Baku. Mas ele ficou pelo caminho. Depois, até por causa do acidente dele, estava frio demais para a Ferrari render o seu melhor, e Vettel ficou ainda sem parceiro para tentar pegar o vácuo. Detalhes que abriram o caminho para a Mercedes, que tem um carro mais flexível que os rivais em relação aos pneus, acertou ao deixar seus pilotos no “fim da fila” no Q3 e fechou a dobradinha com todos os méritos.
Na corrida, as dificuldades de aquecimento da Ferrari continuaram, com Vettel perdendo muito tempo para as Mercedes nas primeiras voltas e Leclerc perdendo duas posições na largada por estar com os médios. Mas, após a dificuldade inicial, Charles e Pierre Gasly mostraram que o médio sreia o melhor composto do domingo – o monegasco foi décimo para quinto e o francês, do pitlane para sexto em apenas 11 voltas!
Foi quando a Ferrari chamou Vettel e abriu a rodada de pit stops na frente, obrigando a Mercedes a reagir. Mesmo neste momento, a dobradinha não estava garantida porque Bottas e Hamilton tinham que evitar que Leclerc estivesse na janela de SC – ou seja, diminuir a diferença para o monegasco, que teria que ficar mais tempo na pista do que o planejado devido ao péssimo rendimento dos macios, a fim de evitar que, no caso de um SC, ele conseguisse parar e manter a ponta.
Os pneus de Leclerc começaram a mostrar sinais de que estavam acabando perto da volta 30, com mais de 20 para o fim. E a Ferrari julgava, com base no primeiro stint muito ruim de Vettel, que seriam voltas demais. Eles acabaram esticando o stint um pouco demais, contudo, pois certamente o plano não era voltar atrás de Gasly, como aconteceu. Curiosamente, o ritmo do francês com médios naquele momento era muito melhor que o de Leclerc. Mas, na sinuca de bico em que se meteram, o erro foi de uma ou duas voltas no máximo. Simplesmente, não havia muito o que inventar.
Tendo sido instruídos a segurar o ritmo no meio do stint com os médios, pois não se sabia se eles chegariam bem ao final devido à antecipação dos pit stops, os pilotos da Mercedes foram novamente liberados nas voltas finais. Perguntei a Lewis Hamilton se a equipe intercedeu de alguma maneira na batalha e ele garantiu que não. Mas que Toto Wolff ficou aliviado quando o inglês pisou na sujeira na saída da curva 16 e deu uma escapada, no mesmo momento em que Bottas conseguia abrir o DRS ao dar uma volta em Russell, com certeza ficou.
Drops do GP do Azerbaijão e o calendário “esvaziado”
Notícia importante para os fãs da série do Netflix. Eles estavam filmando desde a primeira corrida, mas sem contrato. O acordo foi assinado na semana passada e o pessoal que faz as filmagens estava todo empolgado porque se veem “gerando um novo tipo de interesse no esporte” ao mostrar o meio do pelotão.
Mas eles perderam um momento quente no fim de semana em Baku. Cyril Abiteboul se irritou com a pergunta do repórter holandês Jack Plooij, bateu na divisória da área de entrevistas e ameaçou sair sem responder. Jack tinha iniciado a pergunta relembrando uma declaração de Abiteboul de que a Red Bull iria se arrepender de ter escolhido a Honda porque a Renault tinha resolvido seus problemas. “Você vai começar a entrevista com uma mentira? Então eu vou embora!”, disse o chefe da Renault, antes que o assessor de imprensa contornar a situação.
Enquanto isso, seu piloto, Daniel Ricciardo, assistia ao Q3 com os olho arregalados, exclamando um “that was beautiful” a cada curva que Vettel ou as Mercedes faziam, como se não acreditasse que eles estavam conseguindo carregar tanta velocidade nas curvas. E, quando Bottas fez a pole, Will Buxton, repórter da F1, disse “big”. E Ricciardo, que assistia ao treino conosco no cercadinho, respondeu “testículos”.
No cercadinho no sábado, aliás, estávamos todos pulando enquanto esperávamos os pilotos. Todo mundo morrendo de frio. Fazia algo em torno de 13 graus quando acabou a classificação, só para dar uma ideia de como estava difícil aquecer os pneus.
Isso porque demorou bastante para os fiscais limparem a pista, em um fim de semana difícil para os promotores em Baku depois do cancelamento da sessão de sexta-feira. Muita gente falou que foi o primeiro fim de semana em que a F1 sentiu mesmo a falta de Charlie Whiting. A FIA vistoriou duas vezes a pista antes da corrida, mas reconheceu que era possível que os bueiros não estivessem bem presos, porque em Baku eles não são soldados. Tomara que eles não tenham dito isso para a Claire Williams, que falou em um prejuízo de centenas de milhares de libras e queria compensação.
A chefe da Williams se surpreendeu, inclusive, por ter o carro reserva em Baku. Afinal, era a primeira corrida em que ele estava disponível. Quem não gostou nada de toda a história, contudo, foi Kubica, que estava bem rabugento no sábado. Ele acha que há diferenças entre os dois carros, então a Williams fez o terceiro chassi justamente para dar a ele na Espanha e resolver o problema. Agora, esse chassi está com Russell.
O fim de semana em Baku foi marcado por muitas conversas sobre o calendário do ano que vem. Isso porque o cenário atual é muito incomum: cinco corridas não têm contrato para o ano que vem. São elas Espanha, Alemanha, Itália, México e Inglaterra. Perguntei para Perez como está a situação mexicana e, com o gravador ligado, ele disse que espera boas notícias logo. Mas foi só eu parar a gravação que ele falou. “A situação não parece boa”, e explicou que a questão política pesa muito. O governo mudou e o atual não quer gastar dinheiro com a F1.
No Brasil, o contrato é até o fim de 2020 – assim como o da Globo – e a Liberty está, sim, considerando seriamente a mudança para o Rio de Janeiro. O problema é que eles desconhecem completamente a realidade da cidade ou as dificuldades da construção de um novo circuito. Basicamente, citando uma expressão inglesa, eles têm muita coisa no seu prato no momento.
Não desistiram de Miami ainda, mas conversei com gente que trabalha em equipe que garante que não vai sair do papel. Diferentemente do retorno da Holanda, que está bastante encaminhado. Não me surpreenderia se alguma das etapas europeias que estão na berlinda não dará lugar a Zandvoort.
Para quem tem curiosidade para saber como é a relação de Baku com a F1, geralmente só converso com gente que odeia a prova por conta da confusão que a cidade fica e por não saber direito de onde vem o dinheiro para gastar com o esporte. Mas quando fui comprar meu chip e mostrei o passaporte, o vendedor olhou para minha cara e falou, sem expressão nenhuma. Barrichello. Massa. E continuou fazendo o registro para a venda.
Quem não esteve em Baku e nem estará na Espanha é Nico Rosberg, que levou uma punição por fazer vídeos no paddock. Sim, as próprias TV que detém os direitos dedaram o campeão de 2016 por andar para cima e para baixo com sua equipe de blogueiros, já que você só pode filmar no paddock com permissão – nem stories são permitidos. A punição foi entregar a credencial por essas duas corridas. Ele não iria de qualquer maneira, mas veremos se a festa das filmagens continua.
Por que Baku ficou devendo
Não foi um clássico em Baku, parcialmente porque Ferrari e Red Bull provaram ser sensíveis demais as temperaturas mais baixas do asfalto e às curvas pouco exigentes para os pneus do circuito, porque uma briga entre companheiros – como de Hamilton e Bottas na largada e no final da prova – sempre envolve menos riscos do que entre carros diferentes e, por fim, porque as várias brigas do meio do pelotão foram rápidas demais devido a uma zona de DRS tão grande que tornava as ultrapassagens simples. Isso por sua vez diminui a chance de um Safety Car e as alternativas de estratégia. Ou seja, não tivemos nada do que movimentou as corridas dos dois últimos anos.
A Mercedes parece ser mais flexível em relação aos pneus, que estão dando muita dor de cabeça para as equipes. Várias equipes estão encontrando muita dificuldade em colocar temperatura nos pneus pela falta de downforce gerada pelas novas regras. A Ferrari é uma dessas equipes e sofreu muito com isso em Baku durante a classificação e a corrida. Vettel descreveu o comportamento do carro como “horrível”, disse que não conseguia ser consistente e estava cometendo vários erros simplesmente porque não sentia aderência vindo dos pneus, especialmente dos macios.
Era por conta das dificuldades com os macios que a Ferrari tinha decidido, no sábado, colocar os dois pilotos com os pneus médios no início da corrida. Acabou dando errado com Vettel porque o tempo dele não foi rápido o suficiente no Q2, e com Charles acabou até sendo melhor, já que ele largou em oitavo por conta da batida e esse tipo de tática “reversa” ajuda a escalar o pelotão. Na corrida, o time acabou ficando encurralado quando os médios de Leclerc começaram a perder rendimento, pois era muito cedo para colocar os macios, e eles sequer tinham andado com os duros, sabendo que seria impossível gerar temperatura neles. Outro stint com os médios e reverter a estratégia para duas paradas também não era possível porque o outro jogo do monegasco era o do acidente. Acabaram gerando a impressão de que jogaram outra corrida de Leclerc no lixo pelo ritmo inicial do monegasco, mas na verdade os erros decisivos foram os de sábado – da equipe de arriscar mandar os pilotos à pista com os médios, e do piloto pela batida.
A Ferrari, na verdade, teve sorte de chegar no pódio, pois Max Verstappen estava se aproximando perigosamente de Vettel antes do Safety Car Virtual. Na relargada, ele teve dificuldades em manter o pneu na temperatura ideal – a Red Bull também parece bastante sensível em relação a isso – e salvou a pele de Vettel.
Lá na frente, quem salvou Valtteri Bottas foi, curiosamente, George Russell. O finlandês até disse depois que queria comprar uma cerveja para Russell pelo DRS precioso que conseguiu ao dar uma volta no inglês.
Bottas pareceria ter dado tudo de si nas entrevistas após a vitória. Ele sabe que precisa ser perfeito para bater Hamilton e está determinado a conseguir fazer isso consistentemente neste ano. Enquanto isso, o inglês já avisou: “fui muito bonzinho com ele na largada, mas foi a última vez.” Pelo visto dependemos disso para ter um campeonato.
Placar entre companheiros e as diferenças da classificação do GP do Azerbaijão
Rapidinhas de Baku
- A classificação do GP do Azerbaijão mostrou como a pista é traiçoeira, e ela é mesmo particular em vários sentidos. Como não há curvas de alta velocidade e a reta é muito longa, isso esfria os pneus e gera graining. Para piorar, a temperatura de pista nunca está alta por um motivo simples: a sombra que os prédios fazem na maior parte do circuito.
- Então graining é o fator limitante para os pneus, e não o desgaste em si, já que o pneu nunca é muito exigido. Ainda assim, daria para fazer a prova só com uma parada com certa tranquilidade. Não fosse a alta probabilidade de um Safety Car.
- São eles que ditam a estratégia em Baku porque ninguém quer correr o risco de relargar com pneus frios – e é muito difícil, pelo que expliquei acima, colocar temperatura nos pneus. Além disso, quanto menos borracha na superfície do pneu, ou seja, quanto mais usado ele estiver, mais difícil é colocar temperatura nele.
- Nessa linha, Bottas disse que o mais importante amanhã não deve ser o ritmo, mas sim a maneira como as equipes vão reagir aos acontecimentos da corrida. Contanto, é claro, que seus pilotos façam sua parte na corrida. E, no caso dele, vai rolar uma atenção especial a todo e qualquer detrito que houver na pista. “Você vai me ver desviando de tudo. Aprendi a lição!”
- Foi talvez para deixar o pneu macio para a parte final da prova que a Ferrari tentou usar os médios no Q2, mas considero isso um erro. Se você está mais rápido, não precisa inventar na estratégia. Foi um erro, sim, mas também é fato que Leclerc foi parar no muro porque tinha os dianteiros fora da temperatura ideal e Sebastian Vettel quase fez o mesmo, e depois explicou que estava difícil até colocar temperatura nos pneus macios. No final das contas, Leclerc acabou com uma boa estratégia para a corrida, largando com os médios e podendo ficar mais tempo na pista no começo. Mas em nono.
- Voltando à corrida, somado a todos esses fatores, cada carro tem necessidades diferentes para aquecer o pneu. Sabe-se, por exemplo, que a Ferrari precisa de uma outlap mais forte do que a Mercedes na classificação, o que também indica que eles precisam andar mais rápido atrás do Safety Car e… vocês sabem onde eu quero chegar! Sim, poderemos ter (mais) relargadas interessantes em Baku, como já tivemos na F2 neste sábado.
- Perguntei isso para vários pilotos e todos disseram que esperam que seja muito complicado mesmo. A não ser Sebastian Vettel, que até deu um passo para trás quando lhe fiz a pergunta, entrando em modo defensivo devido ao que aconteceu em Baku há dois anos.
- Pierre Gasly estará com todo o peso do mundo nos seus ombros largando no fundão depois de um erro simples – ele não parou na pesagem e recebeu uma pena tão dura porque a equipe fez um ensaio de troca de pneus quando ele chegou, ou seja, tocou no carro. Por um lado, dá para passar e se recuperar em Baku. Por outro, os muros estão próximos e Pierre já foi parar na área de escape algumas vezes neste fim de semana.
- Falando nos muros, foram eles que fizeram Alex Albon perceber o quanto um F1 é rápido. O tailandês já tinha pilotado em Baku com o F2 e ficou impressionado com a diferença logo nas primeiras voltas que deu. “Tudo passa muito rápido, e você sabe que não pode errar, não tem espaço”, disse um dos destaques da temporada até aqui.
- Albon foi um dos pilotos que relataram ter sentido facilidade em seguir outros carros, o que gera a aposta de uma corrida com ultrapassagens nos 24s de pé embaixo na reta.
Turistando na F1 e o que se come no Azerbaijão
A cara de Baku: tomate e pepino a qualquer hora do dia. E um toque de Turquia
O melhor lugar para comer: o restaurante mais simpático é russo e chama Mari Vanna
O que evitar: vinho de romã. É sério. Vão tentar te vender como algo tradicional, mas não vale a pena
“Um filho bastardo de uma mistura entre Bahrein e Sochi”. Foi assim que uma jornalista definiu Baku na primeira vez em que fomos para lá. Concordo com Sochi, mas vejo uma influência bem mais turca do que árabe por lá. Principalmente na comida.
Os kebabs – basicamente o que chamamos de churrasquinho grego no Brasil – estão por toda a parte. Toda não, porque vira e mexe você encontra um restaurante russo. O mais marcante deles – pela decoração, não pela comida, pois até esqueci o que comi por lá – fica literalmente no meio do circuito e se chama Mari Vanna. Infelizmente, não achei a foto que tirei do banheiro, o mais fofo que eu já vi, mas achei uma foto que mostra o estilo do lugar.
O mais curioso foi descobrir, tempos depois, que existe outro Mari Vanna igualzinho em Londres!
Mas o que seria a culinária russa? Muitos ensopados, muita beterraba e batata, mas o prato mais conhecido por nós é o estrogonofe. Aliás, escrevendo isso acabo de decidir qual vai ser o pedido no Mani Vanna desta vez!
Voltando ao Azerbaijão, parece que sempre é hora de uma saladinha com tomate e pepino. No café da manhã, inclusive. E muitas vezes acompanhada de queijo feta, que é um tipo grego de queijo feito de leite de ovelha com a mesma cor de um queijo branco, mas um pouco mais duro e mais salgado. Além da salada, carne de cordeiro é a mais popular por lá, geralmente cozida com batatas e pimentões.
Como faz bastante frio no inverno, é uma região com muita tradição de sopas também, mas não em abril, quando vamos para lá e o clima varia entre o ventinho mais frio da noite e o sol bem forte do dia. Já que é comida de inverno, as sopas têm mais sustância e às vezes são acompanhadas de iogurte, como a mais famosa delas, chamada Dovga, que tem mais ou menos de tudo, de espinafre a arroz.
Outro prato que é tradicional de lá, mas nunca me pareceu apetitoso, são as diversas variações de plov, basicamente arroz cozido com especiarias, com algum tipo de carne (até aí tudo bem) e alguma fruta seca. E vamos combinar que abril não é Natal!
Gosto de comer comida local onde quer que eu for, mas Baku é daquelas etapas em que, se me convidarem para um italiano, eu topo na hora. E sempre eles, os italianos, encontram um restaurante bom de comida da terra deles. O de Baku se chama Da Massimo, inclusive, porém já comi bem em um tradicional azeri, chamado Qala Divari, o desse prato da foto, e também foi uma boa experiência. Só não recomendo o vinho de romã, aguado e doce, que vendem por lá.
Mas o lado bom de Baku é que o problema que temos em outros lugares, de sair depois das 21h da pista e não encontrar nada aberto, não se repete por lá. O GP é um evento muito importante para o país, e para os comerciantes estão de olho no lucro com a enxurrada principalmente de finlandeses que aparece por lá, perambulando pelas ruas do centro como se estivessem na filmagem de mais uma sequência de “Se beber, não case”.
Lembro que, no primeiro ano de Baku, até nós, jornalistas, saímos no lucro: começamos a conversar com um desses grupos de finlandeses – que tinha uma camiseta metade azul da Williams de Bottas, e metade vermelha da Ferrari de Kimi – em um karaokê russo de gosto extremamente duvidoso. A dona do lugar, com porte de modelo e vestida para um baile de gala de filme de James Bond, se empolgou e disse que, para a nossa mesa, seria a noite inteira de double. Ela só não lucrou tanto quanto esperava com a nossa mesa porque éramos quatro austríacos, Ico (que conta como austríaco) e eu infiltrada, assistindo ao jogo da Áustria contra Portugal na Eurocopa. E o jogo acabou sendo um 0 a 0 feio que resultou na eliminação austríaca.
Isso não quer dizer que não dá para se divertir em Baku. A recepção que a organização faz para todo o paddock na quinta-feira à noite, no topo do hotel onde fica a sala de imprensa (algo único no calendário) já ficou famosa. É um jantar, com a tal saladinha de tomate e pepino, claro, e geralmente várias opções de grelhados. A gente se divertiu tanto ano passado que a palavra Baku virou sinônimo de festa boa na turma e ganhou sequência em outros lugares do mundo. Em qual estamos atualmente? Esperando por Baku VI, o retorno.
O estopim da guerra Senna x Prost
Quando passei mais de 20 minutos entrevistando Alain Prost ano passado, perguntei a ele em que momento a relação com Ayrton Senna estremeceu de vez. Afinal, pela narrativa que ele me contava, sempre houve uma competitividade muito grande entre os dois, que sabiam ser os melhores pilotos em atividade naquele momento, desde os primeiros testes da pré-temporada de 1988. Mas essa rivalidade era sadia e produtiva para a equipe inicialmente. Até que tudo mudou. Elegante, ele disse “não quero entrar nisso, vamos falar de coisas boas.”
Mas reza a lenda que havia uma tensão no ar, normal devido à rivalidade dos dois, e o estopim para que o clima azedasse de vez ocorreu há 30 anos, no GP de San Marino de 1989.
Devido ao amplo domínio da McLaren na época, Senna e Prost tinham uma série de acordos internos – provavelmente supervisionados por Ron Dennis, já que o mesmo aconteceu, e igualmente sem sucesso, na era Hamilton x Alonso – e um deles era de que não haveria tentativas de ultrapassagens entre os dois na primeira volta após a largada.
Naquela corrida em Imola, Senna largou da pole e manteve a posição inicialmente. Mas houve uma relargada após o fortíssimo acidente de Berger na Tamburello, que interrompeu a prova por uma hora. Desta vez, Prost largou melhor e assumiu a ponta. Mas, logo depois, Senna colocou de lado e o passou com facilidade. O brasileiro disse após a prova que o acordo não valia naquele momento porque aquela não era mais a primeira volta, devido à relargada, mas isso não convenceu Prost, que alegava não ter defendido justamente por não esperar a manobra.
“Eles quebraram a confiança um do outro”, disse Ron Dennis anos depois o ocorrido. “Eles fizeram acordos um com o outro várias vezes, e esse foi o que o público ficou sabendo. Havia uma tensão e raiva tremendas. Aqueles dois eram iguaizinhos em nível de desonestidade.”
Após a ultrapassagem, em momento algo Prost conseguiu ameaçar Senna naquela prova, e acabou chegando 40s atrás. A rodada a 12 voltas do final, ainda que o francês tenha tido sorte de não ter parado na brita, não ajudou.
O clima, é claro, ficou pesado no pódio, com Prost de cara amarrada. Mas a torcida italiana em Imola não se importou muito com a tensão: mesmo com o abandono duplo da Ferrari naquela prova, os tifosi puderam celebrar a presença de Alessandro Nanini, da Benetton, em terceiro. Ele chegou mais de uma volta atrás de Senna, lucrando com o acidente de Berger e as quebras de Patrese e Mansell.
Na McLaren, o clima passou de altíssima competitividade para altíssima desconfiança. E isso acabaria em uma das mais controversas decisões de título da história.
Vídeo: Será que o Vettel é o homem certo para a Ferrari?
Sim, a Ferrari não tem facilitado na última década e qualquer piloto teria – e teve – muito trabalho para sequer estar na briga por títulos neste período pela Scuderia. Mas existe um perfil que teria mais chance. Esse é o assunto do vídeo que fiz para o Boteco F1.
Podcast: Os desafios de Vettel na Aston Martin
No podcast do No Paddock da F2 com a Ju, os bastidores da Aston Martin e a conflituosa convivência entre Sebastian Vettel e sua equipe
Continue readingTuristando na F1: O que se come em Singapura
O GP no circuito de Marina Bay é um dos melhores da temporada e isso tem muito a ver com o que se come em Singapura e seu caldeirão de sabores agridoce do sudoeste asiático. O melhor de lá é que come-se bem em qualquer barraquinha na rua, o que é uma ótima notícia em uma cidade cara. Melhora ainda para quem trabalha na F1 e sai da pista sempre depois da 1h da manhã devido aos horários diferentes desse GP.
É verdade, também, que minha experiência em Singapura é um bem condicionada a esses horários, mas mesmo assim ano passado lutei contra a tentação de ir no mesmo lugar que certamente estará aberto e pude conferir outros cantos.
Singapura para mim é sinônimo de food court, ou seja, várias bancas de comida ao redor de banquinhos e mesas simples, pratos com muitos vegetais e frutos do mar, regados a molhos de peixe, uns mais picantes, outros agridoces, e uma cerveja Tiger gelada. Quem precisa mais do que isso?
Assim como no Japão e na China, não é preciso se preocupar em decorar os nomes dos pratos do que se come em Singapura, com a facilidade de que o inglês é uma das línguas oficiais por lá. Os menus vêm sempre com fotos ou as barraquinhas têm pratos de demonstração – o que também acontece no Japão. E funciona muito bem, porque os vegetais e os molhos deixam menus e bancas cheias de cores. É a definição de comer com os olhos.
Muito verde e pouca salada
O curioso desses lugares é que, embora seja muito quente, você não encontra saladas cruas, não me perguntem por quê. Até os vegetais – e são muitas opções, inclusive coisas que você não encontra em outras partes do mundo – são cozidos e levam consigo algum molho, muitas vezes de peixe ou soja.
É muito comum também ter arroz frito. Vários pratos incluem fritura, inclusive, muitas vezes com carnes e peixes empanados, mas nada vem pingando óleo. Curry também está presente em vários pratos, assim como há noodles para toda parte. Afinal, Singapura é no sudoeste asiático, mas tem grande presença indiana e chinesa.
A cidade-estado em si não tem uma culinária própria, sendo influenciada pelos vizinhos, mas um prato bastante popular no país é o char kway teow, noodles feitos de arroz, com molho de soja, camarões e broto de feijão. Parece gororoba, mas funciona. Mas acho que laksa tem mais cara de Singapura pelos ingredientes. É uma sopa de noodles ou arroz com frango, camarão ou peixe, com um molho apimentado com curry e leite de coco. É China encontrando Malásia e Índia, ou seja, é Singapura.
Ah, e apimentado nessa parte do mundo realmente quer dizer apimentado. Não é por acaso que o copo de Tiger está sempre do lado em caso de algum apuro…
Para quem gosta de comida asiática, Singapura é um prato cheio. Da barraquinha que vende chicken satay, um espeto de frango com molho curry, tradicional da Indonésia e muito popular na Malásia. Até um restaurante japonês de alto padrão no topo daquele hotel famoso com três torres e a piscina em cima, passando pela rede Din Tai Fung, de ótima comida chinesa e que gera filas enormes em sua filial em Londres. Sempre come-se muito bem.
Estratégia do GP da China e o custo da indecisão da Ferrari
Assistindo ao GP da China, muita gente ficou com a impressão de que a Ferrari é, no momento, uma equipe atrapalhada. E teve até quem apostou que o time prejudicou Charles Leclerc de propósito. Mas os detalhes que surgiram após a prova mostram como a Scuderia foi colocada nas cordas por dois adversários, ao mesmo tempo em que tinha que lidar com seus problemas internos. Sim, na terceira corrida, Leclerc já é um problemaço para a Ferrari. Se é um problema bom de se ter, ou uma bomba de autodestruição ferrarista, é provavelmente a história mais interessante que vamos ver no desenrolar do ano.
O cenário antes da corrida era o seguinte: os pilotos do top 5 tinham escolhido largar com pneu médio para fazer apenas uma parada, mas as mudanças na condição da pista exigiriam a administração do ritmo para executar a estratégia. O circuito da China é muito complicado em termos de pneus principalmente por conta da sequência da curva 13, longa e de alta velocidade, e a enorme reta que a segue: os pneus traseiros se superaquecem na primeira e os dianteiros perdem temperatura na segunda, de ambos os casos causando mais degradação.
Em termos de performance, a Mercedes tinha fechado a primeira fila porque, nas curvas, compensava a vantagem de 0s35 da Ferrari nas retas. E tanto Vettel (que não preparou bem seus pneus), quanto Leclerc (que não ficou feliz com sua volta) sentiram que poderiam ter tirado mais do carro na classificação. Por essa combinação de fatores, a Mercedes temia que seria engolida na longa reta logo nas primeiras voltas da prova.
Mas Leclerc passou Vettel e não tinha ritmo para ameaçar as Mercedes. Quando o DRS foi liberado, a diferença já passava de 3s e Vettel se mantinha andando no mesmo décimo do companheiro, indicando que tinha mais ritmo. Na volta 8, disse isso à equipe, quando o gap já era de 5s8.
É pedido a Leclerc, então, que ele aumente o ritmo. E ele argumenta que os dois estão poupando pneus. O engenheiro de pista do monegasco lhe pede, então, que use um modo mais potente de motor e o turbo (comando geralmente usado para possibilitar ultrapassagens). Logo depois, de cima, vem a ordem pela inversão, na volta 11.
Quando Vettel toma a dianteira, seus pneus já estavam superaquecidos e ele tem dificuldades em mostrar o ritmo que achava ter e agora era Leclerc quem destroçava os seus, ainda seguindo a instrução de usar o motor em um regime maior. Isso claramente demonstra cada lado da garagem jogando para si o que, somado ao titubeio da chefia, leva ao seguinte cenário: na volta 16, as Mercedes desapareceram na frente – Hamilton tem 12s de vantagem para as Ferrari – e Max Verstappen está a 3s4 de Vettel e a 2s de Leclerc, e os dois ferraristas gastaram mais pneu do que deveriam em todo o seu imbróglio. Para completar, o undercut na China está na região de 2s5 a 3s. Ou seja, se um piloto antecipar a parada, ganha, em uma volta pelo menos 2s5 em relação ao rival que ficou na pista.
Vendo a oportunidade, a Red Bull para Verstappen e muda a estratégia da corrida. No momento em que Max entrou nos boxes, a posição de Leclerc já estava perdida – ou seja, mesmo se ele entrasse na volta seguinte, já voltaria em quinto. Coube à Ferrari defender a posição de Vettel, parando-o logo em seguida, e até ele teve trabalho para se manter à frente do holandês.
A parada de Max e o ritmo que ele agora forçava o top 3 a adotar estava impossibilitando que a corrida tivesse só uma parada para esses pilotos. Mas Leclerc já estava atrás de todos e, se conseguisse levar o pneu até a volta 30, economizaria cerca de 20s fazendo uma parada a menos. A tentativa ferrarista foi mantê-lo na pista, mas o monegasco perdeu 8s entre as voltas 18 e 21, o que fez o time mudar de ideia.
É fácil entender por que os pneus dele não aguentaram depois das alternâncias de ritmo das primeiras voltas da corrida, o que mostra que a demora da Ferrari em dar a ordem tirou qualquer chance de Vettel tentar um ataque nas primeiras voltas e de Leclerc de pelo menos tentar manter o quarto lugar.
Mas por que eles titubearam com essa ordem? Seria, e acabou sendo, a segunda em três corridas – neste texto explico por que o Bahrein foi diferente – e parece haver um racha instalando-se em Maranello. Não é como no passado, com Schumacher e Alonso, em que o time tem com clareza que deve apostar todas as fichas em um piloto.
Leclerc é o primeiro titular que vem da FDA, a academia de pilotos ferrarista, e ainda tem por trás a família Todt. E está fazendo um grande trabalho logo de cara, ao lado de um Vettel que enfrenta questionamentos após os erros especialmente do último ano. E não é por acaso que, na China, Leclerc deixou seu descontentamento muito claro via rádio. Ele sabe que tem capital político para isso.
Não que os problemas ferraristas acabem por aí. Eles veem muito potencial no carro pela maneira como ele funcionou nos testes, mas ainda não conseguiram replicar isso na temporada. Mas essa é a especialidade de Binotto. Administrar pilotos ele já admitiu que é a parte mais difícil de seu novo cargo. Ainda mais com esses dois andando tão próximos como estão.
Drops do GP da China, o rolê aleatório da corrida 1000 e o poder dos Todt
A China não é para os fracos, é o que eu posso dizer. Por mais que seja fascinante estar em um lugar tão diferente, basicamente tudo dá mais trabalho do que deveria. E no domingo a grande maioria está contando as horas para se mandar de lá. Como basicamente tudo o que usamos em termos de aplicativos é bloqueado, você depende de VPNs que ficam caindo toda hora, e o Google Maps não funciona muito bem. Tanto, que mandei mensagem para a jornalista Kate Walker depois do primeiro treino livre para saber se estava tudo bem porque ela não tinha aparecido. “Coloquei o endereço de onde ia pegar minha carona no app e o taxista me largou num prédio em construção do outro lado da cidade!”.
Isso sem contar no jet lag. Vi pelo menos dois jornalistas completamente apagados no sofá na sala de imprensa.
Talvez por isso eu até procurei o Ronaldinho Gaúcho no grid porque esse tal rolê do GP 1000 estava tão aleatório que achei que ele pudesse aparecer. A impressão era de que tinham percebido duas semanas antes que a data aconteceria. Alguns poucos carros bem aleatórios estavam em exposição no paddock, como a Stewart de 97 e a Lotus de 2013, e só um carro histórico foi para a pista – a Lotus com a qual Graham Hill foi campeão, pilotada pelo filho Damon. Nem para ter um carro de cada década, uma reunião decente de memorabília ou a presença de campeões. Só estavam lá o que sempre estão porque seguem envolvidos no esporte, e a foto oficial do GP 1000 acabou com acredito que só três campeões do mundo além dos que estão no atual grid. Faltou mesmo o Ronaldinho.
Tem sido interessante, contudo, observar o crescimento da Fórmula 1 na China. Os fãs não são muitos, mesmo com a pista sendo de fácil acesso e os ingressos, baratos. Mas eles têm um grande conhecimento, se não do esporte em si, pelo menos das pessoas que trabalham nele. Tanto, que até a fisio de Lewis, Angela, é parada para fotos e o fotógrafo James Moy ganhou uma caricatura de uma fã.
Hamilton e Raikkonen são os pilotos mais populares, e não parecem gostar muito do tipo de abordagem chinesa. Kimi andava no paddock quase no meio dos pneus para evitar os fãs que tinham acesso ao paddock e Lewis se incomoda com o fato deles quererem tocá-lo. O inglês acredita muito em manter sua energia forte e por isso não gosta de ser tocado por estranhos.
Falando nisso, tive um papo de mais de uma hora com o fisio de Ayrton Senna, Josef Leberer, em que ele citou que o brasileiro também se incomodava em ser tocado, o que Josef credita a sua timidez. Ele contou algumas curiosidades, como o fato de cozinhar com produtos orgânicos para Senna e Prost mesmo no final dos anos 80. Mas o papo era sobre Ayrton como pessoa, que estou fazendo para o especial que vai ser publicado no UOL dia 1º de maio.
Outra entrevista exclusiva no fim de semana foi com George Russell, que me impressionou negativamente. Ele está completamente diferente do menino simpático com quem conversei em outubro do ano passado, agindo como se tivesse uns três títulos mundiais, pelo menos. E também deixou claro que não vai muito com a cara de Lance Stroll, cujo único amigo no paddock parece ser Esteban Ocon – o que é até engraçado, porque eles não poderiam vir de origens mais distintas!
Voltando a Russell, parece que ele até já deu piti por não conseguir um upgrade da business para a primeira classe voltando do Bahrein. Pelo menos teve a humildade de admitir, na entrevista, que aprende muito nas reuniões com Kubica, que não apenas relata as sensações no carro, como também indica aos engenheiros o que fazer. “Tenho que lembrar que engenheiros não pilotam.”
Em compensação, Charles chegou na quinta-feira com a atenção de todos centrada nele, e continuou com o mesmo de sempre. Tenho percebido que Binotto está grudado nele o tempo todo – eles voaram juntos após a corrida do Bahrein e na China ele estava nas entrevistas, algo muito incomum. Perguntei a ele por que a atenção tão centrada em Charles, e Mattia disse que está tentando se certificar que ele aprenda rápido e que seja um grande campeão.
Ao mesmo tempo, chamou a minha atenção uma declaração de Vettel, ainda na quinta-feira. Ele falava de sua sequência de erros e de ter sido defendido por Hamilton. “Parece que ele é o único aqui que não sofre de memória curta”. E depois disse que só quem está dentro da equipe para entender por que as coisas são como são. Sabe-se lá o que estava tentando dizer.
E aí chega o domingo e dá no que dá. Com o rendimento dos dois pilotos tão próximo e o time já saindo no prejuízo com só três etapas disputadas, está claro que ainda vamos ver muitos capítulos dessa briga interna. E o que se diz no paddock é que o poder dos Todt na Ferrari, uma vez que Nicolas é empresário de Charles, será testado.
Nem no top 500
“Eu ganhei o piloto do dia? Então não deve ter sido uma corrida muito emocionante, né?”, disse o gente boa Alex Albon quando ficou sabendo que tinha sido escolhido o melhor na votação pela internet. Ele saiu dos boxes depois de ter detonado o carro no final do FP3 e terminou em décimo, tendo escalado o grid principalmente na parte inicial da corrida.
E, sim, foi a melhor performance daquele que foi o milésimo GP da história da Fórmula 1, mas que não vai ficar marcado nem no top 500 das melhores corridas da história.
Isso porque o ritmo das Mercedes era inalcançável e a esperada velocidade de reta superior da Ferrari ficou na promessa. E mesmo no meio do pelotão as estratégias foram muito similares, pois a degradação foi maior que o esperado e era impossível fazer apenas uma parada e ter um bom resultado em uma pista que permite ultrapassagens, então era um risco que não valia a pena.
Não que a falta de compreensão do carro seja o único problema da Ferrari neste momento. O rendimento de Sebastian Vettel e Charles Leclerc está muito mais parelho que Mattia Binotto gostaria, uma vez que, sendo assim, situações como a deste domingo tendem a ser frequentes, e a maneira como o time reagiu em Xangai só serviu para entregar o quarto lugar de bandeja para Verstappen.
Era uma situação difícil: Leclerc parecia mesmo estar segurando Vettel, mas quando ele começou a abrir, veio a ordem. Vettel disse que não pediu a inversão, só comunicou que achava que poderia ir mais rápido. A Ferrari, então, pediu para Leclerc aumentar o ritmo, o que ele fez, mas mesmo assim decidiu pela inversão. Para piorar, Vettel disse que até estranhou não ter tanto ritmo quanto achava que tinha mesmo com ar livre: ao não conseguir abrir de Leclerc, ele o deixou encaixotado e exposto ao undercut de Verstappen.
Quando a Red Bull chamou o holandês para os boxes, pelo menos uma das posições da Ferrari já estava perdida, já que um dos carros teria que parar duas voltas depois. Eles defenderam a posição com Vettel, o que era normal por ser quem estava na frente, e decidiram estender o stint de Leclerc para tentar dar alguma chance dele se recuperar mais adiante na corrida, o que acabou não sendo suficiente.
É possível que tudo isso também tivesse acontecido sem a ordem – Leclerc segurando Vettel, no caso, e Verstappen aproveitando para trocar os pneus antes e roubar uma das posições. Mas pelo menos eles não teriam ganhado a desconfiança de um de seus pilotos, cujo olhar mostrava uma frustração muito maior do que as palavras após a prova.
Até porque Leclerc fez outra grande classificação e corrida. Ele pouco andou nos treinos e não tinha feito a simulação de corrida, por um problema no arrefecimento do motor. Começou a classificação longe de Vettel e terminou a 17 milésimos.
Algo semelhante foi visto na Mercedes. Hamilton estava completamente perdido na sexta-feira, achou que tinha feito uma bela volta no Q1 e se surpreendeu ao ver que Bottas fora 0s5 mais rápido. Mudou a abordagem em algumas curvas após estudar a telemetria durante o treino e ficou a 23 milésimos do finlandês. E depois teve um ritmo melhor na corrida, enquanto Bottas superaqueceu os pneus traseiros ao tentar persegui-lo no início da prova.
E foram essas viradas de jogo individuais, de Leclerc até a indecisão da Ferrari, de Hamilton, Albon e também de Perez e Raikkonen, outros pilotos que estavam reclamando muito do carro na sexta-feira e terminaram nos pontos, que salvaram as comemorações pelo 1000º GP da história.
Rapidinhas de Xangai
O prejuízo da Ferrari foi até menor do que o esperado na classificação do GP da China. Está faltando velocidade nas curvas de baixa e média velocidade para o carro italiano, o que é um mistério uma vez que o circuito do Bahrein também era cheio delas. Pelo menos, na corrida, eles sabem que terão mais velocidade de reta. Porém, a dúvida é se conseguirão seguir o ritmo de prova da Mercedes, que esteve mais forte nos treinos livres, embora Bottas esteja apostando que será uma briga entre três equipes pela vitória..
Isso porque é possível que tenhamos carros comportando-se de maneira diferente na corrida. E isso tem a ver com o comprometimento do acerto do carro que é característico da pista da China: o set up é muito diferente para fazer o carro render bem com o pneu macio ou com o duro e médio.
Com o macio, é preciso proteger os traseiros por conta das áreas de tração. Já com o duro e médio, a longa reta tira temperatura do pneu de forma tão representativa – ainda mais, claro, quando a pista está mais fria – que é preciso proteger os dianteiros.
Pensando que quem largar com os macios e quiser fazer uma parada provavelmente vai ter que usar os duros, já que eles não devem durar mais que 18 voltas, dá para entender por que o cenário é complicado. Foi por isso, inclusive, que o top 5 vai largar com os médios para muito provavelmente fazer a segunda metade da prova com o duro, evitando o problema com a adaptação com o pneu macio.
Mas será fácil fazer só uma parada? O histórico do GP da China mostra que não, vide a maneira como Daniel Ricciardo veio voando para vencer a prova do ano passado, mas neste final de semana não estamos vendo o graining que contribuiu muito para aquele final emocionante. Por outro lado, por ser uma pista em que dá para ultrapassar, é muito provável que algumas equipes arrisquem fazer duas paradas, especialmente no meio do pelotão ou se tivermos um Safety Car.
Falando sobre a classificação em si, Verstappen ficou irritado com Vettel por tê-lo ultrapassado em sua outlap. O holandês disse que há um acordo para que isso não aconteça, mas pelo que falei com os outros pilotos, Max não tem razão: diferentes carros têm diferentes necessidades em termos de aquecimento de pneus, então é normal que eles tenham ritmos diferentes.
Outros dois pilotos chamaram a atenção: a recuperação de Lewis Hamilton ao longo da classificação foi sensacional. Na primeira ida à pista, ele disse que ficou super contente com sua volta e se assustou quando viu que Bottas tinha sido meio segundo mais rápido. Estudou a telemetria e no final perdeu a pole por apenas 23 milésimos. O inglês não se entendeu com o carro por todo o final de semana e disse que, mesmo com a boa classificação, acha que o comportamento do carro está “terrível”.
Outro que não estava nem um pouco feliz, mas consigo mesmo, era Charles Leclerc. A maneira dura como ele mesmo se cobra, sua marca registrada, ficou clara na conversa com o engenheiro logo após a classificação. Quem ouve pode imaginar que ele perdeu de uns 8 décimos para Vettel, quando na verdade a diferença foi de 17 milésimos.
http://www.youtube.com/watch?v=Uer7r9QqfPY
Confira o placar entre companheiros e as diferenças na classificação do GP da China
Turistando na F-1 e aventurando na culinária chinesa
A cara da China: Uma cumbuca de palha cheia de dumplings
O melhor lugar para comer: Xin Tian Di ou Tai Gu Hui. São os dois lugares em que o jornalista chinês e meu amigo Frankie Mao disse que levaria a namorada para comer. Confio no Frankie!
O que evitar: Não experimentar. A culinária local se ajusta a qualquer paladar.
Para deixar claro logo de cara: eu nunca vi um pastel na China. Não que essas comidinhas rápidas não estejam por todos os lados, mas elas raramente são fritas: com um nome genérico de dumplings em inglês, eles geralmente consistem em uma massa fina recheada por carne de porco, vaca, camarão, tofu ou vegetais, feita no vapor. Eles não têm um gosto muito marcante e geralmente são comidos com shoyu – e provavelmente o mais próximo do que se normalmente é encontrado no Brasil seria o gyoza (ainda que na maioria das vezes ele seja frito por aí, o que é um costume que me parece ser mais japonês).
Xiao long bao é meu dumpling favorito, mas na hora da fome confesso que não faz muita diferença: os sabores não mudam tanto assim, já que são receitas simples. E não existe um limite para o número de dumplings que você
consegue comer com fome, mas é fato que, nestas situações, sempre vai acabar pedindo mais do que precisa!
Deixando os dumplings de lado, quando penso no que geralmente como em Shanghai, só me vêm à mente diversas variações de ensopados de noodles (espécie de macarrão tipo espaguete, mas bem mais grosso) com alguma carne ou vegetais. São pratos – ou melhor, tigelas – que alimentam, são saudáveis, mas não ficam muito marcados na memória.
Isso porque essa história de sopa de macarrão é comum na Ásia, mas os vizinhos da China, especialmente ao sudoeste do país, como Vietnã e Tailândia, têm pratos com sabores mais marcantes – e picantes.
Claro que minha intenção aqui não é definir para ninguém o que é a culinária de um país gigante como a China tendo ido apenas a uma cidade no país, mas só falar da minha experiência caçando comida em Shanghai.
Acho uma pena, inclusive, que muitos colegas torçam o nariz para o país e prefiram a comida da sala de imprensa (que costuma ser arroz frito e alguma carne empanada com molho agridoce e salada), inclusive o famoso (não me pergunte por que) cachorro-quente que eles servem por lá. Por que ir até Shanghai comer cachorro-quente? Enfim…
Alguns de vocês devem estar pensando: mas como é pedir esses pratos? Na Ásia, é muito comum que o menu seja cheio de fotos, então é só apontar o que parece mais apetitoso e torcer para dar certo. E geralmente dá: não me lembro de ter comido algo de que não gostei em toda a Ásia, incluindo Oriente Médio. Bem diferentemente da Europa, mas chegaremos lá em algumas semanas…
Quando não há fotos, apenas a tradução para o inglês, as coisas podem se complicar: certa vez peguei um menu fixo de almoço em um restaurante japonês na China e uma porção. As descrições de ambos eram diferentes, mas um garçom veio confirmar umas duas vezes o pedido e eu não entendia por que, já que o inglês dele na verdade era uma linguagem de sinais. No final das contas, a porção que pedi era igual a parte do menu. Comi duas vezes,
fazer o quê!
O que não tem erro é o chá. Chineses tomam muito chá verde e suas variáveis, carregam suas garrafinhas para lá e para cá, e eles caem mesmo bem com a comida de lá. Já as sobremesas sempre me pareceram mais atrativas aos olhos do que ao paladar, e nem vendo ao vivo dá para saber direito o que é. Talvez nesse ano eu prove alguma para contar a vocês como foi.
Quer saber mais sobre Xangai? E que tal saber como é ver a F-1 por lá? Não é uma cidade cara, ingressos são baratos e chegar na pista é super simples.
Por dentro da F-1 e pela volta da boa e velha brita
Se fizesse uma eleição do momento mais decisivo no campeonato do ano passado, imagino que o abandono de Sebastian Vettel no GP da Alemanha teria sido, pelo menos, um concorrente muito forte. Dá para ter mil teorias de por que o alemão saiu da pista naquele ponto, mas o mais importante é por que ele não conseguiu voltar: havia brita ali. Em um campeonato em que as áreas de escape de asfalto cada vez ganha mais espaço, foi a boa e velha brita que fez a diferença.
Porque se aquela área de escape fosse asfaltada, Vettel teria perdido 2, 3s, permaneceria na liderança e Hamilton jamais venceria, pois se aproveitou do Safety Car causado pelo rival para tal. E isso nos leva a outra pergunta: quantas emoções as áreas de escape asfaltadas estão nos tirando e o quanto elas deixam de testar a habilidade dos pilotos?
Sim, as britas passaram a ser substituídas por asfalto por questões de segurança, mas quem leu o Por Dentro da F-1 da última corrida sabe do nível de refinamento do que se tem hoje em função do controle das consequências de acidentes à disposição da FIA. Isso, sem contar as barreiras techpro, sistema francês desenvolvido em conjunto com a federação em 2006 que reduz consideravelmente o impacto em caso de acidente. Falando nestas barreiras, elas passaram por um grande teste em 2015, na Rússia, em acidente com Carlos Sainz: foi o impacto mais forte registrado nos últimos anos, de 153kmh, com pico de desaceleração de 42G, e piloto nada sofreu. E estamos falando de uma falha mecânica e em um circuito de rua, ou seja, uma situação perigosíssima.
Isso sem falar em outro exemplo: Suzuka. Não sei se dá para ter a noção exata na TV, mas as áreas de escape lá são bem pequenas especialmente se pensarmos na velocidade em que os carros fazem as curvas. E a opção foi por continuar com brita na maioria das partes. Sim, a última morte na F-1 aconteceu devido a um acidente ocorrido lá, mas por uma série de fatores que não têm nada a ver com o solo da área de escape. Suzuka é, sim, a prova de que a F1 não precisa mais de áreas de escape asfaltadas.
É justamente por toda essa evolução que aconteceu depois que as áreas de escape com brita começaram a ser trocadas por asfalto que coloquei a seguinte pergunta aos chefes da divisão de segurança da FIA há alguns meses, enquanto eles nos explicavam todo o conjunto de medidas que diminuiu o risco de consequências graves em acidentes nos últimos anos: já que os carros estão tão seguros, não seria a hora de liberar a pista um pouco mais? Mesmo entendendo que, quanto maior a segurança, melhor para o lado de vocês, será que, quando isso interfere negativamente nas disputas, não seria algo a ser revisto?
No final da discussão, ficou claro que a F-1 pode, sim, se flexibilizar. E basicamente a culpa pelas saídas asfaltadas recaiu sob a MotoGP. “Até mesmo uma via normal não pode ser segura apenas para os carros, precisa ser para as motos também”, argumentou o respeitadíssimo médico Gerard Saillant. “Temos que pensar que não é só a F-1 que corre nestes circuitos e os demais têm outras necessidades”, apontando a MotoGP como grande exemplo.
Atualmente, F-1 e MotoGP dividem quatro circuitos: Austin, Barcelona, Áustria e Silverstone. Em três deles as corridas costumam ser mornas (em Austin o traçado excelente e mudanças no clima ao longo do fim de semana costumam compensar). E em todas há problemas com limites de pista que todo ano Charlie Whiting tinha que resolver e que sempre causam confusão porque é muito difícil manter uma consistência nas punições – e ninguém na verdade quer ficar vendo punição vinda da direção de prova para quem não respeita os limites de pista. Isso deveria acontecer “automaticamente”, com a pista punindo.
Seria, então, uma questão de evitar os circuitos em que a MotoGP corre? “Tenho que concordar com você”, disse o Dr. Saillant.
Não parece, contudo, ser o caminho que a F-1 está tomando, uma vez que se comenta sobre a possibilidade de um GP na Holanda em Assen, outro circuito que recebe as motos. De qualquer forma, cabe a reflexão se, na era do halo, das luvas biométricas, das câmeras de alta velocidade, da célula de sobrevivência que passa por testes cada vez mais duros, se não daria para trazer as britas de volta em circuitos como Melbourne, Bahrein, Paul Ricard, Sochi, México e, por favor, Abu Dhabi.
O dia em que Rubinho liderou de Stewart em Interlagos
Até hoje, todo santo domingo de GP do Brasil fala-se de Rubens Barrichello. Ou pelo menos da família, já que todo mundo quer saber o que a vó de Rubinho estaria falando sobre a chuva em Interlagos, fora o carinho do torcedor por ele. Mas poderia ser muito mais que isso, não fosse a sequência de azares do piloto no circuito que era praticamente seu quintal na infância.
O pior deles foi em 2003, mas essa história fica para depois porque, há 20 anos, Barrichello liderou o GP do Brasil com uma Stewart. Foi a primeira vez que o carro de Sir Jackie ficou em primeiro em uma corrida, em sua terceira – e, de longe, melhor temporada. No final daquele ano, o time seria vendido para a Jaguar, e depois para uma certa marca de energéticos austríaca. Mas essa também é outra história.
Rubinho tinha colocado a Stewart em terceiro no grid, superando a Ferrari de Michael Schumacher – isso mesmo depois do time italiano ter feito mais de 4 mil quilômetros de testes tentando se aproximar, sem sucesso, das McLaren, que fecharam a primeira fila, com Mika Hakkinen, que defendia o título, na pole.
Seu companheiro, David Coulthard, viu seu carro travar na largada, e foi empurrado para os boxes, saindo da disputa. Hakkinen, então, tinha tudo para disparar e ganhar fácil em uma tarde em que a McLaren era muito melhor, mas passou a sofrer com um problema no câmbio, perdeu rendimento e a liderança para Rubinho e até o segundo lugar para Schumacher.
Foram 23 voltas do piloto da Stewart na frente mas, apesar da empolgação do público, ele mesmo sabia que não tinha chances de vencer, até porque tinha se comprometido a fazer uma estratégia de duas paradas, ao contrário da maioria, que faria uma. E foi justamente ao fazer seu primeiro pit stop que ele deu adeus à liderança.
Mas ainda havia a expectativa de um pódio, ainda mais com Coulthard fora de combate. Rubinho acabou voltando atrás de Eddie Irvine após a parada, o que atrapalhou seu ritmo por algumas voltas – ele precisava forçar tudo para fazer sua estratégia funcionar – até que ele passou a Ferrari do irlandês e pulou para terceiro.
A alegria, contudo, não durou muito, pois o motor Ford estourou na volta 42. Na verdade, a corrida para os brasileiros acabou no mesmo giro, já que Pedro Paulo Diniz bateu praticamente ao mesmo tempo do abandono de Rubinho, e Ricardo Zonta sequer tinha largado depois de bater no sábado e machucar o pé.
Enquanto isso, lá na frente, Schumacher bem que tentou mas não conseguiu segurar Hakkinen: antes da parada de ambos, o finlandês estava claramente sendo preso pelo ritmo mais lento do alemão, e aproveitou que o rival fez seu pit stop para acelerar e voltar na frente após sua troca de pneus.
Outro lance curioso da prova foi o terceiro lugar de Heinz-Harald Frentzen, que não cruzou a linha de chegada, sem combustível, mas não perdeu o lugar no pódio porque era o único carro na volta dos líderes. Após vários abandonos principalmente por falhas mecânicas, algo que costumava ser comum nas provas iniciais dos campeonatos, apenas nove pilotos dos 21 que largaram terminaram a prova.
O estilo Leclerc
Neste vídeo do Boteco F1, achei que seria legal passar um pouco da minha experiência com o Charles Leclerc para explicar por que o paddock da Fórmula 1 acha que ele é diferente.
Estratégia do GP do Bahrein e as ordens de equipe da Ferrari
Muita gente entorta o nariz para ordens de equipe como se elas fossem pura e simplesmente uma forma de beneficiar um piloto e sacanear o outro, como se fossem coisa de equipe que tem primeiro e segundo pilotos definidos. Então a análise da estratégia do GP do Bahrein é um bom momento para observar como a Ferrari tem jogado o jogo.
A Scuderia tem, sim, um histórico de decisões polêmicas sobre o tema, mas ano passado já acenou com uma postura diferente, não invertendo posições pensando no mundial de pilotos em algumas situações. O time até mesmo deu chance maior a Kimi Raikkonen do que a Sebastian Vettel de tentar a pole na Itália, em momento chave do campeonato.
Pois, bem. Austrália: depois de andar atrás de Vettel por todo o fim de semana, Leclerc está melhor com o segundo jogo de pneus e chega fácil no alemão. Provavelmente, passaria. Mas o que a equipe ganha com isso? Verstappen estava longe e tinha um ritmo melhor que Charles, então a Scuderia continuaria com o quarto e quinto lugares. A opção foi por evitar uma briga que poderia colocar em risco o resultado do time.
Duas semanas depois, no Bahrein. Novamente, Leclerc tem mais ritmo e avisa isso via rádio. A equipe pede para esperar. Provavelmente, perguntaria a Vettel se ele poderia apertar o ritmo, pois está segurando o companheiro, e não dá para adivinhar qual seria o resultado dessa conversa. De maneira inteligente, Leclerc viu a oportunidade de passar e foi para cima, dando o recado para o time de que os dois podem, sim, lutar por posição de maneira madura.
Volta 12: Leclerc lidera, com 3s3 para Vettel e 4s2 para Hamilton. A Mercedes está em posição de colocar a Ferrari sob imensa pressão, podendo fazer o undercut nos dois pilotos caso a Scuderia optasse por parar Vettel antes. E a Scuderia Ferrari reage protegendo primeiro a posição de quem? De Leclerc. Se eles tivessem primeiro tentado defender com Vettel, e depois com Leclerc, corriam o risco de perder ambas as posições.
A moral da história é que mesmo a Ferrari, com todo seu histórico, vem usando ordens de equipe para atender aos interesses do time, e não de um piloto em particular. Não se espera outra coisa, inclusive, em um início de campeonato, ao mesmo tempo em que cabe a Leclerc aproveitar esse momento para se firmar.
Isso me faz voltar a 2010, quando Fernando Alonso estava chegando na Ferrari. Logo na quarta corrida, na China, ele ultrapassa o companheiro Felipe Massa na entrada do pit e ganha a prioridade em uma daquelas paradas duplas em Safety Car, ganhando segundos preciosos com isso. Massa cobra Domenicalli na época, mas nada acontece. As posições de Leclerc e de Alonso são bem diferentes, mas retomei a história porque foi uma forma do espanhol testar o tanto de poder que tinha. E ganhar mais e mais a partir daí.
Voltando a 2019 e ao Bahrein, o desgaste dos pneus traseiros devido à grande quantidade de zonas de tração no circuito de Sakhir, combinado com a temperatura mais alta no início da prova, tornavam a tarefa de fazer apenas um pit stop difícil, especialmente para os carros mais rápidos. Sem ninguém escapando na ponta e conseguindo administrar os pneus macios no início, a tarefa era impossível.
Mesmo assim, quando a Mercedes chegou na volta 12 e viu o caminho aberto para o undercut primeiro de Vettel e, potencialmente, até de Leclerc, teve de reagir a outro fator: a Red Bull viu uma perda de pressão em um dos pneus de Verstappen e o chamou dos boxes. Logo, a Mercedes teve que chamar Bottas para protegê-lo do undercut do holandês. A Ferrari, então, viu a brecha e chamou primeiro Leclerc, protegendo a liderança, e depois Vettel, que parou uma volta depois de Hamilton.
Seria o suficiente para manter o segundo lugar na primeira bateria de paradas, talvez pela sorte de ver Hamilton não se dar bem com os pneus macios. Na segunda, a Mercedes parou Hamilton antes para ajudá-lo a chegar mais perto – já que a distância era de mais de 3s, grande demais para um undercut, e ele aproveitou a dificuldade do rival aquecer os pneus. Antes mesmo da rodada, pela qual assumiu 100% da culpa, dizendo-se surpreendido pelo vento, Vettel simplesmente não estava se entendendo com o carro, perdendo a traseira o tempo todo. Como vimos algumas vezes em sua carreira, ele tem um estilo de pilotagem muito específico, e isso faz com que o acerto com o qual se dá bem também seja igualmente específico. E certamente não era o que ele tinha domingo.
Certamente, também, do outro lado da garagem, foi dado o recado. Leclerc vai cometer seus erros, como o fez na Austrália – na classificação e dando uma escapada na corrida. Mas a diferença entre os dois parece ser que o mais experiente deles costuma repeti-los com uma frequência que não condiz com seus números invejáveis.
Drops do GP do Bahrein e o efeito Mick Schumacher
Comecei meu final de semana com a missão de perguntar a todos os pilotos nascidos após 1994 o que vinha à sua mente quando era mencionado o nome de Ayrton Senna. Percebi um distanciamento enorme, com Albon chegando a falar algo como “ouço o Lewis falar sempre dele, então deve ter sido muito bom”.
Já estava meio que perdendo as esperanças de ouvir algo diferente até que Charles Leclerc me surpreendeu. “É o meu maior ídolo, sempre foi”. Influência, claro, do pai de quem nasceu apenas em 1997.
Já entre os brasileiros mais novos, a palavra foi curiosamente outra: Heroi. Foi assim que Sergio Sette Camara, Pietro e Enzo Fittipaldi – que é de 2001! – definiram o tricampeão.
Serginho, aliás, levou bronca da direção da Fórmula 2 depois de reclamar do motor via rádio no início da corrida. Na categoria, todos usam o mesmo motor, então a interpretação foi de que a declaração mancharia a imagem da competição. Ele, na verdade, só tinha achado realmente que havia um problema no motor. Nem estava pensando em todas as especulações que já estão circulando sobre favorecimento a Mick Schumacher. Inclusive, se surpreendeu quando lhe falei que deveria ter sido esse o motivo da bronca.
Mick, por sua vez, foi o centro das atenções. Em uma raríssima entrevista coletiva, ele mais sorriu do que respondeu, evitando todas as perguntas que tinham a ver com sentimento. Até que entrou em pauta as férias que as famílias Schumacher e Verstappen costumavam passar juntas. Max, que é dois anos mais velho que Mick, já disse que era pequeno demais para lembrar algo. Mas mesmo assim insistiram, e ele dava respostas evasivas. Até que um colega, creio que holandês, me vem com a pergunta: “Mas quem era melhor no esqui?”. Mick arregalou o olho e respondeu “esqui?”, meio que não acreditando na pergunta. Foi o fim da coletiva.
Um desenvolvimento interessante da carreira de Schumacher Jr. é uma mudança na gestão de sua carreira. Agora, Sabine Kehm, empresária de Michael na parte final de sua carreira e grande “guardiã” do segredo sobre seu estado de saúde, passa a ser a assessora de imprensa, e Nicolas Todt assumiu a carreira de Mick. O que não chega a ser surpresa pelo fato dele ter entrado na família Ferrari.
Mas é curioso porque ele é piloto Prema. A equipe, que Lawrence Stroll comprou há alguns anos para garantir o futuro do filho, deveria ter entrado como como parte da negociação para permitir a venda da Force India ano passado, mas algo azedou na negociação e Stroll não vendeu, como fora combinado, o time a Nicolas Todt. Não precisa ser gênio para perceber que, ao fazer isso, Stroll comprou uma bela briga “simplesmente” com a FIA.
Falando em chefões, o CEO da Fórmula E, Alejandro Agag, ficou instalado no escritório da Liberty Media em sua passagem pelo paddock, e foi recebido pela comitiva em peso: Chase Carey, Sean Bratches e Ross Brawn. O Liberty Group, que comanda a Liberty Media, também tem ações da categoria elétrica.
Por fim: tentei fazer uma pegadinha com Kimi Raikkonen. A entrevista dele começaria em finlandês e depois continuaria em inglês. Perguntei ao único jornalista finlandês o que ele perguntaria. “Primeiro vou contar uma piada e depois perguntar o que ele acha do fato de ter feito quase 30% das corridas da história da F-1.” Então primeiro eu ri da piada, depois falei para o Kimi, “como você estava dizendo em finlandês, como é ter feito quase 30% das corridas da história?” para ver se ele achava que eu tinha realmente entendido. E ele: “Não era eu que estava falando isso”. Kimi 1 x 0 Ju. E segue o jogo!
Unanimidade
Não me lembro de ter visto o paddock inteiro torcer por um piloto. Nada contra qualquer um dos demais. Simplesmente, todos a favor da Fórmula 1, querendo ver a história sendo feita por um menino de 21 anos que tem todos os ingredientes para escrever capítulos importantes daqui em diante. E todos saíram do paddock em Sakhir com a sensação de que, mesmo sem a vitória, é só o começo.
E olha que não estava sendo uma daquelas vitórias fáceis. Após uma sessão de classificação em que superou Sebastian Vettel o tempo todo, com direito a um erro do alemão na última tentativa, Charles Leclerc não largou bem, acabou mal posicionado na primeira curva, dividida com o companheiro, perdeu momento, e acabou ultrapassado também por Bottas. Recuperou as posições na pista, incluindo um duelo que muita gente não acreditava que a Ferrari permitiria com Vettel. Logo depois, a Scuderia calou mais uma vez aqueles que veem Vettel como seu número 1 incontestável: defendeu a posição de Leclerc quando a Mercedes fez o undercut com Hamilton, basicamente rendendo a posição de Vettel. Caso tentasse proteger o alemão e chamá-lo primeiro, correria o sério risco de perder ambas as posições.
A partir daí, Leclerc impôs um ritmo forte ao mesmo tempo em que cuidava dos pneus, lembrando da época de Fórmula 2, em que gerava até desconfianças a respeito da legalidade de seu carro. Seria uma vitória fácil até um problema no sistema de recuperação de energia deixá-lo rendido, com 40km/h a menos nas retas. Era uma questão de tempo para que Lewis Hamilton e Valtteri Bottas o passassem.
E Vettel? Esse já tinha dado mais um motivo para a imprensa italiana e a própria Ferrari questionarem sua posição de número 1 – que, compreensivelmente depois dos erros dos dois últimos anos, não é inquestionável em Maranello. Na tentativa de defender um ataque até meio suicida de Hamilton – ele mesmo disse: “mergulhei o carro e esperei pelo melhor” – o tetracampeão rodou sozinho, e a vibração causada por sua roda acabou quebrando a asa dianteira quando ele retomou a velocidade na reta. Por uma afobação, mal sabia que estava jogando fora uma vitória. E abrindo caminho para a mesma pressão com a qual não lidou bem nos últimos anos.
Porque Leclerc vai ganhando até mesmo os mais céticos. Sem firulas, sem máscara. Só um jovem piloto ciente de que tem muito a aprender – e aproveitando todas as oportunidades de fazê-lo.
No mais, foram várias as equipes que foram mal na Austrália e bem no Bahrein, em um daqueles altos e baixos comuns a inícios de temporada, principalmente em pistas tão diferentes em todos os aspectos – da condição do tempo ao asfalto. Mas a pista de Sakhir é mais significativa do que Melbourne, e isso dá confiança para a Ferrari, e também para a McLaren, outra equipe cujo ritmo foi muito superior ao esperado até mesmo pelo time.
Já a Haas sai com a pulga atrás da orelha, sem saber onde foi parar o ritmo da classificação, e a Renault com os dois pilotos fora praticamente ao mesmo tempo por problemas na unidade de potência. Além do abandono duplo, eles ainda tiveram de ouvir a cutucada de Christian Horner, que disse que só a Renault mesmo para tirar o pódio deles, já que o Safety Car foi acionado bem na hora em que Max chegava em Leclerc. (Aliás, para quem achou o período de SC longo demais, o carro de Ricciardo estava com a luz vermelha acesa, mostrando perigo de eletrocutamento – ou seja, os fiscais não podiam mexer no carro)
Mas também acabou sendo a chance de Leclerc receber o merecido reconhecimento em um primeiro pódio que nem curtiu. Mas pelo menos ouviu de Lewis Hamilton que tinha de levantar a cabeça porque ainda venceria muitas corridas na carreira…
Rapidinhas do Bahrein
- O que virou o jogo para o lado da Ferrari no Bahrein foi justamente o que faltou na Austrália: velocidade de reta. Valtteri Bottas disse que a Mercedes achava que estava guardando o bastante no seu party mode para o qualy, mas o time se surpreendeu quando viu que a Ferrari também guardava.
- Joguei, então, a pergunta para Vettel. Que disse que eu deveria questionar a Mercedes porque eles é que deveriam ter perdido velocidade. Respondi que já tinha perguntado. “E eles disseram que é a gente que melhorou? Bom, então estamos na mesma.”
- O fato é que algo mudou. E, como o cenário visto no Bahrein é parecido com os testes, o que parece é que Melbourne é que foi a aberração.
- Mas fechar a primeira fila ganhando na velocidade de reta significa que é o fim para a Mercedes? Os pilotos se mostraram confiantes de que não. Isso porque o desgaste de pneus ferrarista deve ser maior.
- A Pirelli divulgou que as duas estratégias mais rápidas são com uma parada (médio + duro, ou seja, o que os pilotos a partir do top 11 devem tentar, é a melhor seguida por macio + duro se o piloto segurar o ritmo no começo). A ideia da Mercedes é pelo menos dividir as Ferrari na largada e fazê-las forçar o ritmo – e possivelmente ter de parar duas vezes. E, no caso de ser uma corrida de duas paradas (tudo depende do ritmo do início), tanto Hamilton, quanto Bottas têm um jogo de macios novo.
- E a Red Bull? Está vivendo um final de semana de Ferrari na Austrália, sem conseguir acertar o carro. “Fizemos de tudo e nada funciona”, disse Verstappen, que tirou no braço na classificação na hora decisiva. Mas mesmo assim disse não se sentir ameaçado pela Haas na corrida.
- Haas que foi acompanhada da McLaren como times médios que conseguiram colocar os dois pilotos no Q3. Mas no caso do time inglês, existe a preocupação com o ritmo de corrida.
- Por fim, não poderia deixar de destacar Leclerc. Ele saiu da classificação da Austrália decepcionado com sua classificação e, como já falei por aqui, não é de errar a mesma coisa duas vezes. Quanto à Ferrari, eles vão fazer de tudo para preservar os pontos da equipe: seja quem estiver na frente, vão congelar posições se tiverem a dobradinha.
Disputa entre companheiros em classificação e as diferenças no GP do Bahrein
Turistando na F-1 e no “café amarelo” do Bahrein
A cara do Bahrein: Uma mesa cheia de pratinhos. E um deles tem hummus.
O melhor lugar para comer: Ainda estou procurando. Por enquanto, o bandejão do circuito ainda leva vantagem, até porque tudo é mais tarde por lá e é difícil encontrar lugares abertos.
O que evitar: Não deixe para ir jantar tarde porque só vai sobrar fast food
Só de digitar o título, já me veio a lembrança do aroma de uma espécie de café amarelo de cardamomo que eles servem na sala de imprensa no Bahrein, mas sei que não é qualquer um que encararia – e nem todo mundo que gosta depois que prova algo que é tido como café, mas que na verdade não tem nada a ver com café. Mas o fato é que, cardamomo à parte, é difícil passar fome por lá.
Você pode estar pensando: ‘mas no Bahrein! Nem sei direito onde fica!’ Não estou dizendo que o Bahrein especificamente é um paraíso da comida, mas que o Oriente Médio não costuma desapontar.
Muito do que se encontra nos restaurantes não é diferente da cozinha árabe à qual estamos acostumados no Brasil, mas diria que os temperos são mais ricos e até um pouco adocicados dependendo do prato. Mas encontrar tabule, kibe, charutinhos de uva e muito hummus é tarefa fácil.
Recomendaria, contudo, ir além. E, se o Bahrein nunca estiver nos seus planos – e, mesmo que o GP por lá seja um evento muito bem feito, já que é tão importante para o país que a pista estampa uma das notas do dinheiro por lá (!) – o mesmo vale para lugares mais frequentados por brasileiros, como Dubai ou mesmo Israel. (Pois é, em termos de comida, Israel está bem pertinho dos vizinhos árabes, só com nomes diferentes).
Nessa região, a melhor pedida em termos de carne é cordeiro, o que nos leva a uma lição importante sobre comer pelo mundo – deixe para consumir a carne de vaca no Brasil mesmo para evitar decepções, não é a toa que a carne brasileira é tão famosa. Aliás, a combinação entre tiras de cordeiro e hummus é sensacional.
Mas seria injusto falar só de comida árabe em geral. O Bahrein tem as suas especialidades, sendo que a maioria delas são basicamente pratos de arroz (não é arroz branco e o grão não é minha especialidade, mas acho que chama agulha, e é cozido com açafrão) com frango ou cordeiro. O prato mais tradicional é o Biryani, que é basicamente uma paella com esses ingredientes, uma vez que a ideia é pedir um prato enorme para as pessoas dividirem.
Aliás, essa é uma particularidade das mesas da cozinha árabe. O normal é pedir pequenas porções de pratos diferentes e compartilhar. E a mesa fica essa confusão aí da foto que abre o post.
Sendo um país muçulmano, não são todos os restaurantes que servem álcool, e na verdade é bem mais fácil achar restaurantes com shisha – até no paddock, onde tirei essa foto aí do lado, tem! – do que cerveja. No entanto, é possível encontrar drinks e cerveja nos restaurantes de hotéis, mas o fato é que não há uma bebida típica por lá. E, insisto, não tira pedaço de ninguém ficar no delicioso café de cardamomo!
Por dentro da F1: A Anatomia de um Acidente
O halo é o aparato de segurança mais óbvio aos olhos, mas é impressionante o que se tem feito sem tanto estardalhaço para diminuir ao máximo as consequências de acidentes na F-1. E, nesse quesito, a analogia feita pelo Presidente da Comissão Médica da FIA, Dr. Gerard Saillant – aquele mesmo que operou Ronaldo Fenômeno e que mais recentemente cuidou da recuperação de Neymar antes da Copa de 2018 – é perfeita: toda a evolução feita depois da morte de Senna seria o mesmo que um velocista baixar seu tempo de 12s para 10.5s para 100m rasos, algo que não é difícil de fazer. Agora, o desafio e chegar abaixo de 10s. E aí o buraco é mais embaixo.
Hoje em dia, os cockpits podem suportar impactos equivalentes a 250 toneladas, passando por testes de colisão cada vez mais exigentes, inclusive nas laterais, que absorvem colisões frontais de mais de 200km/h. Já o piloto usa luvas biométricas e acelerômetros que registram impacto e informações médicas, e têm câmeras de alta velocidade apontadas para sua cabeça para mostrar o movimento exato do pescoço. E agora está sendo desenvolvido um novo dispositivo, que entrou em fase de testes no GP do Brasil do ano passado, e usa uma câmera colocada no carro médico e informações de satélite para tornar mais rápida a comunicação entre a direção de prova e a equipe médica para economizar aqueles 10 a 20s que poderiam ser cruciais para salvar uma vida.
Falando nestes dispositivos de segurança que vão além do halo, a imitação de chinelo não foi a única que enfrentou resistência inicial dos pilotos ano passado. Usadas desde o início de 2018 de forma optativa e obrigatórias a partir desta temporada, as luvas biométricas (luvas que têm um sensor de 3mm no dedo para medir os sinais vitais, foram recebidas sob desconfiança.
Os pilotos primeiro reclamavam que a sensação ao volante não era a mesma com a nova luva, mas logo se acostumaram, como contou o Dr. Ian Roberts, aquele que fica no carro médico nos GPs. “Recebemos uma reclamação de que uma equipe não tinha as luvas, mas, quando verificamos, os pilotos já as estavam usando e não sabiam!”
Mas as desconfianças não pararam por aí. Os pilotos queriam saber quem teria acesso a seus dados físicos. Temiam que os rivais o vissem e que detalhes como seu batimento cardíaco fossem divulgados à imprensa. E só ficaram mais tranquilos quando souberam que os dados sequer seriam guardados, o que acontece apenas após um acidente, ou seja, quando eles passam de pilotos a pacientes.
Se bem que, pensando bem, seria bem bacana ter os batimentos cardíacos nos gráficos de uma corrida dentro de uma luta por posição, por exemplo. Quem viu Senna correndo sabe do que estou falando!
Voltando à realidade atual, no final das contas apenas duas equipes se recusaram a usar as luvas (e Dr. Roberts não quis revelar quais), mas não terão escapatória em 2019.
Os dados das luvas são usados em conjunto com as câmeras de alta velocidade instaladas em 2016. Como elas são apontadas para o piloto, é possível ver como a cabeça se move e qual é o impacto nos encostos de cabeça. “Em alguns acidentes, a câmera mostrou um movimento na própria viseira devido às diferentes forças envolvidas”, disse Dr. Roberts. Um desses acidentes foi o de Fernando Alonso em Melbourne, logo na estreia dessa câmera. Mais recentemente, outro acidente em que a viseira abriu foi o de Marcus Ericsson, em Monza.
Esses dados jamais seriam obtidos sem essa câmera e se unem a outro dispositivo, este extremamente importante do ponto de vista médico: o acelerômetro, colocado nos auriculares dos pilotos e que mede as forças que pressionam ambos os lados da cabeça. Desde sua introdução, ele tem mostrado como essas pressões variam de um lado para o outro, indicando que houve rotação da cabeça. E, como esse é um cenário muito mais preocupante para os médicos em termos de lesões cerebrais, é importantíssimo ter essa informação antes de iniciar o tratamento.
Falando em informação, o foco mais recente da FIA é melhorar a comunicação entre o carro médico e a direção de prova. Usando dados de satélite e o feed de vídeo do carro médico, um novo dispositivo, que ainda está em fase de testes, fornece dados imediatos sobre o acidente, como a velocidade do carro no momento do impacto. Esta informação estava disponível antes, mas o dispositivo automático torna todo o processo mais rápido. “Isso permite que a direção de prova entenda imediatamente o que está acontecendo no local do acidente para que os recursos possam ser mobilizados mais cedo, o centro médico fique em modo de espera por um motivo específico e permite que tudo seja executado de forma mais rápida e confiável em termos de informações”, explica Dr. Roberts. Mais um dispositivo “invisível” que pode ajudar a salvar uma vida.
Fixação com Miami. E Vietnã a passos lentos
Chamou a atenção durante a coletiva de imprensa que Chase Carey e Jean Todt deram no final de semana do GP da Austrália – no que pareceu algo arranjado às pressas porque o que costumava acontecer era uma entrevista com Charlie Whiting a respeito do regulamento – a insistência do chefão da Liberty Media em falar sobre a tal corrida em Miami. Mesmo sendo perguntado sobre possíveis interessados, ou mesmo sobre a renovação de contratos com provas importantes, Carey voltava à prova da Flórida, que chegou a ser anunciada mesmo sem nenhum acordo firmado. E depois a Liberty teve de voltar atrás.
Quem acompanhou os Drops ano passado sabe de toda a saga: logo que o circuito de rua foi anunciado, os moradores começaram a se mobilizar para evitar que a prova fosse autorizada – e teve até dono de papagaio preocupado com seu pet. A ameaça de processos vinda de todos os lados e a dificuldade em definir um trajeto em uma cidade com várias sub entidades que controlam, por exemplo, o viaduto X ou a avenida Y, acabaram minando o projeto ainda em fase inicial. Depois dele ter sido bloqueado na prefeitura, a Liberty teve de voltar atrás no anúncio da nova prova e é difícil enxergar um cenário em que a corrida saia do papel.
Até porque, e a insistência de Carey é a prova disso, é mais a Liberty que quer Miami do que Miami que quer a F-1.
Outra possibilidade é a tentativa de fazer pressão em uma das provas importantes cujo contrato corre sério risco de não ser renovado: o GP do México, um dos que reúne maior público desde que voltou ao calendário e é estratégico em termos de horário para a Liberty. Principalmente uma vez que o Circuito das Américas, em Austin, não vai bem das pernas, é compreensível que a F-1 esteja fazendo de tudo para manter a presença na região, seja como for.
No caso do México, houve uma troca de governo tanto a nível nacional, quanto na capital, e a Fórmula 1 perdeu prioridade de investimento. Há dinheiro privado envolvido na realização do GP, mas a maior parte é estatal. Para piorar, a Liberty precisa correr contra o tempo, pois 2019 é o último ano de contrato dos mexicanos.
Falando em corrida contra o tempo, as informações que chegam da única prova que a Liberty conseguiu confirmar, no Vietnã, dão conta de que está tudo atrasado. Ali, também o custo está dividido entre empresas privadas e o governo, e a primeira parcela foi paga – algo que muita gente no paddock duvidava que aconteceria. A maior parcela, contudo, ainda não venceu e toda a operação do GP está sendo feita em um escritório longe da pista. Até porque não há nada ainda por lá, mesmo que estejamos a um ano da realização da prova, prevista para ser dobradinha com a China ano que vem.
Ou seja, enquanto vira e mexe discute-se no paddock como viabilizar um calendário de 25 GPs, a Liberty não conseguiu mais do que adicionar uma etapa – ainda que seja aos trancos e barrancos – e convive ainda com as dúvidas que pairam sob o México, Silverstone, Monza, e outra etapas que buscam a renegociação de seus contratos. Talvez esteja na hora de parar de sonhar com as praias de Miami e colocar a mão na massa.
Estratégia do GP da Austrália e o fator Verstappen
Era para ser uma corrida das mais simples do ponto de vista estratégico: pneus duros e médios com rendimento muito parecido, e desgaste de bem menos que um décimo por volta – ou seja, algo que seria compensado pelo consumo de combustível – e o macio com um pouco mais de desgaste, mas não o suficiente para provocar uma corrida com duas paradas.
Mas havia um fator que potencialmente abriria possibilidades: o tráfego. Até por conta dele, quem saia fora do top 10 poderia arriscar largar com o médio – cinco pilotos o fizeram – e estender o primeiro stint. E quem estivesse largando atrás deles faria de tudo para se livrar desse trânsito o mais rápido possível, algo que poucos conseguiram e que fez a diferença no meio do pelotão.
Lá na frente, Hamilton primeiro perdeu a liderança nos metros iniciais, depois danificou o assoalho do carro, provavelmente por atacar demais uma zebra, na quarta volta. A Mercedes não divulgou quantos pontos de aerodinâmica ficaram faltando, mas tudo indica que não foi algo muito grave, talvez o suficiente para a traseira escorregar um pouco mais e tirar um pouco da aderência, o que explica as constantes reclamações do inglês via rádio.
Mesmo assim, o top 4 permaneceu compacto o suficiente para que os pilotos não sentissem o efeito da turbulência de quem ia à frente e ao mesmo não não deixassem o rival mais próximo escapar – em outras palavras, estavam todos na distância de um possível undercut caso conseguissem algumas voltas voadoras logo antes da parada.
As equipes estavam considerando a volta 12 como o começo da janela de pit stops não pelo desgaste dos macios, mas pela possibilidade de colocar o médio e ir até o final a partir dali. Ou seja, se seu piloto estivesse sob risco de levar um undercut, essa seria a hora de parar. Quando Kimi Raikkonen arriscou e abriu os pit stops, a Ferrari tinha Verstappen a 1s6 de Vettel, e decidiu que o melhor era se defender e parar o alemão.
Nesse momento, a vantagem de Hamilton para Vettel era de 2s8, potencialmente grande demais para o alemão conseguir um undercut, mas a Mercedes foi conservadora e decidiu parar Lewis. Conservadora demais, alguns podem dizer, mas naquele momento ainda se esperava que a Ferrari, como de costume, viesse à vida na corrida – inclusive, a Mercedes já viu o filme de perder corrida para a Ferrari em Melbourne com um undercut.
Verstappen, que provocou tudo isso, ficou na pista, assim como Bottas e Leclerc. Todos fazendo a melhor estratégia, com pista limpa e parando depois da volta 20.
Enquanto isso, no meio do pelotão, conseguir se livrar rapidamente de Giovinazzi, que largara com os médios e vinha segurando todo mundo, fez a diferença para Magnussen e Hulkenberg, os dois pilotos que responderam ao undercut de Raikkonen e evitaram a “armadilha” da Alfa. O ritmo lento do italiano, contudo, seria decisivo para arruinar a corrida de outros pilotos, como Albon e Norris.
Gasly, por sua vez, foi um capítulo à parte: foi parar atrás do piloto que mais quer sua vaga, Kvyat, e lá ficou.
Voltando à disputa da frente, Vettel começou a perder rendimento após seu pit stop e começou a pilotar para um delta visando manter a posição em relação a Verstappen. A missão foi cumprida, mas Max estava muito mais veloz quando colocou os pneus novos e passou com facilidade. A vantagem de velocidade de reta na manobra levantou a dúvida se Vettel não tinha um problema de motor, ainda que a posição da Ferrari seja de que ele não se deu bem com os pneus médios.
Quando Verstappen passou Vettel, ele estava a 2s de Hamilton e também com os pneus muito mais gastos. Mas o inglês conseguiu administrar a vantagem até o final, e Max não ajudou cometendo um erro na volta 49 que lhe custou cerca de 2s.
Isso, pelo menos, o tirou do ar turbulento da Mercedes e lhe deu a chance de entrar na disputa pessoal com Bottas para ver quem ficaria com o ponto da volta mais rápida. Leclerc, outro que tinha os pneus mais novos, também tentou entrar na farra depois que recebeu a ordem da Ferrari de não passar Vettel, e isso deixou ainda mais escancarado o fato de que realmente não era o dia da Scuderia: ele ficou a meio segundo da Mercedes e da Red Bull mesmo com o modo de classificação à disposição, assim como os rivais. Em um dia no qual um piloto se deu bem com o pneu macio, outro com o médio, a falta geral de ritmo foi outra fonte de dor de cabeça.
No final, Bottas achou espaço entre os retardatários e ficou com o ponto extra, com a vitória e com 20s de vantagem em cima do próprio companheiro Hamilton, seguido muito de perto do que esperava pelo rival em que não apostaria.
No Bahrein, o asfalto é uma mesa de bilhar e vai fazer mais calor no início da corrida, ainda que a prova ao entardecer mude o panorama. As curvas de média que não agradaram a Ferrari seguem por lá, assim como a chance do vento, outro fator importante em Melbourne, dar as caras novamente.
Drops do GP da Austrália: de Charlie ao curry
Você pode gravar rapidinho aqui dando seu palpite? Diz um membro da organização para uma torcedora na entrada do circuito de Albert Park no domingo. “De qual, V8 ou F1?” A pergunta dá bem a dimensão de como Melbourne é uma cidade ligada aos esportes, e de por que o circuito enche cedo para ver uma das corridas de suporte. Até mesmo um já lendário repórter de rádio local costuma ir embora logo depois da corrida de V8 Sports.
Lendário pelos piores motivos, diga-se de passagem. Ele fala alto, diz várias abobrinhas e, entra ano, sai ano, não aprende os nomes dos pilotos. A não ser de Ricciardo, que tem de conviver com uma expectativa completamente irreal quando chega a Melbourne.
Tanto, que a decepção com a Renault foi desproporcional. No elevador, antes mesmo da corrida, estava ao lado de três torcedores. Dois com a camiseta de Hamilton, e um todo de amarelo. “Vocês estão parecendo idiotas vestidos iguais”, disse o torcedor de Daniel. “E você, então, com esse amarelo ridículo que não vai dar em nada.” É, o cara teve que abaixar a cabeça.
Aliás, misturando os assuntos rádio e Ricciardo, ele tentava responder à TV holandesa após o abandono no domingo, enquanto a colega da BBC estava ao vivo, atrás dele. Ela falava tão alto que ele não conseguia focar na própria resposta e mandou um cala a boca que ela só percebeu quando a TV publicou o vídeo nas mídias sociais. Todo mundo achou graça porque era Daniel, talvez a reação não fosse a mesma com outro piloto. Mas de qualquer jeito ela sabe bem que ali não é lugar de entrar ao vivo.
💬 ‘Shut the f*ck up’@DanielRicciardo viel vandaag uit, maar gelukkig blijft hij altijd lachen 😀#AustralianGP #ZiggoSportF1 pic.twitter.com/Iva8zcS6q8
— Ziggo Sport F1 (@ZiggoSportF1) 17 de março de 2019
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Voltando um pouco no tempo, a quinta-feira começou com um clima total de choque no paddock. Cheguei, desejei bom dia ao colega do The Guardian, e ele disse secamente. “Charlie morreu”. Achei que fosse força de expressão, e ele disse “veja seu telefone”. E lá estava a mensagem.
Dizem que ninguém é insubstituível, mas Charlie é daquelas figuras cujo papel tinha se expandido tanto ao longo dos anos que ele só pode dar lugar a um mais de uma pessoa. Como Bernie, mas de um jeito mais benéfico. Ele não era só o cara da bandeirada, ou da sala dos comissários, ou aquele para quem os pilotos choravam quando levavam punição. Era basicamente o primeiro a chegar e o último a sair, aquele que vistoriava potenciais novas pistas pelo mundo, o elo de ligação entre os chefões e os pilotos, um cara sem educação formal para um cargo tão grande até porque provavelmente não há nada que possa formar alguém para tanto a não ser altas doses de diplomacia e amor ao automobilismo.
(Aliás, a reunião de pilotos, que era comandada por Charlie às sextas-feiras, teve menos de um minuto na Austrália, para vocês terem uma ideia da falta de clima sem ele)
A FIA não tem vivido o melhor dos momentos. A maneira obsoleta como ela é organizada e o excesso de politicagem têm causado tensões internas e tem gente abandonando o barco. A organização sai de Melbourne sem um chefe de comunicação e sem uma solução a longo prazo para a direção de provas. Steve Nielsen, ex-Williams, foi chamado às pressas para ajudar na sala dos comissários e provavelmente a FIA precisa de alguém com esse tipo de habilidade: um ex-team manager, que saiba o regulamento de cor.
Na verdade, havia um plano de sucessão, tanto para Whiting, quanto para Jo Bauer, delegado técnico. Seriam Laurent Mekies, que foi para a Ferrari, e Marcin Budkowski, que está na Renault. Ambos ganhando muito mais do que a FIA poderia oferecer.
Entre os pilotos, havia alguns mal humorados ao longo do final de semana. Na quarta, no lançamento oficial no centro de Melbourne, Hamilton claramente estava só de corpo presente. Até mandou um “obviamente você está muito mais empolgada do que eu” para a apresentadora, pouco elegante. E, na quinta-feira, abandonou a zona de entrevistas no meio, sem dar explicações, e sem falar com parte da mídia inglesa.
Depois que subiu no carro, contudo, o humor do inglês melhorou. E foi a vez de Robert Kubica começar a distribuir algumas “patadas” na imprensa, que vocês devem ver na segunda temporada do Netflix. Isso porque o polonês estava o tempo todo usando um microfone – que ele às vezes desligava, fingindo que havia algum problema, quando falava com pessoas próximas. Aposto que segui-lo será interessante neste ano difícil para a Williams, pois é um caráter único no paddock.
Enquanto uns e outros estavam estressados ao longo do final de semana, contudo, um piloto estava em sua melhor forma: Kimi Raikkonen. Nas entrevistas à TV após a classificação, o colega argentino perguntou sobre o treino e ele falou por mais ou menos um minuto. Tanto, que Juan ficou sem reação e falou “obrigado, acho que você já explicou tudo”. Kim riu e disse “agora mande a gravação para todos os outros”.
Por fim, fiquei sabendo de um fato curioso: os mecânicos da Mercedes inventaram uma relação entre o quão fortes eles estão em um final de semana e o quão bom é o curry que eles encontram para comer. Na Austrália, eles têm várias opções, pois há imigração indiana é forte, e sempre são rápidos. No México, por exemplo, é mais difícil achar, e o resultado disso é “claramente” visto nas corridas! A má notícia para os rivais, contudo, é que eles já estão com esse jogo há tanto tempo que encontraram currys muito bons na grande maioria das provas…
O novo Bottas. E a nova Ferrari
“Nós não melhoramos, então não sei o que aconteceu com eles”, dizia Lewis Hamilton depois do GP da Austrália, enquanto Sebastian Vettel e Mattia Binotto falavam em falta de aderência e erros no acerto do carro, que sofreu nas curvas de média e baixa velocidade e no asfalto ondulado de de Albert Park. Enquanto isso, um homem parecia alheio a todas as questões de final de semana e focado somente no que parecia encarar como uma missão.
Valtteri Bottas diz que está encarando a vida de uma maneira diferente. Basicamente, percebeu que sua carreira está lhe escorrendo pelos dedos e ele precisa retomar o controle de todas as situações ao invés de esperar pela próxima classificação, a próxima corrida, a próxima temporada.
Isso quer dizer então que ele vai vencer tudo de uma hora para a outra? A consistência é o grande segredo dos grandes pilotos, não a velocidade em si. A grande maioria do grid conseguiria bater Hamilton um dia. Quantos o fariam consistentemente?
A pergunta continua no ar mas, que foi um cartão de visitas necessário, isso foi. Bottas chegou à Austrália sabendo que trata-se de uma de suas piores pistas – e uma das melhores de Hamilton, como costumam ser os circuitos de tração. Mas agora não dá para esperar mais o circuito perfeito, a pista que se encaixa melhor a seu estilo de pilotagem. Tinha que ser em Albert Park mesmo. E, após a classificação, Hamilton já dizia como estava sentindo a diferença. “É muito difícil quando seu companheiro vai chegando cada vez mais perto, a cada treino, porque chega uma hora que você não tem mais cartas na manga”, dizia o inglês no sábado, depois de bater Bottas por pouco menos de um décimo.
Do outro lado, a confiança só cresceu e, quando Bottas viu a chance de tomar a liderança nos primeiros metros da prova, colocou em prática tudo o que planejou desde Abu Dhabi. Como é comum nas corridas, usou o caminho livre para ser rápido ao mesmo tempo em que poupava pneus, sem dar chances para Hamilton ou qualquer outro adversário.
Enquanto isso, a Ferrari, sem ritmo, tentava um otimista undercut em Hamilton, que acabou servindo para acabar de vez com a corrida do inglês. Lewis teve de entrar nos boxes para cobrir a jogada ferrarista e acabou com um pneu velho demais para sequer tentar reagir, ainda que tenha sido suficiente para aguentar a pressão de Verstappen.
Verstappen que tinha passado facilmente por Vettel, com um carro bem mais rápido de reta. Ao alemão, restou questionar “por que somos tão lentos?” no meio da prova, somente para a ouvir a resposta do próprio chefe da equipe “não sabemos, Sebastian.”
A Ferrari foi lenta na classificação e na corrida, com os pilotos relatando falta de aderência e o carro saindo de frente nas curvas de média e baixa velocidade – que são franca minoria no palco dos testes, onde eles pareciam estar mais confortáveis. Para confundir ainda mais, Vettel sentiu-se melhor com os pneus macios e, Charles, com os duros. Mas mesmo quando o monegasco usou tudo o que podia do modo de classificação no final para conseguir o ponto da volta mais rápida – acredita-se que Vettel tinha um problema na ICE, não confirmada pela equipe, o que explicaria o ritmo tão mais lento – mas só ficou a seis décimos do tempo de Bottas, com pneus com vida útil semelhante.
Embora o circuito de Albert Park não tenha sido o melhor para a Ferrari nos últimos anos, defender uma vitória ficando quase 1min atrás do vencedor não é o melhor dos sinais, para dizer o mínimo. Os problemas de aderência citados pelo time sempre viram bolas de neve, já que refletem nos pneus e acabam com a performance. Mas e a velocidade de reta mais baixa, teria a ver com isso também, com uma carga aerodinâmica maior para compensar isso ou com um problema na unidade de potência? O bom desempenho de Haas e Sauber desencoraja a teoria de um problema fundamental, e joga ainda mais dúvidas para o Bahrein, onde veremos qual Ferrari – e qual Bottas – vão aparecer.
Rapidinhas de Melbourne
- A Mercedes diz que não melhorou, e a Ferrari esperava um pouco mais, mesmo sabendo que Albert Park não é o melhor parâmetro para seu carro. Vale lembrar que diferença ano passado no qualy foi a mesma. Nos long runs, a vantagem parece ser a mesma, mas isso também ocorria nas simulações do ano passado…
- Se havia dúvidas quanto ao qualy mode do motor Honda, que inexistia há 14 meses, agora não há mais. Max não escondia que estava surpreso até, pois sabe do escopo de desenvolvimento.
- Estreantes chamaram a atenção em uma pista cuja evolução surpreendeu, especialmente no fim do Q1. Norris não fazia ideia de como tinha colocado aquela McLaren no Q3. E também não sabe como vai mantê-la nos pontos.
- O mesmo vale para Perez. O carro da Racing Point tem potencial, mas ainda não chegou lá. Enquanto isso, a Haas segura firme o posto de quarta força. Inclusive, a diferença do time para a Ferrari foi a mesma que da Ferrari em relação à Mercedes! E a Alfa foi auem teve, disparado, o maior ganho em relação a 2018.
- Mas e a Renault? Quem participa do grupo do Face já sabia que havia o burburinho no paddock de que eles estavam perdidos. E ficou mesmo feio um time de fábrica ficar no Q2.
- A explicação de Kubica para a batida no fim do Q1 foi no mínimo curiosa: o carro melhorou tanto e ficou tão rápido que o surpreendeu. De fato, ele vinha 8 décimos mais veloz naquela volta e Russell também melhorou bastante. Equipe agora tenta entender o ‘milagre’.
- Aliás, antes que massacrem o polonês, é bom lembrar que no momento a Williams não tem peças para ambos os carros e não precisa ser vidente para saber para quem elas vão.
- Corrida será de ritmo, não de estratégia, já que degração do macio é de 0.09/volta e do médio, 0.03/volta. Será GP de uma parada, fácil.
- Ultrapassagens são difíceis em Albert Park, corrida que costuma ter sua graça ppr quebras e times meio ‘enferrujados’ (vide a Haas ano passado). Só estou avisando antes que venham avacalhando todo o campeonato.
Veja quem saiu na frente na disputa entre companheiros
Turistando na F-1. E o que se come em Melbourne
A cara de Melbourne: Brunch saudável e com sustância
O melhor lugar para comer: Grain Store, ainda que nos fins de semana a fila de espera seja grande!
O que evitar: Não deixe para ir jantar tarde porque só vai sobrar chicken wings e pizza de qualidade questionável!
Quem acompanhou o Turistando na F-1 desde o começo descobriu qual a pegada de cada um dos palcos das 21 etapas na primeira temporada, em 2017, e teve uma ideia de onde é uma boa, onde é uma roubada ir – e isso depende de gosto, como fiz questão de mostrar: uma viagem a Spa, por exemplo, pode ser a realização de vida de alguns e se tornar um pesadelo logístico para outros.
Na segunda temporada do Turistando, as coisas ficaram mais práticas: quer ir para um GP? Pois, lá estava seu guia.
Mas nada era tão importante quanto o tema desta terceira temporada do Turistando: a comida. O calendário da Fórmula 1 traz alguns altos e baixos, mas nada como ter a mente aberta para provar coisas diferentes, mesmo que isso signifique quebrar a cara de vez em quando.
A primeira palavra que me vem à mente quando penso em comida e Melbourne é brunch. Para quem não sabe, esse termo vem da simpática combinação entre café da manhã – breakfast – e almoço – lunch – e significa uma refeição ainda regada a muito café, mas com um pouco mais de sustância do que um café da manhã.
Os horários em que tudo acontece em termos de programação de entrevistas e sessões de pista em Melbourne é responsável por essa minha fixação com o brunch, mas também é verdade que a cidade tem muitos lugares especializados nessa refeição – e não tem erro: nunca comi um prato ruim por lá.
Mas também tem outro motivo importante: a Austrália é um dos poucos países para os quais a F-1 vai em que o café é efetivamente bom e forte. É bem possível que seja café brasileiro, já que o país é o maior exportador do mundo, mas o que importa é a maneira como ele é preparado e a proporção entre grãos e água. E lá na Austrália eles entendem que café não deve parecer um suco, como na maioria dos outros lugares. Então é a hora de aproveitar e tomar o máximo de café que o corpo aguentar!
Mas o brunch, claro, vai além do café e revela uma característica marcante de Melbourne: é uma cidade ligada ao bem-estar, a refeições nutritivas. É claro que você, como em qualquer lugar do mundo, vai encontrar de tudo, especialmente porque a Austrália é um país formado por imigrantes, com comunidades de todos os lados – muitas, evidentemente, da Ásia, além de uma forte presença italiana – mas chama a atenção o número de restaurantes locais com propostas mais saudáveis e por muitas vezes veganas.
E com muito abacate. Ele é a estrela destes lugares, e um prato de brunch clássico de brunch seria algo como abacate, ovos, sementes como chia e afins, salada e azeite. Tudo colocado em cima de uma torrada generosa. Isso é a cara de MelbouRne para mim.
Quem gosta das diferentes culinárias asiáticas também terá muitas opções na Austrália, da Índia ao Japão, passando por Tailândia, Vietnã, China, etc. E, é claro, se nada disso apetecer, sempre há uma cantina italiana por perto!
OUTWASH X INWASH: AS NOVAS ASAS DIANTEIRAS
Elas ficaram conhecidas como uma das regras mais restritivas da história da Fórmula 1: nove cláusulas, mais de 2300 palavras e quase seis páginas definem as asas dianteiras do atual regulamento. E, mesmo assim, os engenheiros apareceram com dois conceitos completamente diferentes.
Mas antes de entrar nos detalhes das duas escolas de asas dianteiras – da Alfa Romeo (e, em menor medida, da Ferrari) e da Mercedes, vamos voltar um pouco no tempo e entender o efeito que as tais restrições das regras tentaram coibir: o outwash.
Simplificando, a ideia central das novas regras é diminuir o tamanho efetivo dos carros. Isso porque as análises mostraram que o ar sujo jogado especialmente pela asa dianteira estava criando uma zona de turbulência tão forte nas laterais que servia como um “campo de força”, que efetivamente tornava o carro mais “largo”, no sentido de dificultar que um carro seguisse o outro de perto.
Esse ar sujo é resultado justamente do outwash, ou seja, o fato dos engenheiros “limparem” o fluxo de ar indesejado jogando-o para a parte exterior das asas dianteiras.
Embora só agora esse termo tenha aparecido nas manchetes, trata-se de um efeito buscado desde 2009, quando as regras fizeram com que as asas ficassem mais largas e ultrapassassem os pneus lateralmente. Com isso, o tal outwash passou a ser buscado para gerar uma área de baixa pressão aerodinâmica no exterior das rodas, e também impedir que o flap posicionado logo à frente do pneu perdesse efeito.
Só voltando um pouco no tempo: pré-2009 se buscava o inwash, e acho que isso facilita a compreensão. Como a asa era mais curta, suas laterais apontavam para dentro, direcionando o ar para entre os dois pneus. Pós 2009, a asa “engordou” não foi mais possível fazer isso e, portanto, o melhor era direcionar o ar para fora. Ou seja, criar o outwash.
Na época das mudanças de 2009, dizia-se que na verdade grande parte da vantagem da Brawn – e também da Toyota – no começo da temporada era relacionada à asa dianteira, já que nem todos perceberam que era para direcionar o fluxo de ar para fora, e não tentar jogá-lo para a lateral interna do pneu. E foi por isso que as equipes grandes deram saltos importantes de uma hora para a outra durante a temporada: embora o difusor duplo tenha ganhado as manchetes mais pela questão da (i)legalidade, calcula-se que o ganho de uma asa dianteira bem projetada tinha um efeito pelo menos cinco vezes maior.
Não por acaso, as equipes estavam nervosas antes de revelar seus carros para esta temporada: será que com quase seis páginas de regras, alguém encontrou um buraco? E todos respiraram aliviados quando perceberam que não.
Isso porque todas as equipes viram que havia duas maneiras principais de interpretar as regras. E cada time escolheu o que combinava melhor com o restante da filosofia do carro. Não é uma questão, portanto, de certo e errado.
Conceito de Alfa e Ferrari (e em menor medida Toro Rosso): os flaps (aquelas lâminas que saem da lateral da asa) começam maiores e vão ficando mais estreitos mais para “dentro” da asa e apontam para fora ou são mais retos. É uma forma de continuar gerando o outwash, em parceria com a endplate (parte final da asa) também angulada para fora. Em outras palavras, é o máximo que dá para fazer para driblar as regras. É uma solução que gera menos downforce, mas ao mesmo tempo direciona a turbulência para o lado “certo”. É algo que funciona melhor se a frente estiver mais próxima do solo, e é por isso que vemos um rake até maior que o esperado nestes carros.
Conceito de Mercedes e Red Bull: os flaps praticamente começam e terminam com o mesmo tamanho, são mais longos e apontam mais para dentro (principalmente no caso da Mercedes, que tem a solução mais radical por ter uma filosofia completamente diferente, a começar pelo bico) e para cima. São modelos que geram mais pressão aerodinâmica, sem dúvida. Porém, como a inclinação é para dentro, o fluxo de ar é jogado, como era pré-2009, para a lateral interna dos pneus. Isso é um problema porque gera turbulência nessa parte central. Por outro lado, fora a asa, as regras são mais flexíveis. Então, se os engenheiros encontrarem uma maneira de “dar escape” a essa turbulência, pode ser uma vantagem.
Na Red Bull e na Renault, que também usa o mesmo conceito, o canto externo tem a inclinação para fora, indicando a tentativa de também ter um pouco de outwash. De qualquer maneira, e escola da Mercedes usa uma solução que indica uma filosofia mais… sofisticada ou complicada, escolha o termo que preferir.
A última fez que a F1 correu na África
Faz 25 anos que a Fórmula 1 não pisa no segundo maior continente do mundo. A última corrida realizada no circuito de Kyalami, na África do Sul foi em 1993, e teve Alain Prost como vencedor naquele que seria o ano de seu tetracampeonato, com a Williams. A prova foi palco ainda de uma disputa entre Ayrton Senna e Michael Schumacher que acabou mal para o alemão.
Mas os primeiros GPs da África do Sul não aconteceram em Kyalami, e sim no circuito que, curiosamente, se chamava East London (mesmo longe do leste de Londres!), com edições em 1962, 63 e 65, com amplo domínio da Lotus de Jim Clark e Graham Hill. Trata-se de uma década importante na África, quando dezenas ex-colônias sub-saarianas declaram independência.
A F-1 acabou se instalando na África do Sul, verdade seja dita, muito em função da estrutura e controle que o próprio Apartheid tinha criado para as classes privilegiadas, o que incluía a comunidade do automobilismo. Muito se fala de Bernie Ecclestone nunca ter se importado em levar a categoria para lá mesmo quando a comunidade internacional boicotava a África do Sul, mas o fato é que a F-1 passou quase duas décadas tendo o país em seu calendário mesmo antes da Era Ecclestone.
Depois dos três GPs de East London, que ficava na costa sudeste do país, a prova de Kyalami foi realizada entre 67 e 85 (quando o cerco internacional ao Apartheid se fechou de vez e equipes francesas inclusive atenderam à recomendação do governo para não correrem no país, situação que acabou levando Ecclestone a ter de tirar a prova do calendário) e voltou em 92 e 93, após o fim do Apartheid, com o traçado modificado.
Ao contrário do que muita gente pensa, contudo, a África do Sul não foi o único país do continente a receber a F-1: em 1958, foi realizada uma corrida nas ruas do subúrbio de Casablanca, no Marrocos, à beira-mar. A corrida foi vencida pelo campeão daquela temporada, Mike Hawthorn, e a pole position foi de seu grande rival, Stirling Moss. Pelo tempo de 2min22 para um traçado de 7.6km naquela época dá para imaginar o quão rápida era a pista!
Mas voltando àquela prova derradeira no continente africano, seria a primeira da temporada 1993, que não contaria com um carro número 1. Afinal, Nigel Mansell decidira correr na Indy, e Damon Hill, com o carro 0, ficou com sua vaga, ao lado de Alain Prost, naquela Williams recheada de eletrônica que dominou o início dos 1990, enquanto a McLaren sofria com os motores Ford após a decisão da Honda de deixar a F-1 – e tinha Ayrton Senna assinando contratos corrida após corrida, pressionando fortemente a equipe por uma melhora.
Prost e Senna largaram na primeira fila, mas o brasileiro saiu melhor e roubou a ponta. Hill rodou, o francês teve que tirar o pé, e viu Schumacher o passar também. Treze voltas depois, ele recuperava o segundo posto e, na volta 25, passou Senna.
A briga de Senna acabou sendo com o jovem Schumacher, durou várias voltas, e acabou em rodada do alemão após toque entre os dois. O vídeo do pega é muito bom e mostra como Schumacher conseguia se manter próximo da McLaren mesmo nas curvas de alta, algo impensável nos dias de hoje devido à dependência aerodinâmica dos carros. E também dá para ver a manobra a la Verstappen de Senna no melhor estilo “a decisão de bater é sua”.
Para ficar de olho na temporada
As regras podem ter mudado, mas a pré-temporada pareceu um repeteco do início do ano passado, com a Ferrari andando bem aparentemente sem grandes esforços, e a Mercedes conseguindo chegar no mesmo tempo no final, mas com muito suor para entender outro carro que não parece ter nascido simples e com os pilotos claramente brigando mais com o volante que os feraristas.
Já a Red Bull deu pinta de começar a parceria com a Honda perto de onde terminou o casamento com a Renault. Isso, ainda que o time não tenha feito algo parecido com uma simulação de classificação, como os rivais, provavelmente devido à pancada de Pierre Gasly no penúltimo dia. Haja vista que a grande dúvida é em relação ao poder do qualifying mode do motor japonês, cabe esperar até as primeiras corridas para fazer um diagnóstico.
Já no meio do pelotão, tão competitivo nos últimos anos, cada dia foi a vez de uma equipe mostrar serviço. Mas há indícios de que a lógica – em termos de investimento x resultado – tenha prevalecido e a Renault tenha conseguido se desgarrar um pouco desse grupo.
Dois carros me chamaram a atenção pelo equilíbrio visto nas câmeras onboard: Toro Rosso e, principalmente, a Alfa Romeo. E já expliquei por aqui por que não acredito que uma recuperação a curto prazo da McLaren.
http://www.youtube.com/watch?v=1QTQK8TvdFU
Mas quem deve fechar o pelotão? Eis o melhor tweet da temporada para explicar: Perguntaram ao jornalista Chris Medland, que escreve para vários meios, inclusive no F1.com, como estava a relação de forças. E ele foi listando as “equipes”: “É impossível dizer estando tão no começo nos testes de pré-temporada”. Até chegar na décima posição…
Depois de uma primeira semana péssima, o fato é que a Williams conseguiu tirar parte do atraso em termos de quilometragem e os pilotos relataram que o carro não é tão difícil. Ou seja, há a esperança de que o caminho tenha sido – embora lento – certo.
Batalha das atualizações: Foi impossível não se impressionar com a atualização que a Mercedes trouxe para a segunda semana de testes. Isso, claro, já estava programado e não é uma reação à ótima primeira semana que a Ferrari teve. Nas duas semanas até a Austrália, para os pentacampeões, trava-se uma luta contra o tempo para entender os dados de basicamente dois carros diferentes e tirar a desvantagem que eles dizem ser de meio segundo – mas ao que tudo indica é bem menor que isso. Do outro lado, é claro que a Ferrari não está parada, e com um carro bem nascido os caminhos de desenvolvimento são mais fáceis de entender.
Briga interna que deve esquentar: Já expliquei por aqui por que esse tal de Charles Leclerc não é brincadeira. Mesmo assim, a tranquilidade dele nos testes chamou a atenção – no carro e fora dele. Nem parece que tem 21 anos e conquistou o cockpit da Ferrari. Tanto, que é difícil imaginar outro cenário que não seja de vida mais dura para Vettel do que ele teve com Raikkonen. E só para jogar mais pimenta, o fato é que o melhor tempo de Bottas na pré-temporada foi comparativamente mais forte que o de Hamilton se considerarmos que os dois estavam com níveis similares de combustível…
Equipe (s) para ficar de olho: Já falei aqui o quanto me impressionou o onboard do carro da Alfa, que agora tem dinheiro para se desenvolver e tem o que parece continuar sendo o melhor motor da F-1. De quem se espera ascensão também é da Racing Point, cuja situação dá a dimensão da complexidade do processo de desenvolvimento de um carro. Eles tomaram decisões importantes sobre o projeto quando não sabiam qual seria a situação do time agora, e por isso devem demorar um pouco para entrar nos trilhos. Mas, sendo a equipe mais eficiente da F-1 há tempos e agora muito mais forte financeiramente, eles têm tudo para voltar rapidamente ao patamar anterior.
Vettel começa o ano levando de 2 a 0
Hamilton e Vettel não são exatamente da mesma geração – o inglês, apesar de só dois anos mais velho, sempre esteve um passo à frente do alemão: quando estava lutando por títulos nas categorias de base, Seb era estreante. Portanto, apesar de terem coincidido, por exemplo, na F-3, não foram rivais diretos.
A história acabou se repetindo por boa parte de suas carreiras na Fórmula 1. Ambos estrearam em 2007, mas em condições bem diferentes: Hamilton por uma das melhores equipes da época, Vettel como substituto de um machucado Kubica andando no meio do pelotão inicialmente, e depois em uma equipe mais próxima do fundo do que do meio naquele ano, a Toro Rosso.
Nos anos seguintes, a carreira dos dois passaria por uma inversão: a McLaren de Hamilton perdeu terreno com a mudança de regras de 2009 e a agora Red Bull de Vettel ganhou, ainda que, em 2010 e 2012 o time inglês tenha produzido seus dois últimos bons carros – na primeira, Hamilton liderava a tabela até cometer dois erros bobos em Monza e Singapura, e, na segunda, a própria McLaren falhou muito nas corridas. Enquanto isso, Vettel nadava de braçada.
O destino quis que os dois só se enfrentassem realmente mais maduros, com Hamilton agora na Mercedes, e Vettel na Ferrari. E o placar vai começar 2019 desequilibrado.
Tanto em 2017, quanto em 2018, foram dois erros de Vettel que começaram a fazer desmoronar uma vantagem que tinha sido construída até ali: o destempero de Baku e o lapso de Hockenheim. Seriam esses erros motivo ou a consequência de equívocos da própria Ferrari? Só o próprio Vettel e a equipe poderiam responder, mas foram dois exemplos de que o equilíbrio entre uma Scuderia embalada e descarrilada é tênue na era Vettel.
http://www.youtube.com/watch?v=HZRM65ZVIvY
Por conta disso, nem um início espetacular em 2019 apaga o 2 a 0 no placar. Afinal, a Ferrari começou com a vantagem em 2017 e repetiu o feito ainda com mais força em 2018, inclusive crescendo na primeira metade do campeonato e dando a impressão de que tinha chegado a hora da Scuderia sair da fila. Mas a história acabou se repetindo – com uma forma diferente, mas o mesmo resultado – e Hamilton foi campeão com duas provas de antecipação. Em ambos os duelos.
Claro que esse tal descarrilamento está longe de ser responsabilidade do piloto, “o último elo da corrente”, como Hamilton costuma definir muito bem. A Ferrari pecou no desenvolvimento do carro, da mesma forma que fez na era Alonso e é isso, muito mais que os destemperos de Vettel, que o time tem de resolver.
Até porque, do outro lado, a Mercedes foi passando, uma a uma, por cada prova que lhe era colocada. Tanto em 2017, quanto em 2018, o time demorou algumas provas para se entender com os pneus, especialmente os mais macios e em asfaltos mais quentes – o que parece não ser um cenário muito distante também neste ano, diga-se de passagem. Desenvolveu carro e motor – pela primeira vez seriamente ameaçado pela Ferrari ano passado – sem tropeços, manteve o ambiente saudável internamente, ou seja, deu todas as condições para o tal último elo funcionar perfeitamente. E ele correspondeu com louvor, foi perfeito.
Depois de ter passado com dois títulos por duas temporadas que começaram testando sua excelência, é difícil pensar que chegou a hora da locomotiva da Mercedes descarrilar. Cabe a Vettel e à Ferrari entrar, nesta nova era sob o comando de Mattia Binotto, nos trilhos.
Ricciardo pode “dar uma de Hamilton” na Renault?
Quando Lewis Hamilton assinou com a Mercedes, em setembro de 2012, a então dupla de pilotos do time – Schumacher e Rosberg – levava cerca de 1s a 1s5 do pole position nas classificações e pouco mais de meio minuto nas corridas. A performance vinha caindo depois de uma primeira metade de ano promissora, com uma vitória no específico circuito de Xangai – digo específico porque ele costuma desgastar primeiro os pneus dianteiros, o que não se repete muitas vezes ao longo do ano, então muitas vezes um carro vai bem lá e não repete a façanha – e dois pódios em pistas de rua (Mônaco e Valência). A Mercedes era a terceira força do grid na primeira parte do ano e o fato daquele carro de 2012 ter nascido bem era o primeiro bom sinal da Mercedes desde o seu retorno.
Havia um pano de fundo que explicava a queda na metade de 2012, justamente quando Lewis tomou sua decisão: o time tinha comprado o espólio da Brawn, cuja mega estrutura herdada pela Honda tinha sido diminuída drasticamente para garantir sua sobrevivência. Logo de cara, a ideia da Mercedes não era gastar rios de dinheiro e havia a crença de que um acordo de teto de gastos sairia do papel. Mas logo eles perceberam que esse não era o caso e começaram a investir pesado – e cedo – no projeto de integração carro + motor. De 2014.
Pois, bem. O que essa história tem de paralelos com a trajetória da Renault na qual Daniel Ricciardo apostou em agosto do ano passado? Os números também apontam que o time francês fechou o ano de 1s a 1s5 da pole position em classificação, mas levando mais de um minuto – e muitas vezes uma volta inteira – na corrida.
Um paralelo possível seria o fato da Renault estar indo para o quarto ano – no caso de Hamilton, ele chegou no terceiro – depois de pegar o espólio também defasado da Lotus. Como os alemães, os franceses estão atualizando as fábricas (de motores e do carro), e fortalecendo-se por meio de contratações. E esse não é um processo fácil ou que dá frutos de uma hora para a outra, e o time vem vendo os resultados práticos dessa renovação com a melhora – novo, sexto, quarto – no mundial de construtores.
Mas quando Ricciardo diz que “Lewis jura que sabia que era a decisão acertada, mas eu acho que ele deu sorte”, ele está mais advogando em causa própria do que qualquer coisa. No momento em que Hamilton tomou a decisão, as regras de 2014 já estavam definidas, e se sabia que o motor ganharia muita importância e se tornaria o maior diferencial; que a unidade de potência era muito complexa e, portanto, a integração entre motor e carro seria fundamental e, por conseguinte, que estar com uma montadora era o melhor dos mundos.
Já Ricciardo se viu perdendo espaço dentro de uma Red Bull que estava disposta a dar o que poderia ser um passo atrás para dar dois à frente, começando uma parceria equivalente à de uma equipe de fábrica com a Honda claramente apostando mais em múltiplos títulos com sua estrela de 21 anos do que com ele. Viu-se, ainda, preterido nos outros dois times de fábrica e resolveu – ele sim – ver se dava sorte.
Isso porque existem dúvidas demais acerca do regulamento de 2021 para sequer fazer um prognóstico. Os indícios atualmente são de que as partes que usam energia recuperada da UP vão ganhar ainda mais potência, e essa não é uma tecnologia que a Renault dominou, em comparação com seus rivais, até agora. E outra parte da mudança de regras será aerodinâmica, e os carros amarelos não são exatamente os mais copiados do grid.
A ida de Ricciardo para a Renault, mesmo que ele tenha se sentido pressionado a fazê-la e sem outras opções é, sim, mais arriscada do que a troca de Hamilton de setembro de 2012. Se der certo, tendo em vista todo esse cenário, ele sim vai poder dizer que foi na sorte.
Vocês perguntam, o paddock responde: edição pré-temporada
Lembra que pedi perguntas antes de ir para os primeiros testes da pré-temporada? Separei as mais interessantes e fui atrás das informações para vocês. E o plano é fazer isso também durante a temporada, então fique atento/a às postagens no meu Twitter e Fanpage para ver por onde mandar as dúvidas. E já pode ir pensando no que quer saber em Melbourne, hein?
E o regulamento novo, vai funcionar?
A expectativa não é muito forte nesse sentido, e explico o porquê. A ideia central da simplificação das asas e dutos de freio era minimizar o outwash, efeito buscado pelos engenheiros para limpar o ar que atua no carro em si, jogando-o para as laterais dos pneus e gerando muita turbulência. Isso diminuiu muito com as asas dianteiras, mas o problema é a liberdade das regras na parte central do carro – bargeboards e o começo do assoalho. E esse efeito foi recriado ali, como me explicou o Andrew Green, diretor técnico da Racing Point. “É lá que vai ser o playground dos engenheiros nesse ano.”
Como pilotos usaram a folga no peso?
Foi até engraçado ver como muitos colegas jornalistas não entendem nada de preparação física – principalmente para alguém como eu, que trabalhei 10 anos em publicações de fitness antes de focar na F1: eles perguntavam se os pilotos estavam comendo mais doces e porcarias. Sério! E eles pacientemente falavam que só tinham aumentado as quantidades, mas mantido a qualidade nutricional das refeições, e não precisaram ter tanto cuidado com o aumento de músculos. Deu para ver a diferença em Kimi Raikkonen – se bem que o macacão branco da Alfa não ajuda! – e Kevin Magnussen, mas a grande história foi Lewis Hamilton, que ganhou cinco quilos – e disse que continua ganhando e até ficou meio apertado em seu banco nos testes, tendo de fazer dieta durante a pré-temporada para caber no carro. Não que ele tenha se tornado um halterofilista: o peso médio dele neste ano deve ficar em 74kg.
Todas as asas dianteiras dos carros 2019 são legais?
Sim. Na verdade, os diretores técnicos com quem conversei foram unânimes em falar que as regras foram tão bem escritas que todo mundo estava procurando alguma brecha no estilo difusor duplo de 2009, não acharam, e estavam apreensivos em relação aos rivais, achando que não era possível não ter algo. E todos ficaram aliviados porque não havia. Há, sim, dois conceitos principais sendo adotados – um jogando o fluxo para dentro e outro para fora, basicamente – mas não parece haver certo e errado mas, sim, filosofias diferentes.
Os pilotos se acostumaram com as novas luvas? E os novos capacetes, o que acharam?
Confesso que não sei se já contei isso no blog ou não, mas em determinado momento ano passado, a equipe do Dr Ian Roberts foi chamada por um time porque os pilotos estavam reclamando que não tinham recebido a luva biométrica. Eles checaram e os pilotos estavam, inclusive, usando-as. Com o capacete, é a mesma coisa: nenhum daqueles com quem conversei sentiu qualquer diferença.
Pneus: Houve alguma mudança? Estão aquecendo mais rápido ou não?
É sempre difícil fazer comparações porque as testes são feitos em uma pista mais fria que o normal – e neste ano estava bem mais quente que na pré-temporada de 2018, então é outra comparação inválida. A intenção com os novos pneus é diminuir o superaquecimento, e para isso foi adotada uma nova construção e também uma nova temperatura dos cobertores elétricos para os pneus dianteiros, que agora é de 110ºC a fim de fazer os pneus começarem com 80ºC ao invés de 88ºC, como era antes. Segundo Mario Isola, da Pirelli, isso abre a possibilidade de usar pressões mais baixas e evita o superaquecimento dos traseiros, mais exigidos. Alguns pilotos reclamaram que os pneus estavam frios demais, mas como as condições de pista dos testes são diferentes, a temperatura está mantida para Melbourne.
Como Hamilton vê leva de pilotos jovens?
Ele não falou em geral, mas especificamente de Charles Leclerc. Talvez querendo jogar pressão para cima de Vettel – já que ele percebeu nos últimos anos que a tática funciona – Lewis repetiu algumas vezes que se enxerga no monegasco, querendo dizer que ele pode dar tanto trabalho a Sebastian como ele, Lewis, deu a Fernando Alonso em sua primeira temporada na Fórmula 1.
Hulkenberg vê Ricciardo como maior desafio da carreira?
Nico diz que não quer se comparar com Ricciardo, mas se apressa em lembrar que “todas as vezes que fiz meu melhor foi suficiente para bater o outro cara”, referindo-se a seus companheiros. Mas ele sabe que o “outro cara” agora está um nível acima em termos de reconhecimento e de experiência andando em posições importantes. Em sua carreira na Fórmula 1, ele só vivenciou isso como franco atirador, em seu primeiro ano, dividindo a Williams com Barrichello. Em 2010, não se esperava tanto dele e erros eram aceitáveis pela falta de experiência – e, sem a pressão, ele acabou fazendo aquela famosa volta em Interlagos. Agora será preciso mais do que isso.
Como Bottas se preparou para virar o jogo?
Vou publicar uma entrevista que fiz com Valtteri no final de semana no UOL focando justamente nisso, mas posso adiantar que a lavada que ele levou ano passado serviu como um empurrão. Ao invés de ficar culpando o azar, como fez muitas vezes em 2018, Valtteri disse que olhou para o espelho e percebeu que os anos estão passando e ele só tem uma carreira na Fórmula 1. Já está mudando o estilo de pilotagem depois de estudar onde perde em relação a Lewis e prometeu uma nova atitude nas corridas.
Liberty está querendo mesmo vender a Fórmula 1?
Não pude questionar ninguém da Liberty durante os testes porque eles simplesmente não apareceram durante os testes. Há muitas fofocas nos bastidores, dando conta inclusive de que Carey e Bratches estão muito perto da aposentadoria e o esporte poderia ver novas caras no comando ainda neste ano. Na verdade, levando em consideração tudo o que ouvi nos últimos meses, é uma surpresas que Bratches ainda esteja no cargo. Porém, ninguém acredita que Ross Brawn deva tomar a dianteira, já que a atuação dele vem decepcionando os times. Resumindo, a Liberty anda gastando muito e trazendo pouco de volta – para si e para o esporte – e existe uma clara tensão no ar, ao mesmo tempo em que todos querem que as regras de 2021, fundamentais para o esporte, sejam definidas o mais rápido possível. Se passar de agosto, a situação complica de vez.
Turistando na F1: Como é assistir aos testes da pré-temporada
“É legal porque você vê carros das 9h da manhã até as 18h da tarde”, me contava um piloto da British Airways que, vira e mexe, faz suas escalas de uma maneira que consegue ir para GPs da Fórmula 1, e usa suas conexões na McLaren para conseguir um passe para o paddock. “Mas eles não estão disputando nada, não fica chato depois de um tempo?”, pergunto. “Ver carros nunca é chato”.
Se você é desses, realmente planejar uma ida a Barcelona nessa época do ano não me parece um mau negócio. Na verdade, seria uma chance de ouro de ter acesso ao paddock em dias nos quais o próprio paddock está mais amistoso, em um clima mais de volta às aulas. É, também, a única oportunidade de andar onde pilotos e equipes trabalham por um preço aceitável.
Sim, você não precisa ter contatos em uma equipe para ter esse tipo de acesso nos testes, e acredito que essa seja a grande vantagem de passar um pouco de frio na Catalunha – ainda que neste ano o tempo esteja bem melhor que a neve que pegamos ano passado – e ver carros dando voltas e mais voltas, muitas vezes com sensores que custam mais que uma kitinete.
A entrada que dá acesso às arquibancadas custa 18 euros (75 reais), mas você pode garantir sua entrada no paddock por pouco mais de 210 reais (50 euros). O acesso é de apenas uma hora por dia, mas coincide justamente com a hora mais movimentada, entre as 13h e as 14h, quando pilotos, mecânicos e engenheiros almoçam e, efetivamente, têm que andar pelo paddock e costumam atender a pedidos para fotos e autógrafos.
Existe outro ingresso, de 99 euros (cerca de 420 reais) que permite ficar no paddock por mais tempo, mas devo dizer que não há exatamente muita coisa acontecendo, além de entrevistas dentro dos motorhomes para as quais os seguranças vão barrar quem não tem passe de imprensa.
De qualquer maneira, o paddock nunca fica lotado, até porque, curiosamente, perguntei para os organizadores o que saía mais: a visita ao paddock por 35 euros (caso você não tivesse comprado o pacote antes de entrar) + 8 minutos na pista de kart ou os 20 euros só para o kart. E o paddock perdia.
Um possível drama para quem vai acompanhar os testes é comida, já que não há opções além de algumas barracas de bocadillos (sanduíches) e um hamburguer de 6 euros que me foi descrito como “perfeitamente passável” por um inglês. E isso não é bom sinal. Então uma dica seria vir preparado de casa.
Mas, por outro lado, é possível aproveitar os descontos para comprar coleções antigas de bonés, roupas e miniaturas de carros mais antigos. Achei camisetas de times como McLaren, Williams e a agora ‘vintage’ Force India por 10 euros (42 reais) e bonés antigos do Alonso pelo mesmo preço – da época da Ferrari, mas sem a marca. Bem mais em conta do que um boné novo do Max Verstappen, que não sai por menos de 50 euros.
Animou-se? A dica para escolher a melhor semana para ver os testes é pesquisar quando é uma grande feira de negócios em Barcelona. E evitá-la porque os preços de hoteis sobem muito nessa época na cidade. Já expliquei que o Circuito da Catalunha não é tão perto assim da capital catalã, mas os hoteis ao redor costumam ficar lotados por quem trabalha na F-1. Dá para ir de trem saindo de Barcelona, mas isso inclui uma caminhada por ruas sem calçada, então depende do nível do espírito de aventura. E da vontade de ver carros das 9 às 18h.
Drops do teste com upgrade ferrarista e “Alonso” de volta
Várias equipes usam grupos de whatsapp para se comunicar com os jornalistas, mas a sempre fechada Ferrari era um dos que resistia à moda. Pelo menos até a nova chefe de comunicação chegar e, já no primeiro dia de teste, mudar isso. Logo depois, mal acreditei quando uma pessoa vestida de vermelho interrompeu uma conversa para falar “espera um minuto porque preciso falar com a Julianne”. Milagres operados por Silvia Hoffer, italiana que começou na Minardi e estava há anos na McLaren. Contratação de peso da Scuderia, cujo departamento de comunicação deixava muito a desejar.
Falando em Ferrari, estava indo embora na terça-feira caminhando atrás de Leclerc, que olhou para ver quem estava por perto e abriu um sorriso e me cumprimentou. É interessante ver como o tratamento que recebemos desses pilotos que chegaram quando nós já estávamos lá. O mesmo, inclusive, aconteceu quando cruzei com Esteban Ocon na Mercedes, que estava almoçando e levantou para cumprimentar a mim e outro colega que estava comigo.
Na Mercedes, antes da coletiva de imprensa, tive que perguntar para Toto o que ele achou da legenda de “marido da Susie Wolff” quando esteve na F-E. Ele deu risada: “Eu disse no grid que não daria entrevistas porque não estava trabalhando e acho que foi por isso que o Alejandro teve aquela ideia.” É bem a cara de Agag mesmo.
Pessoal da Williams já fala internamente em ano jogado fora, depois de todos os problemas de vir de um projeto ruim e que não melhorou ao longo da temporada para mais problemas com a produção de peças. Robert Kubica foi até fazer 200km de bike para desestressar, senão acho que matava algum engenheiro lá dentro. Principalmente Paddy Lowe, cuja moral lá dentro está mais baixa do que nunca, tamanha foi a falta de direcionamento do diretor técnico em todo esse processo.
Não sei se vocês lembram de uma história que contei no twitter de quando um membro da FIA disse que eu sabia mais da parte técnica que Arrivabene. Tive que ouvir o mesmo comentário, me comparando com Lowe. E respondi “mas o que isso quer dizer sobre todo o meu conhecimento?” 🙂
Já na Honda, dei uma sondada de como estava a confiança e recebi a resposta mais japonesa da história: “Tudo correu muito bem no dinamômetro, então não sabemos se é bom ou ruim, porque você quer que os problemas apareçam nessa parte do ano”. Mas os carros andaram sem problemas, então acredito que eles já estejam bem mais confiantes que isso. Mas nunca vão admitir!
Falando em não admitir, quando fui observar os carros na beirada da pista, o que mais me chamou a atenção negativamente foi a McLaren, então fui perguntar a Lando Norris como estava o equilíbrio. Senti que ele se ofendeu com a pergunta, achou que estava me referindo à pilotagem dele, e disse que eles só estavam testando vários acertos – alguns errados – no carro. No dia seguinte, estava atrás dos boxes quando Carlos Sainz passou por mim para ir ao banheiro. O semblante dele me lembrou alguém. Demorei alguns segundos para identificar que ele estava com a mesma cara de “esse carro é uma porcaria” de… Fernando Alonso.
Nesse momento, estava com Pietro Fittipaldi, que viveu um pouco de tudo nessa primeira semana de testes. Lá pelo meio da tarde de terça, o vi observando os carros na parte mais travada, no final do circuito, e cerca de uma hora depois ele estava no carro, chamado às pressas porque o descanso de pescoço do Magnussen estava no tamanho errado, fazendo com que ele ficasse com a cabeça muito baixa no cockpit.
Depois do susto e de fazer a manhã do dia seguinte, Pietro estava com um sorriso de orelha a orelha, bem satisfeito com o trabalho que fez, e ao mesmo tempo irritado por ter acabado perdendo um período do teste (ele faria uma manhã e uma tarde, mas os problemas técnicos forçaram a Haas a colocar os titulares para andar). Estávamos conversando sobre outros assuntos e ele, com a cabeça de piloto, voltava sempre a perguntas como “mas quantas voltas o Romain deu no primeiro dia?”, querendo se certificar de que o time realmente não tinha outra opção.
Sobre Pietro, a pergunta que sempre é feita é em relação a seus pontos para a superlicença. Ele tem 21, precisa de mais 19, mas quando você fala sobre isso ele só sorri e diz que estão tranquilos. Perguntei diretamente se o plano era fazer sessões de treinos livres, mostrar que tem condições de conseguir mesmo sem os pontos, e fazer um pedido especial para a FIA. E recebi outro sorriso como resposta.
Equilíbrio no top 3 e times tradicionais com problemas
Caso as próximas linhas não condizam com a impressão deixada pelos tempos de volta feitos nos primeiros dias de testes da pré-temporada, não será mera coincidência: mal os acompanhei. Isso porque, especialmente nesta fase de testes, ver o comportamento dos carros na pista e dos pilotos fora delas é mais valioso para tentar entender onde todos estão do que qualquer dois décimos para cá ou para lá.
Nesse sentido, a tranquilidade da Ferrari (que é meio laranja quando se vê ao vivo, tenho que dizer) é evidente. Logo no primeiro dia, Sebastian Vettel nem conseguia medir as palavras para dizer o quão satisfeito estava, e por todo o teste se via o chefe Mattia Binotto caminhando tranquilamente pelo paddock enquanto o carro estava na pista, sinal de que não havia nenhum incêndio para apagar nos boxes. E os dados de GPS, mais importantes que os tempos, indicam que eles têm o mesmo conjunto nesse momento, com certa vantagem.
Na pista, o carro parece completamente nos trilhos, especialmente com a traseira funcionando muito bem nas curvas de alta. Não que a Mercedes esteja devendo – a tração continua sendo um ponto forte do carro. Mas tenho que dizer que, pelo menos enquanto estava em meu “posto de observação”, vi Valtteri Bottas se atrapalhar em algumas freadas e Lewis Hamilton deu algumas pistas de que o time não está tão confiante inicialmente, ou seja, pode ser mais um daqueles carros difíceis de entender. Nada que tenha impedido, contudo, que o time ganhasse os dois últimos campeonatos.
Já a Red Bull parece muito bem adaptada ao motor Honda, ainda que seja cedo para saber onde o time está em termos de potência, já que os próprios japoneses, que inclusive estão bem tranquilos, afirmaram terem focado em confiabilidade. E, pelo menos em teoria, é um casamento que tem tudo para dar certo: o motor é menor e mais leve, ou seja, eles sabem que nunca terão a mesma potência de Mercedes e Ferrari. Mas a ideia é que isso compense do lado da aerodinâmica, tornando o conjunto tão rápido quanto os dois carros da frente. E, a julgar pelo comportamento do carro nos primeiros testes, o time fez sua parte e a tal eficiência aerodinâmica está lá – e a expectativa é que peças que estão chegando para a traseira na semana que vem melhorem significativamente o carro, ou seja, a impressão que ficou nesta semana em Barcelona é que o top 3 tem potencial para estar próximo, ainda que a Ferrari esteja sobrando no momento.
Em relação ao novo regulamento, todo mundo parece disposto a diminuir as consequências em termos de ultrapassagens. Mas foi curioso perceber o cuidado com que todos foram ao teste, temendo que alguém tivesse encontrado alguma brecha no regulamento. E saíram aliviados porque, ao que tudo indica, não havia brecha, e por conta disso todos apostaram na continuidade de conceitos que já vinham sendo usados. Senti que, especialmente na Mercedes, o alívio era grande.
Já no meio do pelotão, duas equipes se destacaram: Haas e Alfa Romeo parecem estáveis e não tiveram grandes dramas na primeira semana, e são coisas que fazem diferença em uma batalha que foi muito apertada ano passado.
Renault e Racing Point tiveram muitos problemas com o DRS, que ganhou 25% em potência neste ano e vem dando dor de cabeça por conta disso, sendo que a evidência mais clara disso foi simplesmente o estouro da peça no carro de Daniel Ricciardo. Depois da falha, o time instalou uma asa gigante no meu carro para garantir quilometragem antes de resolver o problema, que já assombrava a equipe ano passado. Já a Toro Rosso deu a impressão de estar um pouco mais lenta, mas foi outro time que começou a pré-temporada sem grandes dramas.
Já a McLaren me surpreendeu negativamente quando estive na pista, e perguntei a Lando Norris por que ele estava tendo tanta dificuldade. O inglês não gostou muito da pergunta, e disse que eles estão testando vários acertos para o carro – algum deles completamente equivocados, “e é isso que você deve ter visto”. De qualquer maneira, mesmo isso não é uma grande notícia e denota uma falta de compreensão acerca das reações do carro que os outros não parecem estar tendo. Não por acaso, o foco do time foi celebrar a quilometragem.
Mas é claro que a situação não chega nem perto do drama vivido pela Williams. O projeto está atrasado desde o início, não é de agora, e basicamente eles perderam todos os prazos que tinham. Isso, por um atraso para começar e também pelo excesso de re-trabalho – principalmente no setor que produz efetivamente as peças, que têm saído com falhas e não é de hoje. Mas também há problemas de administração: mesmo quando estava ficando claro que o carro não ficaria pronto, o time não alterou seu esquema de trabalho e o expediente continuou das 9 às 17h, como se tudo estivesse às mil maravilhas. Isso até muito próximo do teste, quando começaram a fazer turnos de 16h. Mas ainda assim sem Paddy Lowe por perto. Os sinais não poderiam ser piores.
Afinal, para que serve o piloto de testes?
Faz 10 anos que a Fórmula 1 não tem mais testes ilimitados durante a temporada, mas uma vaga que prometia ficar obsoleta continua sendo uma arma fundamental para as equipes: a de piloto de testes. Mesmo ganhando muitas vezes a denominação de ‘piloto de desenvolvimento’, ainda é justo usar o termo antigo. Aliás, testar, mesmo que na grande maioria das vezes não na pista, é o que ele faz.
Mas para que serve o piloto de testes hoje em dia? Lembre-se das vezes em que uma equipe parecia mal na sexta-feira e apareceu arrasando no sábado. Os mais simplistas podem dizer que eles estavam “escondendo o jogo”, mas não é isso: certamente houve um trabalho extenso de análise dos engenheiros de pista, que entregaram essas informações para a fábrica que, por sua vez, colocou o piloto de testes no simulador para experimentar as soluções pensadas e, assim, fazer mudanças no acerto do carro ou até mesmo confirmar se vale a pena ou não colocar aquela peça nova que o time levou para aquela etapa.
É por isso que as equipes têm cada vez mais apostado em pilotos que não estarão na ativa durante os finais de semana de corrida para esta vaga, uma vez que eles teriam disponibilidade de passar uma madrugada inteira de sexta-feira, por exemplo, no simulador, se necessário. Sebastien Buemi na maioria das vezes é quem faz isso na Red Bull, Pascal Wehrlein era o dono da vaga ano passado e será substituído por Esteban Ocon neste ano na Mercedes, e a Ferrari formou um supertime, com quatro pilotos responsáveis pelo trabalho de simulador, ‘roubando’ pilotos-chave: o próprio Wehrlein e Brendon Hartley, que conhece bem o simulador da Red Bull – e o motor Honda.
Isso explica por que o fato de não estar em nenhum dos campeonatos cujas datas concorrem com a F-1 ajudou Pietro Fittipaldi, que negocia para correr na Super Fórmula japonesa, a conseguir a vaga de piloto de testes da Haas, e também mostra a dificuldade das equipes de encontrar alguém motivado para uma função tão importante.
Alguém pode perguntar: ‘mas e o Sette Camara, não fará esse trabalho na McLaren?`. Disputando a F-2 e já deixando claro que essa é sua prioridade, a resposta é não. O brasileiro ajudará no simulador da equipe entre as corridas, testando acertos antes das provas, mas seu papel será um pouco diferente – como foi o de Norris e de Russell ano passado, por exemplo: existe uma ênfase maior no desenvolvimento dele como piloto.
Porque esta é outra faceta do tal piloto de desenvolvimento/testes: tornando-o parte da equipe de alguma forma, o piloto evolui. Falei com Norris e Russell a respeito, e ambos destacaram como é diferente e até chocante para os jovens chegarem em uma equipe de Fórmula 1, tendo de se reportar a várias pessoas ao invés de apenas seu engenheiro de pista, o que os obriga a ter uma informação bem mais precisa. “Não dá para destacar um ponto que é mais importante, mas eu diria que são várias pequenas coisas que, quando se juntam, fazem sentido e te tornam um piloto melhor”, resumiu Norris.
Do lado das equipes, elas passam a conhecer melhor os jovens pilotos e, como Russell, Norris e Giovinazzi provaram, mesmo sem testes, ser piloto de testes é a melhor forma de arrumar uma vaga no grid da F-1, hoje em dia.
Mudanças de 2019 vão muito além do regulamento
Muito tem se falado nas mudanças do regulamento técnico da Fórmula 1 para este ano, mas elas estão longe de ser as únicas. As novidades nas duplas de pilotos são as maiores em muito tempo – desconfio que desde 2010 – e trocas de comando também devem surtir efeito.
Começando pelos pilotos, que mais chama a atenção é Charles Leclerc, do alto de seus 21 anos, estreando em uma Ferrari que tem tudo para lutar pelo título. E o monegasco, vai lutar pelo quê? Já expliquei por aqui por que a expectativa em cima dele é alta e porque essa história de “sentir o peso” do macacão da Ferrari não tem muito a ver com sua trajetória. (A respeito disso, aliás, recomendo o episódio dele do podcast oficial da F1).
Quem também estará sob os holofotes é Robert Kubica, de volta depois de oito anos. No último teste antes do acidente de rali, ele liderou em Barcelona, algo que só aconteceria se a Williams fizesse uma simulação de classificação logo no primeiro dia ou algo do tipo. De certa forma, voltar por uma equipe em má fase e ao lado de um novato – ainda que Russell pareça ser o melhor deles – parece ser a desculpa perfeita caso as coisas não saiam como esperado. Mas, assim como no caso de Leclerc, a história de Kubica sugere que é melhor não dar-lhe por vencido.
Além dos quatro estreantes que apresentei por aqui, tem vários outros pilotos de casa nova: Kimi Raikkonen, na verdade, volta a casa e deve ser um personagem e tanto para acompanhar no paddock. Se já no final do ano passado ele estava falante e sorridente, imagine depois do vermelho realmente ficar na memória? E Kvyat, vai voltar paz e amor ou a metralhadora em que tinha se tornado depois da demissão na Red Bull?
Não me surpreenderia ver Stroll como figurinha fácil no top 10, agora dono de uma equipe cheia de potencial, enquanto Carlos Sainz parece ter ouvido demais as mesmas pessoas que assessoram Alonso. A McLaren está perdida há anos na aerodinâmica do carro e é difícil ver sinais de recuperação. Deve doer para o espanhol ver quem estava atrás dele no programa da Red Bull, Pierre Gasly, no time principal, ainda que o último companheiro que Carlos queira ter pela frente seja Verstappen, mesmo motivo que fez Ricciardo apostar no escuro da Renault.
Em outras palavras: quem vai ficar perdido ou perdida com qual piloto está em qual equipe na Austrália levanta a mão!
Mudanças no Comando
Mas as novidades de 2019 não ficam só nos cockpits. Mattia Binotto finalmente conseguiu o cargo que lhe tinha sido prometido por Marchionne e tem uma grande chance de fazer a Ferrari caminhar apenas em uma direção. É raro ter alguém com perfil técnico comandando a Scuderia e será interessante ver como funciona essa dinâmica.
Assim como também curioso ver se o primeiro projeto da Renault com possíveis “assopros” do polonês Marcin Budkowski gera realmente um ganho para o time. Marcin foi alvo de uma polêmica ano passado quando deixou o cargo de chefe do departamento técnico da FIA, ou seja, deixou de ser aquele que sabe dos segredos dos rivais para trabalhar para um dos times. Claro que as regras mudaram e o conhecimento não é tão valioso quanto seria ano passado, por exemplo. E resta saber se o motor finalmente vem junto.
Isso porque a Honda terminou 2018 com o terceiro melhor motor do grid. Como eles conseguiram isso depois de penar tanto com a McLaren? A estratégia mudou: com a Toro Rosso, eles sofreram muitas punições, mas desta vez de propósito. O motor não estava quebrando mais e, sim, sendo desenvolvido a toque de caixa e, por isso, tinha de ser trocado com frequência. E, no final do ano, já se falava em 60cv de vantagem em relação à Renault, que se desenvolveu em um ritmo mais lento, com o time principal lutando até o final pelo quarto lugar e sem poder usar punições para testar melhorias.
Outra vantagem é que a Honda está disposta a gastar o que for necessário, o que não é o caso da Renault que, inclusive, tem outros focos de tensão fora da F-1 no momento.
Voltando às mudanças de comando, resta também como a chegada dos Stroll vai moldar a Racing Point. Olhando de fora, a relação do engraçado e aberto Otmar Szafnauer com Lawrence Stroll parece funcionar, mas há dois lados do bilionário: ele é, ao mesmo tempo, um empresário bom o suficiente para delegar quem deve mandar no negócio, mas também é conhecido pela paixão quase doentia que tem pela carreira do filho.
Uma coisa é certa, dessa vez não dá para dizer que tudo continua como antes na Fórmula 1.
21 anos com uma Ferrari nas mãos: por que Leclerc é tido como fora de série
Foi curioso ver nos últimos meses como a desconfiança em relação ao rendimento que Charles Leclerc deverá ter já em seu primeiro ano de Ferrari era muito maior entre os torcedores do que dentro do paddock. “Ele é muito novo”, “na Ferrari a coisa é diferente”, “ir bem com uma Sauber é fácil, quero ver andar lá na frente”.
Dá para entender todas essas indagações, mas por que quem o vê mais de perto tem menos reservas a respeito de Leclerc? Separei cinco pontos que acredito serem os mais fortes.
Charles Leclerc:
Tem equilíbrio entre calma e agressividade
Lembram da classificação do GP do Brasil, quando vários pilotos estavam na pista com pneus gastos no final do Q2, começou a chover mais forte e Leclerc contrariou o engenheiro e seguiu na pista, acreditando que conseguiria melhorar o tempo mesmo assim? É disso que estou falando. A decisão em si foi agressiva, mas ele teve a calma para focar nessa volta que seria sua última tentativa de passar para o Q3 sob condições difíceis e fez um temporal. É em momentos assim que ele demonstra que é bem mais maduro do que seus 21 anos poderiam levar a crer.
Não comete o mesmo erro duas vezes
Essa é uma característica rara e que chama muito a atenção em Leclerc. Em um mundo em que os pilotos não pensam duas vezes em culpar o equipamento, ele era considerado dentro da Sauber até exageradamente autocrítico. Mesmo depois de uma pequena escapada em um treino livre, ele sempre vai ao rádio dizer que errou e, mais importante, no que errou. E isso não se repete. É por conta disso, também, que a maturidade que demonstra não condiz com sua idade.
É rápido e consistente
Outro ponto que chamou muito a atenção da Sauber é como ele conseguiu manter o nível de pilotagem alto por todo o campeonato depois que se encontrou, em Baku. E durante as corridas essa consistência em um nível alto de velocidade também se confirmou. Falando com pilotos do meio do pelotão, a consistência é tida como a característica principal que separa os bons pilotos dos fora de série. Afinal, se você chegou na F-1, rápido consegue ser. Mas quantas vezes consegue repetir isso?
Expõe suas ideias com clareza
Muitas vezes um piloto tem muita sensibilidade, mas não consegue expressar isso aos engenheiros para que ambos consigam melhorar o rendimento do carro. Em uma F-1 tão voltada à tecnologia, o conhecimento técnico não importa tanto (vide Sirotkin, engenheiro formado e que não durou mais que um ano) quanto saber explicar bem as sensações no carro. E dá para perceber isso também nas entrevistas deles. Leclerc é sempre preciso e claro ao responder, até mesmo quando está frustrado com um resultado, logo depois de sair do carro. E sabemos que a comunicação é uma habilidade importante na Ferrari.
Tem as pessoas certas ao seu lado
Por fim, mas não menos importante. Leclerc não vai chegar desamparado na Ferrari. Afinal, ele conhece a Scuderia por fazer parte de sua Academia e, mais importante, é empresariado por Nicolas Todt desde os tempos de kart. Isso confere a ele não apenas capital político, como também uma estabilidade importante em termos de patrocínios e portas abertas. E lhe dá tranquilidade para trabalhar mesmo em um ambiente nem um pouco tranquilo no momento.
Tudo isso quer dizer que ele vai desbancar Sebastian Vettel e lutar pelo título logo de cara em 2019 e que qualquer coisa que seja menos que isso não vale? Isso ninguém pode garantir. Mas, com estes ingredientes, é muito mais fácil Leclerc se dar bem na Ferrari do que o contrário.
Uma F1 boa demais é uma F1 previsível demais
O resultado da enquete que fiz há pouco tempo no blog deixou claro: os fãs estão sentindo falta de resultados menos previsíveis na F1. Indo mais a fundo no problema, quando se conversa com pilotos e gente do meio, o diagnóstico é de que a categoria tem de se repensar para evitar diferenças tão grandes entre as equipes. Afinal, com menos montadoras e, consequentemente, menos dinheiro, a excelência tende a se concentrar em menos mãos.
É fato que também há uma dose de falta de memória: quando foi a última vez que a F1 teve uma sequência de sete corridas com vencedores diferentes? Nos anos 80, ajudados pela falta de confiabilidade que, por si só, sempre foi a maior responsável por resultados aleatórios ao longo da história? Não, foi em 2012.
As sete primeiras corridas daquela temporada tiveram vencedores distintos e, na oitava, Fernando Alonso conquistou sua vitória mais impressionante da carreira, saindo de 11º para vencer na travada pista de Valência. Ou seja, outro resultado pra lá de inesperado. Depois, as equipes foram se encontrando com os pneus, grande motivo de toda aquela alternância de forças.
Em uma era na qual os abandonos se tornaram escassos e as simulações estão cada vez menos humanizadas – ou seja, menos propensas a erros humanos, o que vai da produção de peças a decisões estratégicas – é justamente a excelência da F1 que joga contra sua competitividade.
Quer outra prova disso? O campeonato da F1B, por exemplo, anda pra lá de disputado. São equipes ou com menos recursos, ou que não tiveram bala na agulha nos últimos anos para contratar grandes nomes e estão em reestruturação – como no caso de Renault, o que explica como Hulkenberg acabou sendo o “campeão moral” ano passado, principalmente devido aos resultados mais para o final da temporada, com a evolução do time. Ou seja, onde há menos excelência, a disputa é mais parelha.
Essa disparidade entre o que vou chamar de times de excelência e os demais leva a uma série de regras sempre criticadas pelos fãs e vistas como empecilhos para conquistar novos entusiastas, uma vez que complicam o esporte. Um ótimo exemplo é o regulamento de pneus – largar com o jogo com o qual fez o melhor tempo no Q2, ter de usar dois compostos, etc. – são todas formas de embaralhar artificialmente as corridas de forma mais tímida, em uma categoria que teme em assumir um caráter mais voltado ao entretenimento e adotar métodos agressivos para ter mais resultados aleatórios, como inversão de grid, por exemplo.
Dado o diagnóstico, qual seriam as soluções para tornar a F1 mais competitiva? Mudar continuamente de regras? Aumentar a padronização de peças? Fazer alterações no formato do final de semana de corrida? A continuação dessa discussão vai ser o tema do primeiro Podcast exclusivo para assinantes do projeto do Catarse, No Paddock da F1 com a Ju. Aproveite para dar uma passada lá no projeto e me diga o que achou!
Como o novo regulamento pode ajudar a… Mercedes
Uma mea-culpa que vai custar caro – Helmut Marko falou em 15 milhões de euros gastos para redensenhar as asas do novo carro. E há quem diga que a maior interessada é a Mercedes, notavelmente dona do carro que mais tem dificuldade no trânsito. Para completar, mesmo com as novas regras aerodinâmicas, pelo menos as grandes chegarão aos testes com o mesmo nível de downforce do início do ano passado, e com a meta real de ultrapassá-lo já em Melbourne.
Ok, há motivos de sobra para a expectativa em relação às novas dimensões e simplificação de asas e dutos de freio não serem as melhores. Afinal, embora a intenção seja diminuir a turbulência e fomentar ultrapassagens, é aquele tipo de alteração que beneficia as grandes equipes. A única valia é indicar o caminho para as regras de 2021, já que os próprios engenheiros não estão 100% seguros do que teria de ser feito para melhorar a questão das ultrapassagens. Basicamente, não há tantos dados sobre isso mas, sim, sobre como tornar os carros mais rápidos – o que geralmente atrapalha as ultrapassagens porque significa maior refinamento aerodinâmico. Então a ideia é que, pelo menos, um carro possa seguir o outro de mais perto, colocando pressão e tentando induzir o rival ao erro.
Entretanto, mesmo nesse cenário, três equipes chamam a atenção: Haas e Sauber, pela íntima colaboração com a Ferrari, e a Force India, time que sempre foi muito eficiente e que agora tem orçamento para ser mais do que isso.
Outra possibilidade interessante e algo que se falou no paddock ano passado é que conceitos diferentes apareçam, dando uma chacoalhada no grid nas primeiras corridas até a poeira assentar. Isso porque haverá times que terão que mexer mais em conceitos fundamentais do carro do que outros.
Mas como uma redefinição de dimensões e perfil de asas pode fazer um carro mudar tanto? As asas dianteiras se tornaram fundamentais para a geração de downforce especialmente após o regulamento que cortou boa parte dele em 2009, e foi o grande alvo de desenvolvimento que levou a Red Bull do meio para a frente do pelotão.
O que vemos em uma imagem de frente do carro hoje não é nem metade dos penduricalhos aerodinâmicos que estão por trás das lâminas e que formam vórtices cuja função é acelerar o ar que passa pelo difusor, grudando o carro no chão. São esses mesmos fluxos, entretanto, que “poluem” o ar e causam a turbulência. E a mesma teoria serve para os dutos de freio, cujo uso aerodinâmico também será reduzido nas novas regras.
Voltando à Red Bull, as asas dianteiras carregadas de vórtices não agiam sozinhas. Adrian Newey foi, a cada ano, aperfeiçoando o combinação destas asas com a traseira bastante inclinada, ou seja, foi aumentando o rake dos seus carros (diferença do ângulo em relação ao chão da traseira e dianteira), o que basicamente é uma forma de recriar o efeito-solo, dando mais downforce à traseira, que geralmente corresponde a de 35 a 40% da pressão aerodinâmica total do carro.
Juntando todas essas informações, dá para entender por que um rake elevado não seria tão poderoso com as novas regras, já que o difusor não poderá ser alimentado com tanta força quanto antes, gerando o risco do difusor “estolar” principalmente em curvas de baixa e média, já que, com menos velocidade “puxando” a frente para o chão, o rake aumenta.
Mas esse é só um problema para a Red Bull? De jeito nenhum. Usar um rake elevado virou moda nos carros especialmente com as regras de 2017, com alguns times como a Ferrari acertando a mão em sua utilização, e outros como a McLaren falhando – até porque não é algo simples de integrar ao projeto.
Curiosamente, a equipe que evitou ao máximo seguir essa onda foi aquela que mais sofre no meio do pelotão. Sim, novamente a Mercedes aparece como possível beneficiada. Na semana que vem, começaremos a ver quais as soluções que as equipes encontraram. Mas a resposta para todas as dúvidas acerca da efetividade das regras na questão das ultrapassagens e de quem vai sair ganhando, só na Austrália em pouco mais de um mês.
Turistando off-season e o paraíso
Dizem que “quem converte, não se diverte” e o ano passado testou os brasileiros pelo mundo nesse quesito. Mas o Japão é tão fascinante que, até convertendo, é impossível não curtir. E olha que estou falando de um lugar onde uma viagem de 2h30 (só ida, ok?) no trem-bala de Tóquio a Osaka sai por quase 500 reais. Sim, mesmo sendo bem caro trata-se de um país que deveria estar na lista de qualquer um.
Quando digo isso aos meus amigos e familiares, eles me perguntam por que e tenho dificuldade em colocar em palavras. Visitar o Japão é viver uma série de “por que eu nunca pensei nisso antes?”. Você vai para a Europa e pros EUA e fica impressionado ao ver “aqui, diferentemente de casa, as coisas simplesmente funcionam”? Bom, meus amigos europeus vão ao Japão e têm exatamente a mesma sensação sobre as casas deles.
Ficar no Japão entre os GPs de Suzuka e EUA, enfim, não foi uma decisão financeira. Queria um pouco de calor e de praia porque sabia que os meses seguintes seriam complicados na Europa e, pesquisando “quais são as melhores praias no Japão”, notei que todas estavam basicamente no mesmo lugar, no arquipélago de Okinawa. O Japão, para minha surpresa, tinha um conjunto de ilhas de clima tropical, a 2h de voo ao sul de Osaka, que fica mais ou menos no centro do país.
Antes de chegar ao paraíso, decidi dar uma passada em Hiroshima e na belíssima ilha de Miyajima, que fica próxima à cidade que ficou famosa pelos piores motivos. Em pleno clima bélico da eleição no Brasil, lá estava eu tendo um tour com uma filha de sobrevivente da bomba atômica, que ainda me deu um origami de pássaro feito pela mãe. É uma visita tão forte quanto necessária.
Mas, como a vida é feita de equilíbrio, eu precisava de praia. Peguei o Shinkansen (o tal trem-bala) para Osaka, dormi numa cápsula no aeroporto, peguei o voo a Naha, capital de Okinawa, e finalmente um barco até Zamami, onde seria meu refúgio por quase uma semana. Era uma ilha de menos de 1000 habitantes em que poucos falavam inglês. O mar era talvez o azul mais claro que já vi e a vida marinha é tão rica que era possível ver peixes, tartarugas e corais mesmo sem snorkel!
Mesmo com a chuva não ajudando em nada, a viagem foi espetacular. A comida que a dona da pousada preparava todo dia era deliciosa, as estradas que iam até os picos da ilhas guiavam a paisagens de tirar o fôlego, e as pessoas são de uma cordialidade e sensibilidade marcantes. Enfim, estava no Japão culturalmente falando – ainda que haja diferenças grandes de tradições em Okinawa – e em um lugar de beleza natural ímpar.
Não foi a toa que, quando falei para colegas japoneses que ia para lá, todos se empolgavam. Ou lamentavam por nunca terem tido a oportunidade de ir.
Por fim, até fiquei famosa em um restaurante em que era a única gaijin e, após mil perguntas feitas e respondidas mais com gestos do que qualquer coisa, os japoneses descobriram que eu era brasileira e trabalhava na Fórmula 1. E uma mulher exclamou, lá na ilha minúscula no meio do Mar da China: Ayrton Senna!
Isso me lembrou que era hora de voltar à rotina de aviões e aeroportos. Naha a Osaka, Osaka a Seul, Seul a Los Angeles por dois dias até o GP dos EUA. “Ah, LA, que legal!” Bom, fica a dica: não espere que seu corpo se recupere facilmente de 14h de fuso, tá? Ficar no Japão foi maravilhoso, mas fazer isso antes da perna das Américas do campeonato eu não vou fazer de novo!
Quem são os brasileiros que estão chegando na base
Vamos ouvir falar muito de Pietro Fittipaldi e Sergio Sette Camara neste ano. Afinal, eles são pilotos de testes de Haas e McLaren e estarão em vitrines importantes, na “borda” da F-1. São casos um pouco diferentes: Sergio tem a missão de lutar pelo título da F-2 ou pelo menos somar os pontos para poder dar o passo seguinte, enquanto Pietro escolheu um caminho bem mais arriscado, pois não tem os pontos suficientes para a Superlicença e tem o compromisso de estar em todos os GPs, o que dificulta correr em outra categoria – fala-se em uma conversa com a Super Fórmula, mas quatro das sete etapas batem com a F-1.
A safra de pilotos brasileiros está longe de acabar por aí. Na verdade, a grande expectativa está colocada em três nomes. Desde os tempos de kart, Caio Collet é tido como um diferenciado e, no ano passado, o piloto de 16 anos foi melhor que a encomenda em sua primeira temporada com carros de fórmula: conquistou o francês de F-4 por antecipação e quase 70 pontos a mais que o segundo colocado.
O desempenho de Caio chamou a atenção de ninguém menos que Nicolas Todt, o mesmo que empresaria Felipe Massa e que, mais recentemente, guiou Jules Bianchi e Charles Leclerc para a Fórmula 1. Com Todt, Caio tem mais garantias de patrocínio (vemos que todos os pilotos do empresário francês basicamente são apoiados pelas mesmas marcas, indicando uma estrutura de trabalho), grande chances de sempre poder contar com boas equipes e um caminho quase certo até a F-1. Para completar, estará no programa de jovens pilotos da Renault em 2019. É uma questão de continuar tendo os resultados. E de tempo.
Outro que vem de um ano muito forte é Enzo Fittipaldi, que disputou ao mesmo tempo as F-4 italiana e alemã, foi campeão da primeira e terceiro na segunda, correndo pela Prema, time que tem fortes conexões com a Ferrari e com a Mercedes.
Enzo, assim como Gianluca Petecof (quarto no italiano e décimo no alemão de F-4 em 2018), que rivalizava com Collet no kart, são membros do programa de desenvolvimento de pilotos da Ferrari, que nos últimos dois anos promoveu Leclerc e agora Giovinazzi. Os dois brasileiros moram em Maranello e fazem atividades de formação na Ferrari, além é claro de estarem mais próximos do time e de contarem com um apoio de peso. Mas reforço: tudo isso lhes dá uma ótima estrutura, mas só os resultados nas próximas etapas vão traçar seu futuro.
Outro que vem de um 2018 muito bom é Felipe Drugovich. Ouço falar dele desde minhas conversas com o Amir Nasr no paddock da F-1 e, provavelmente por ter uma carreira sem a mesma estrutura financeira de pilotos que já bem novos têm nomes como Todt e a Ferrari por trás, está “penando” mais, mudando mais constantemente de equipe, porém ainda assim com ótimos resultados. Em seu terceiro ano em carros de fórmula, o piloto de 18 anos foi campeão da F-3 espanhola e da Euroformula Open de forma impressionante (ganhou todas as corridas a não ser duas, em que foi segundo). Como? Ele mesmo diz que teve muito a ver com a perda de um campeonato disputado na F-4 alemã no ano anterior, quando chegou em terceiro.
Por fim, há quem possa questionar a ausência de Pedro Piquet na lista, mas seus resultados não são comparáveis aos demais até o momento.
Para 2019, esses pilotos seguem por caminhos diferentes: Drugovich deve ir para a nova F-3, categoria fortalecida em 2019 e cuja temporada é disputada junto da F-1. Collet fará a Fórmula Renault Eurocup, enquanto Enzo Fittipaldi vai para a F3 Regional, Petecof fica mais um ano na F4. Ambos permanecem no programa da Ferrari.
Talento, relacionamento, sorte: Os 3 pilares para um piloto chegar na F-1
No último post falei sobre aquele que tem sido o último passo dos pilotos para chegar à F-1, todavia muita água tem de passar por debaixo da ponte antes do menino promissor do kart ser contratado por um time da categoria. Mas o que vai fazer a diferença entre quem chega e quem fica pelo caminho?
A resposta mais rabugenta é “dinheiro”. Porém, sabemos que até a Fórmula 1 está cheia de histórias de pilotos que não nasceram em berço de ouro e que, na verdade, os Lance Stroll da vida são raridade. Para eles, foi o apoio especialmente de montadoras no momento crítico da transição entre o kart e os carros de fórmula que fez a diferença. Então a pergunta é, na verdade, como conquistar esse apoio?
Conversando com quem é do ramo entre empresários e equipes, cheguei a um tripé: talento, relacionamento e sorte. Ou seja, não é uma matemática fácil de se controlar ou equacionar.
Embora muita gente com memória curta diga que “hoje o talento não conta” e coisas do tipo, não é o que a história da maioria dos pilotos do grid conta. Desde Raikkonen, Hamilton, Kubica, passando por Vettel e chegando a Leclerc, Ocon, Gasly, etc.: eram todos meninos de classe média ou média-baixa (e sinto dizer aos que estão na classe média e se sentem ricos no Brasil que esse não é bem o caso). Todos eles chamaram a atenção no kart e, se não o tivessem feito, não teriam seguido na carreira por falta de patrocínio.
São histórias de superação: o pai de Lewis, que chegou a ter três empregos para sustentar a família e a carreira do filho, procurava o piloto mais rápido da pista, via onde ele freava e parava alguns passos à frente. Era ali onde Lewis tinha que frear, com seu kart de segunda mão, motor usado e pneus que tinham sido descartados pelos demais, para ganhar a corrida. E foi assim que ele se tornou um especialista em freadas e aprendeu a contornar os problemas do equipamento, foi ganhando corridas e patrocinadores pequenos até fechar com a McLaren aos 13 anos.
Ocon tem uma história até mais dramática: em determinado momento, seus pais venderam a casa onde moravam, compraram uma caravan e moraram dentro dela junto do cachorro da família e do equipamento de kart por três anos, indo de corrida a corrida pela Europa. Até o menino chamar a atenção de um time italiano e, depois, do programa da Gravity.
Ou seja, o talento faz diferença sim e acredito também que as empresas entendam que esses pilotos que conviveram com a pressão de ganhar tudo sem os melhores equipamentos para compensarem a falta de grana têm aquele algo a mais na hora em que a situação se complica.
Os casos de Hamilton e Ocon são de pilotos que vieram mesmo do nada. Mas você pode se beneficiar de conhecer as pessoas certas. Foi o caso de Leclerc, cujo pai era muito amigo do pai de Bianchi. Jules ganhou tudo em sua época de kart, era considerado um fenômeno, e por isso passou a ser empresariado por Nicolas Todt. E depois apresentou Leclerc a Todt, que acabou se interessando pelo menino. A partir daí, o novo piloto da Ferrari só teve de se preocupar com a pilotagem. O financiamento da carreira estava garantido.
Esse é um exemplo de relacionamento ajudando na carreira, mas não da forma mais importante que isso deve acontecer. Cansei de ver pilotos sendo queimados dentro de categorias pela sua forma de trabalhar não agradar os membros da equipe. Isso geralmente começa quando o piloto entra em parafuso porque está sendo batido pelo companheiro e passa a ver “fantasmas”, acha que o time está o prejudicando.
Ouvi uma história de um piloto que começou a desconfiar que a equipe estava dando equipamento melhor para seu companheiro, na GP2. Eles deram ao companheiro, um tal de Hamilton, o carro em um teste em Silverstone, e ele foi 0s4 mais rápido. Foi o fim de seu sonho de chegar à F-1. Então estar constantemente aprendendo e demonstrar evolução à equipe também conta.
Mas e se, mesmo com tudo isso, o piloto simplesmente não vingar? Alex Albon, por exemplo, já tinha desistido da F-1 quando recebeu um chamado de última hora justamente do homem que tinha lhe fechado as portas anos antes, Helmut Marko. O que dizer de Gasly, então, que estava “perdido”, segundo suas próprias palavras, no Japão, foi chamado no meio do ano retrasado para estrear pela Toro Rosso e hoje se preparar para estrear na Red Bull? Quem é do ramo pode tentar gerenciar tudo, mas é vida é mesmo cheia do imponderável. Desculpe decepcionar quem chegou até aqui mas não, não existe receita de bolo para chegar à F-1. Mas que a história de que talento não conta é balela.
Enquete da semana: O que está faltando na F1?
As novas regras de 2019 prometem atacar o problema da falta de ultrapassagens nas corridas, assim como os pneus mais duráveis devem permitir que os pilotos forcem mais o ritmo durante as provas. Mas o que você acha que anda faltando na F1?
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Pneus perdem o arco-íris e Pirelli se rende às corridas de um pit stop
Eles até tentaram criar uma ação de marketing dizendo que era o arco-íris da Pirelli, mas os sete (na prática, seis, pois o superduro era só uma precaução) compostos adotados para 2018 – e especialmente os nomes, que tiveram que ser criativos, com direito até a eleição para escolher o título do hipermacio no fim de 2017, estavam mais confundindo do que ajudando. Para esta temporada, contudo, o problema está resolvido: três cores (branco, amarelo e vermelho) e três nomes (duro, médio, macio).
Para o espectador eventual ou quem não liga muito para essa história de composto de pneu, de fato tudo ficará mais simples e essa é a direção mesmo que a Fórmula 1 está tentando tomar.
Mas para quem se aprofunda um pouco mais pode ter complicado ainda mais.
Porque, obviamente, não serão apenas três compostos de pneu para todas as pistas do calendário, e sim cinco. Eles serão identificados por números, ou seja:
1 = antigo duro
2 = antigo médio
3 = antigo macio
4 = antigo ultramacio
5 = antigo hipermacio
Percebam que o supermacio desapareceu, o que é uma boa notícia. Ele foi selecionado para 16 das 21 corridas do ano passado e por várias vezes foi o “culpado” por provas monótonas. Afinal, como ele era muito resistente e seu rendimento não era muito pior que o ultramacio, valia mais a pena fazer um stint um pouco mais lento e ficar na pista só controlando o ritmo do que fazer uma parada a mais.
Mas os compostos não mudaram só de nome. A Pirelli promete maiores diferenças entre os compostos mais macios, e mais proximidade entre duro e médio (oops, 1 e 2) e médio e macio (2 e 3), sendo que o único composto que não foi alterado é o número 3 (ex-macio). Trata-se de outra jogada que deve ser benéfica para as corridas, uma vez que o duro era… duro demais.
Outro ajuste foi feito no composto hipermacio, que tinha a aderência desejada para um pneu de classificação de pistas de rua ou de asfalto liso, mas sofria muito graining. Para acabar com essa tendência, a construção do composto foi revista.
São todas boas notícias em teoria mas chamou a atenção a seleção conservadora para as primeiras corridas, feita na primeira semana de dezembro com base nos dados do teste realizado em Abu Dhabi logo após o fim da temporada. E isso tem uma razão por trás: a Pirelli resolveu aceitar o fato que as corridas vão mesmo ter uma parada só em sua maioria e vai parar de tentar, por meio da seleção de compostos, impedir isso.
Essa é uma mudança de paradigma para quem chegou à F-1 em 2011 trazendo pneus de alta degradação, que algumas vezes passaram do limite e simplesmente explodiram, chegaram literalmente na lona, etc. A ideia para 2019 é fazer pneus mais consistentes para permitir que os pilotos forcem o ritmo, sem aquela história (que dominou 2018) de pilotar com um delta em mente para economizar uma parada.
Assim, a temporada começa com os seguintes compostos. E já vou deixando apenas com os números para vocês (e eu!) irem se acostumando.
GP | Seleção 2018 | Seleção 2019 |
Austrália | 3-supermacio-4 | 2-3-4 |
China | 2-3-4 | 1-2-3 |
Bahrein | 2-3-supermacio | 2-3-4 |
Baku | 3-supermacio-4 | 2-3-4 |
Turistando off-season e as aventuras do Oriente Médio
Sem grana e vontade de voltar para o Brasil entre os GPs da China e do Azerbaijão, com vontade de conhecer mais do Oriente Médio – na verdade cheguei a cogitar ir à Geórgia e, arriscando (já que a relação com o Azerbaijão é péssima e teria que explicar o carimbo até renovar meu passaporte, que era novinho) uma ida à Armênia – e sem abrigo na Europa, resolvi comprar um voo de ida e volta Dubai-China (ano passado a China foi dobradinha com o Bahrein) e seguir viagem até a Jordânia. De lá, iria para Israel, de onde pegaria um voo direto para Baku.
Mal sabia quando aterrissei em Amam que seria uma das viagens mais intensas que já fiz na vida.
A jornada começou com uma longa viagem de carro cortando a Jordânia para chegar até o deserto de Wadi Rum, ao sul do país. Lá eu ficaria em um acampamento de beduínos, por 40 reais. Quando cheguei, percebi que era a única hóspede de Nadjah, o beduíno que fez de tudo para eu me sentir confortável naquela situação.
Fui ao deserto ver o céu estrelado na verdade, e não podia imaginar a paz que te inunda a alma quando você está lá. Nadjah foi me levando a outros acampamentos, onde sempre havia beduínos em volta de sua fogueira de chá, em meio a paisagens bem diferentes daquele deserto que vemos em filmes – Wadi Rum é conhecido pelas formações rochosas e a areia tem um colorido diferente, alaranjado. À noite, ele preparou um cozido de frango feito num forno enterrado no chão para usar o calor da areia, e me levou para tomar leite fresco de camelo. Juro, tinha uns 60 camelos em um lugar, e o homem que tomava conta deles tirou o leite na hora e me deu. Aprovado.
Mesmo fazendo de tudo para eu me sentir segura – e com sucesso – Nadjah não podia deixar de dizer que eu valia pelo menos uns 200 camelos. Meu pai até hoje pergunta se a oferta ainda vale!
Saindo desse lugar onde o tempo parece nunca ter andado, fui à grande atração turística da Jordânia, Petra. E toda a calmaria ficou para trás. O lugar é impressionante, realmente, e fiquei hospedada na casa de uma inglesa muito simpática que se apaixonou por um jordaniano e deixou tudo para trás (e o que eu gosto mesmo quando viajo é ouvir as histórias das pessoas, então…). Mas a agressividade dos vendedores/pedintes e afins dá uma estragada no lugar.
De lá cruzei a fronteira com Israel a pé, o que foi uma experiência por si só. Você vai saindo do deserto e dos prédios simples do lado jordaniano da fronteira e logo avista a grama verdinha do outro lado, árvores, flores, funcionários sorridentes e super prestativos. Mas fortemente armados. E, passando por cima de sua cabeça, caças vão e voltam dando as boas-vindas.
Perdi a conta de quantas vezes mudei de opinião sobre aquele lugar, e saí com a única convicção de que aquele nível de militarização só pode indicar que há algo de errado com aquele Estado.
Pois, bem. Entrei por Eilat, uma cidade praiana que não tive tempo de conhecer, infelizmente. Meu taxista era uruguaio, morava em Israel há 30 anos, e dizia que “aqui as coisas são organizadas, não como lá na nossa terra”. Em Eilat, parecia mesmo um mundo encantado.
Peguei um ônibus a Jerusalém. Mesmo para uma não-crente, a cidade tem um poder inquestionável. É como se a crença de tantas pessoas de que aquele lugar é especial o tornasse o tal. Mas infelizmente os conflitos não permitem que você vá em todos os lugares. Sem poder cruzar ao lado muçulmano, o lugar mais forte para mim foi o Muro das Lamentações. Uma energia fora do comum.
Nos dois dias seguintes, fui à Palestina (usando transporte público, blindado, e cheio de soldados israelenses que voltavam a seus postos de metralhadora na mão, ou seja, um dia normal por lá) e o lugar mais impressionante certamente é Hebron, uma cidade dividida que parece cenário de guerra, com direito a checkpoints em que o soldado israelense pode simplesmente não te deixar passar – ou tirar algum sarro da sua cara para se divertir. E a cada pessoa que ouvia, mais denso, complicado e fascinante ficava o cenário político.
Confesso que voltei da fronteira revoltada com o Estado de Israel. E sentei para conversar no albergue com um casal alemão que tinha conhecido no café da manhã. Por coincidência, o marido era judeu e um grande financiador de Israel. Resolvi só ouvir. E percebi que estava simplificando demais as coisas.
Em meu último dia antes de seguir a Baku, decidi voltar ao deserto, desta vez visitando a fortaleza Masada, construída entre 37 e 31 a.C no topo de uma formação rochosa, para ver o nascer do sol, e depois não podia deixar de conferir qual é a desse tal de Mar Morto. Cheguei com zero expectativas e me diverti bastante criando novos estilos de natação flutuante. E minha pele saiu parecendo um bebê!
Teria mais mil coisas para contar, como os quilos que ganhei com comidas maravilhosas e todas as vezes que as pessoas falavam hebraico comigo e não acreditavam quando eu dizia que não era judia. O que será que não me revelaram na família?
O nerd, o zueira, o simpático, o tailandês tabajara: Quem são os estreantes de 2019
“A primeira vez que ele veio falar comigo foi no GP da Alemanha. Ele tinha um caderninho na mão. Dali em diante, em todos os GPs ele vinha falar alguma coisa, manter contato. Sempre com o caderninho. Nessa era do celular, até pela idade dele, é difícil não notar. Ele se mostrou diferente desde o começo.”
O depoimento é de Claire Williams sobre o estreante que fez mais em 2018, mas que provavelmente vai ter o pior carro para mostrar a que veio em sua primeira temporada. George Russell tem ainda outra história que mostra bem por que sua abordagem impressionou tanto a equipe: “Ele apareceu com uma apresentação de PowerPoint para mostrar por que ele seria um piloto melhor em 2019”, revelou Paddy Lowe. E eu nem imaginava que gente que nasceu no final da década de 1990 – ele é de 98! – sequer sabia o que é PowerPoint!
Perguntei a ele o porquê dessa abordagem tão ‘nerd’: “Descobri muito cedo que, para ser o melhor piloto, não importa só ser bom na pista. Você tem que evoluir constantemente em todas as áreas”. Ele tem toda a razão, especialmente se quiser – e claro que quer – ter uma chance em uma equipe grande rapidamente. Piloto Mercedes, ele hoje não é muito cotado para substituir Valtteri Bottas caso o finlandês não melhore seu rendimento em 2019, mas é possível que o temperamento explosivo e altamente competitivo de Esteban Ocon seja um empecilho para Toto Wolff colocá-lo ao lado de Lewis Hamilton. E é aí que o estreante nerd pode crescer.
Seu compatriota Lando Norris até tenta seguir o mesmo caminho de bom moço, tenta dar as respostas certas, impressionar a equipe, etc. Mas quem o segue nas mídias sociais sabe que ele é bem mais zueira que Russell e “veste mais a camisa” de seus 19 anos.
Eles são mesmo pessoas diferentes. Norris vem de uma família milionária e sabia que, cedo ou tarde, chegaria na F-1, então ele tem menos pressão em seus ombros de ir bem em absolutamente todas as corridas para garantir o apoio fundamental para sua carreira. Não que ele seja descompromissado, mas fica mais à vontade para brincar. Um exemplo? Quando ele ganhou o troféu pelo vice da F-2, postou a foto e escreveu “então se eu correr daqui eu ainda fico com o troféu?”, brincando com a própria timidez. Aliás, seguir os perfis dele deve ser uma boa fonte de diversão nessa temporada…
Entre Russell e Norris, está Antonio Giovinazzi, o terceiro estreante de 2019. Estereótipos à parte, o italiano até mesmo reconhece em entrevistas que por vezes deixa o nervosismo afetar suas performances, algo raro entre os pilotos da F-1 e tenho minhas dúvidas se esta postura de reconhecer suas fraquezas continue. Mas pelo menos uma coisa ele me prometeu: tentei por algumas vezes falar com Antonio no grid ao vivo pela Band, e ele dizia que só poderia falar se o chefe de imprensa da Ferrari permitisse – ele, no caso, ganhou o apelido de Antonono (seu nome é Antonini) porque ‘no’ é a resposta padrão – e eu falava ‘você diz isso porque sabe o que ele vai responder!’ e ele sorria e prometia que, neste ano, falaria comigo antes de todas as largadas. Vamos ver se o bravo raggazzo de Martina Franca, na Puglia, sul da Itália, continua esse cara simples e simpático quando virar titular.
E, por último, o piloto com quem eu tive menos contato até hoje, mas que carrega consigo uma história bem diferente. Com certeza vai chamar a atenção o fato de um piloto correr com a bandeira da Tailândia, algo que vai acontecer pela segunda vez na história. Sim, houve um piloto tailandês no grid em 1950, Prince Bira, nascido em Bangkok mas que começou no automobilismo quando foi estudar em Cambridge, na Inglaterra.
Já Albon nasceu em Londres, filho de um piloto britânico de turismo, Nigel Albon, e fez toda a sua carreira no Reino Unido, a exemplo de Norris e Russell. Mas escolheu correr com a bandeira do país da mãe muito em função dos patrocinadores que poderia atrair. Isso, no final das contas, foi fundamental para que a carreira dele continuasse quando ele foi demitido do programa de jovens pilotos da Red Bull que, curiosamente, o resgatou quando ele já estava com contrato assinado com a Nissan para correr na F-E. Tudo isso aconteceu em um momento delicado para Alex: sua mãe foi presa em 2012 por comandar um esquema de pirâmide em que cobrava milhões de libras por carros de luxo que nunca apareciam nas mãos dos clientes. A pena foi de seis anos, então não é de se duvidar que Kankamol Albon dará as caras no paddock…
Turistando na F-E entre cheiros e cores de Marrakesh
Passo por um dos portais da Medina, a cidade velha de Marrakesh, onde o tempo certamente parou: quase não há carros – e nem faz muito sentido passar por lá, já que a maioria das ruas é estreita demais para eles – as pessoas tomam conta das ruas, vende-se e conserta-se de tudo em lojinhas improvisadas e cheias de bugigangas, inclusive um pôster de Kaká provavelmente recém ido à Europa, e uma cortina de fumaça constante paira sob o ar. Em meio a tudo isso sinto um cheiro. Eu sei o que é isso! Onde eu já senti esse cheiro antes? Jordânia, é o docinho que o motorista do ônibus me ofereceu no caminho a Petra!
Uma consequência interessante de se viajar muito é que a memória parece não dar conta mais de ligar tantos pontos e os sentidos acabam se encaminhando de dar as dicas. E a dica era que estava pisando na África pela primeira vez, mas não perceberia. Era o mundo árabe e seus arabescos de cair o queixo. E seus homens de querer mandar lá mesmo, para aquele lugar.
Mas tenho que dizer que sempre ouvi que, por viajar sozinha, jamais deveria ir especialmente para o Marrocos e o Egito. E depois da experiência no primeiro – inclusive hospedada por uma inglesa que decidiu morar sozinha por lá – já estou pensando quando embarco para o segundo. Mexem constantemente com quem eles percebem que não é de lá e um menino de uns nove anos me fez uma proposta indecorosa que deixou até mesmo seu amigo, de uns 13, envergonhado. Os dois vinham me seguindo há tempos, primeiro pedindo para racharmos um táxi, depois pedindo dinheiro. Até que o menino tenta: “E sexo? Ali, no jardim.” E levou um cutucão do amigo.
Mas a dupla foi a única que realmente me importunou. De resto, só os vendedores que acreditam que todo turista é cheio de dinheiro e que a insistência vai te convencer, algo que é bem típico desses povos cuja cultura do comércio é milenar. A diferença no Marrocos em relação ao Oriente Médio na minha experiência, contudo, foi encontrar os encantadores de cobras e macacos no meio da praça principal.
Nessa mesma praça, aliás, notei que os poucos negros que via estavam vendendo as mesmas mercadorias baratas e descartáveis – e sempre como ambulantes, nunca com seu próprio negócio – que vendem na Europa. Impossível não se impressionar ao vê-los em situação tão ruim mesmo em seu próprio continente.
Contei no twitter que vi a Rafa Massa pechinchando, como reza a tradição, no centro de Marrakesh, e eu também comprei um colar por metade do preço inicial e ainda muito acima do que ele realmente vale. Digamos que tenha sido minha diminuta contribuição para um povo que é realmente bastante pobre, sendo a quinta economia da África, e que tem o setor de serviços como o mais forte economicamente, embora tenha índice menor de desemprego e mais investimento em educação proporcionalmente do que o Brasil.
Por outro lado, alguns palácios e afins estavam totalmente ou parcialmente fechados para restauração, o que é um ótimo sinal pois o que pude visitar tinha o que de melhor existe em arquitetura e ornamentos árabes (na minha opinião, os mais bonitos do mundo) mas longe de estar em perfeito estado.
De fato, o ex-território francês – onde a língua latina ainda é amplamente falada – é um país que está tentando renascer depois de anos de um regime autoritário. Mesmo que contin
ue sendo uma monarquia parlamentarista, com o primeiro-ministro indicado pelo rei, o país tomou um caminho mais democrático nos últimos 20 anos e especialmente depois da Primavera Árabe.
É um caminho longo ainda e um bom exemplo disso foi a única exigência que fizeram na minha entrada e na saída: é jornalista? Escreva o nome da publicação. A mídia ainda é altamente controlada pelo governo por lá e a corrupção faz parte da cultura.
Deixando a política de lado, fico com os cheiros, a mistura de cores e até a estranha cortina de fumaça, um misto de incenso e poeira, da cidade antiga. Talvez seja esse cheiro que deixará o Marrocos gravado na memória.
Drops da Fórmula E e os papos na mureta
Há quem pense que quem trabalha com Fórmula 1 tem pelo menos dois meses de férias em dezembro e janeiro, antes dos lançamentos dos carros começarem, mas isso está bem longe da realidade, especialmente de quem é freelancer. É o momento de fechar com os clientes para a temporada seguinte, comprar as viagens (o que exige horas e horas de pesquisas) e adiantar todos os textos possíveis – é quando faço grande parte do conteúdo do blog, por exemplo. Mas com o crescimento do interesse da F-E no Brasil e uma etapa a apenas 3h de voo (low-cost ainda por cima) de casa, não poderia deixar passar a chance de cobrir pela primeira vez uma prova da categoria, no Marrocos.
É impossível para quem está tão acostumada a outra realidade não comparar tudo com a F-1. Tinha entrevistas com Nelsinho e Felipe na quinta-feira, mas só poderia pegar a credencial na sexta. Na F-1 isso significaria que eu teria de remarcá-las, mas resolvi tentar entrar na cara e na coragem e… pronto! Minha alegria, contudo, não durou muito: logo o assessor da Jaguar disse que a entrevista com Nelsinho atrasaria em 2h, e o da Venturi informou que Felipe (que perdera a avó) não iria à pista. Vi que a F-E teria a facilidade de acesso impensável na F-1, mas a eficiência com os horários não seria a mesma.
Foi assim mesmo por toda a etapa. As credenciais chegaram com meia hora de atraso, e nenhuma entrevista aconteceu exatamente no horário combinado. Mas certamente o conteúdo compensa: os assessores simplesmente me largavam com os pilotos por 20, 30 minutos, sentados na mureta dos pits, no que foram mais papos do que entrevistas.
Foi a primeira vez que falei com Nelsinho, um personagem e tanto, que sempre dá boas entrevistas devido a sua particular sinceridade. Perguntei sobre seu estilo de vida, por exemplo, sobre sua fama de sempre estar curtindo, e ele: “Sei que tem cara que fica na balada até 6h da manhã, vai na academia 8h para postar foto e dizer que estava treinando, mas volta para a cama. Eu não preciso disso.”
Tive que abordar também a relação com o recém-chegado Massa. “Quem é meu amigo, é meu amigo. Para quem não é eu cago.” Não que do outro lado a situação seja muito diferente. “Conheço Nelsinho há muito tempo, nas corridas de kart sempre estavam todos pilotos juntos e ele do outro lado. E quando eu cheguei ele deu uma declaração que eu não entendi falando que eu estava vindo só por política.”
Jogando pimenta na fogueira, Alejandro Agag, chefão da F-E, disse que “finalmente tinha chegado um brasileiro simpático” na categoria, referindo-se a Massa. Repeti isso a Felipe, que pensou por um segundo, e disse. “Ah, mas o Lucas é gente boa.” Deu para sentir, né?
Ressaltei essas declarações porque elas dificilmente aconteceriam na F-1, pela minha experiência, mas certamente não foram os pontos altos das entrevistas, que foram das mudanças que a F-E geraram na vida de cada um à situação política brasileira. E, pelo menos esse é um assunto em que os três concordam, acreditando que a eleição de Bolsonaro pelo menos dá margem a mudanças que eles sentem como necessárias no país.
O mais politizado é Di Grassi, que demonstrou interesse em entrar para a vida pública depois de parar de correr. Mas o afiliado ao Partido Novo fez questão de deixar claro: “Não sou um bolsominion e tem muita coisa que estão fazendo que acho besteira.”
Estar na F-E me deu a chance também de entender melhor os conceitos por trás da categoria. O foco não é ganhar os fãs de automobilismo, e sim criar um espetáculo que possa ser também uma bela desculpa para curtir algum destino turístico durante um fim de semana – preferentemente, com a família. Sim, é um esporte para quem não quer barulho, não adianta espernear. E a ideia é que não seja o foco central de uma viagem ou um fim de semana diferente, mas a cereja no bolo. E, nesse contexto, o evento de um dia, e no sábado, faz todo o sentido.
Tudo está em um desenvolvimento embrionário ainda. As possibilidades são tantas que ouvi de Di Grassi que o motor poderia ser dividido em quatro, nos eixos do carro ao invés da traseira, por exemplo, e de Agag que ele está em contato com uma empresa que faz carros voadores. É isso mesmo. E, andando no paddock, com os convidados experimentando os simuladores, com o barulho elétrico ao fundo, a impressão já é estar mesmo andando no meio do futuro.
Não sei se a ideia de corrida para quem não é fã de corrida cola. E, no final das contas, na pista, mesmo sendo “um detalhe”, a corrida foi boa, e com os dramas tão comuns ao automobilismo: piloto se jogando do nada por dentro na primeira curva e companheiros de equipe jogando uma vitória fácil fora.
Para quem acompanhou a cobertura no twitter, ficou o mistério: qual será o anúncio relacionado ao Brasil que vai acontecer em 31 de janeiro? Adianto que á uma ideia bem maluca e tenho lá minhas dúvidas se vai dar certo. Mas isso a gente discute no fim do mês.
Pilotos estão finalmente liberados para ganhar músculos. E até comer
Chegou aquela época do ano em que os pilotos inundam as redes sociais para exibirem os treinos que estão fazendo para se prepararem para a pré-temporada da F-1. Além de construir a resistência necessária e a força em pontos-chave do corpo, como pescoço e core, cada um deles tem seus objetivos específicos. Mas neste ano haverá uma diferença: a neura por estar pesando o mínimo possível não será a mesma. Afinal, o regulamento agora divide o peso do piloto e do carro.
Em 2018, o peso mínimo do conjunto carro + piloto era de 734kg. Agora, o peso mínimo é 740kg, sendo que, obrigatoriamente, o peso do piloto será de pelo menos 80kg. Ou seja, se o piloto estiver abaixo disso, será colocado um lastro junto ao cockpit. Isso diminui a vantagem de pilotos mais baixos, que podiam distribuir o peso usando lastros para melhorar o equilíbrio do carro. Em equipes nas quais ambos os pilotos têm o mesmo tamanho, isso faz menos diferença, mas há casos de até 17kg de diferença entre os dois pilotos.
Principalmente por questões de segurança, o peso mínimo dos carros tem aumentado muito especialmente de 15 anos para cá, como expliquei neste post. E, especialmente quando o KERS foi introduzido (na época, muito menos potente e pelo menos quatro vezes pesado que o ERS-K de hoje), os pilotos tiveram que reduzir drasticamente seu peso, até porque foram poucos os times que decidiram usá-lo. Foi o caso da Renault, que acabou vendo Fernando Alonso desmaiar depois da quarta corrida da temporada, no Bahrein. E olha que ele não passa dos 1,70m. Seu companheiro a partir da metade daquele ano, Romain Grosjean, conta que começou a tomar gosto pela culinária naquela época.
“Estava cansado de comer sempre a mesma coisa, então comecei a ler mais sobre o assunto”, disse o francês, que hoje até tem livro de culinária e gosta de fazer bolos para os três filhos quando está em casa. Ele não pode exagerar, contudo, pois está no grupo de pilotos com 1,80m ou mais, time que tem também Max Verstappen, Charles Leclerc, Daniil Kvyat.
Passando de 1,80m estão Lance Stroll, Antonio Giovinazzi, Robert Kubica, George Russell, Nico Hulkenberg e o mais alto do grid, Alexander Albon. Ou seja, em um esporte que costumava reunir principalmente baixinhos, hoje metade do grid tem pelo menos 1,80m e grandes chances de passar dos 80kg, especialmente quando se treina para ganhar massa muscular, uma vez que músculos são mais densos que a gordura e, no jargão popular, “pesam mais”.
É lógico que ninguém quer passar dos 80kg, mas todo aquele cuidado para estar o mais magro possível ao mesmo tempo em que se está apto a competir em alto nível ficou para trás com a nova regra. Agora, eles estão livres para se condicionarem sem terem que, ao mesmo tempo, seguir uma dieta muito restritiva. Serão, com isso, atletas melhores em 2019.
Há quem possa perguntar: mas qual era a vantagem prática dos mais leves? Nos times grandes, geralmente os carros estão abaixo do peso mínimo, então o piloto que pesa mais tem menos a jogar com o lastro, mas a diferença é ínfima. É nos times médios que correm já acima do peso mínimo que a pressão sob os pilotos mais altos é mais forte, pois o peso maior na área do cockpit (central e bem baixa) é ruim para o equilíbrio do carro – e 10kg a mais podem representar até 0s4 dependendo da pista.
Os mais baixos e leves continuam tendo certa vantagem, mas ela é menor. Lewis Hamilton já avisou que pretende aparecer mais musculoso no começo da temporada, embora ele já seja relativamente pesado para a altura por ganhar massa muscular facilmente. Do outro lado do espectro, Hulkenberg, que também não tem o biótipo ‘magricelo’ de outros da turma dos 1,80m – Ocon contou que come seis ou sete ovos de manhã, um peito de frango no almoço com acompanhamentos, ainda aguenta a sobremesa e é um palito! – finalmente vai poder postar foto de comida!
Meu muito obrigada (e uma pergunta)
Quem nunca teve a sensação de que todas as dificuldades por que passou na vida serviram como preparação para o que viria adiante? Há 12 meses, eu não tinha certeza nenhuma de como estaria minha vida agora. Meus dias eram uma sequência de “ele está numa reunião, quer deixar mensagem?”, ligações não atendidas, emails ignorados. Ninguém queria saber de colocar um tostão sequer na cobertura da F-1. Ok, as coisas não mudaram um ano depois. Meu nível de incômodo com tudo isso, sim.
Porque vou fechar minhas contas neste ano tendo gasto exatamente o que ganhei. Tudo o que recebi foi para pagar a cobertura da temporada e minha escolha (com muita paixão por essa cidade, mas juízo nenhum) de morar num lugar caro como Londres (mesmo morando praticamente de favor! haha). Não estou escrevendo isso para gerar empatia. Sei que meu trabalho é romantizado por muitos, e muita gente me escreve dizendo que quer seguir meus passos, então tenho o dever de compartilhar.
Calculo que não sejam 100 os jornalistas que vão para todas as etapas da Fórmula 1. E, ainda que estejamos salvando o mundo, dá muito orgulho sim chegar onde tantos outros sonharam. Até porque foram anos de muito sacrifício, trabalhando em três empregos e ainda mantendo o blog em determinadas épocas, fazendo escalas bizarras como da 1h da manhã à meia-noite em pleno fim de semana.
Lewis deu uma entrevista muito boa ao podcast oficial dizendo que “a F-1 me deu uma vida, mas também acabou comigo”. É bem por aí mesmo. Especialmente para quem não nasceu em berço de ouro, ela abre um mundo a sua frente, na mesma medida em que esse mesmo estilo de vida cobra um preço muito alto, da saúde ao social.
Quando sonhava, ainda criança, em fazer o que faço hoje, pensava só nas corridas. Não tinha ideia de como isso me daria a oportunidade de me transformar. Sendo sincera: as corridas hoje são o de menos. Com a F-1 e minha curiosidade estive em mais de 50 países; com o jornalismo deixei a timidez (ou boa parte dela) para trás e hoje até me impressiono com o que faço sem um pingo de nervosismo – até sinto falta de um frio na barriga de vez em quando, quem diria! – e com o trabalho de freelancer aprendi a conhecer melhor minhas habilidades: fez de mim quase uma hacker para encontrar formas de baratear as viagens o máximo possível, além de ensinar aquela menina criada por um servidor público que sempre destacou a importância de se ter segurança no emprego a viver, digamos, mais perigosamente em termos financeiros.
Acredito que seja por uma mistura de tudo isso que muita gente vê a diferença no trabalho que estou tentando fazer. E fico muito feliz cada vez que alguém percebe essa paixão por querer fazer melhor do que ontem, por querer fazer algo diferente.
Ano passado o grande desafio foi fazer rádio pela primeira vez na vida, sem treinamento algum, e ainda estou aprendendo a me colocar da melhor maneira. Neste ano, comecei a fazer os vídeos em parceria com o Boteco, fui testar meu limite mais uma vez. Lia os comentários no começo do tipo “coitada, ela é muito ruim” dando risada (e impressionada com esse povo que certamente nasceu andando e falando!). Só queria que o vídeo seguinte fosse melhor que o anterior. E continuo querendo. Muito obrigada pelo reconhecimento e um ótimo 2019 a todos!
Como de costume, comecei o texto deixando-o me levar, sem saber exatamente onde iria dar. E no meio do caminho me veio uma ideia, uma pergunta: mesmo com todas minhas “feitiçarias” de hacker das viagens, a cobertura da temporada do ano que vem vai ficar em 120 mil reais (e a prova da minha feitiçaria está na conta que o Dieter Rencken fez, que dá mais de 140!). Vocês apoiariam uma vaquinha virtual (se sim, sob quais condições) ou conhecem empresas que se interessariam em patrocinar um apoio à única representante brasileira em todas as etapas da F-1? Como a vida me ensinou especialmente nessas oito intensas temporadas, não custa perguntar!
Kubica vai ou racha?
Se ele não tivesse disputado a Ronda de Andorra teria ido para a Ferrari, equipe com a qual tinha um pré-contrato assinado, e seria companheiro de seu amigo Fernando Alonso. Será que eles sairiam da Ferrari amigos? O que teria sido da passagem do espanhol pela Scuderia com Kubica a seu lado? Seria ele o campeão que a Scuderia não teve na última década? Nunca saberemos. Um guard rail partiu a frente do carro do polonês ao meio, quase decepou seu braço direito, e o resto é história.
História que ganhou capítulos completamente inesperados nos últimos 18 meses. Demorou mais de seis anos para Kubica se sentir apto a pilotar um F-1, ainda que ele tenha tido essa chance anos atrás. Após as inúmeras cirurgias, ele voltou a correr primeiro de rali, decisão questionada por muitos: `afinal, o que ele quer, se matar?` Dentro da cabeça dura do polonês, era apenas um teste. “Rali é a disciplina mais completa que existe. Conseguir voltar ao rali mostrou para mim que eu podia correr de qualquer coisa.”
Mas seria o suficiente para voltar em alto nível na F-1? Primeiro Kubica teria que reaprender a pilotar, como um cego que tem os demais sentidos muito mais apurados. O polonês sempre foi agressivo nas manobras mas ao mesmo tempo suave na tocada, muito sensível. É quase como se as lesões no braço tivessem acontecido com o cara certo: ele nunca precisou de todos os dedos grudados no volante para ser rápido.
Convencido de que estava tecnicamente pronto, ele se preparou fisicamente e conseguiu seu primeiro teste com os amigos da Renault, e depois convenceu a Williams a lhe dar uma chance. Foi bem com carros mais antigos, mas escorregou quando andou com a geração atual, saindo do teste decisivo de Abu Dhabi no final do ano passado culpando os pneus Pirelli por não ter conseguido andar o que poderia.
Mais lento e sem dinheiro, Kubica teve de se contentar com a função de piloto de testes, o que talvez tenha sido a melhor coisa que poderia ter acontecido. Afinal, nos testes de Barcelona e depois nos treinos livres no mesmo circuito ele já era consideravelmente mais rápido que Stroll, já tinha entendido mais do funcionamento do carro e dos pneus e, mais importante, começou a convencer a Williams de que era, de fato, uma opção, até porque, além da pilotagem em si, Kubica traz uma competitividade quase irracional da qual Claire Williams avaliou que a equipe estava precisando – mesmo que isso signifique algumas reuniões bastante tensas e cheias de cobrança nos próximos meses… “Ele já me abordou às 2h da manhã num aeroporto para falar de ideias para melhorar a equipe”, revelou a chefe.
Do lado dele, precisou se certificar que a Williams não usaria seu braço como muleta para resultados ruins – o mesmo ele não pode garantir do próprio mundo da F-1 no primeiro acidente em que se envolver, mesmo que não tenha culpa alguma, e ele sabe bem disso.
Ouvindo Kubica falar em público da confiança de que pode voltar em alto nível, até parece que foi uma decisão fácil. Mas o fato é que ele estava dividido até pouco antes de assinar o contrato. Afinal, ele é muito forte no simulador – quando andou na Red Bull, foi mais rápido que os titulares, e o mesmo acontecia na Williams – e a Ferrari foi, sim, uma opção considerada seriamente por ele. Até mesmo amigos próximos o aconselharam a não arriscar tornar-se titular. Mas ele não teria enfrentado tudo o que enfrentou em vão. Robert não é esse tipo de pessoa.
Há quem acha que ele, andando na lanterna do grid, só pode fazer mal a sua reputação. Mas há quem veja o próprio retorno em si como uma vitória maior do que ele jamais conseguiria caso tivesse desistido daquele rali.
700 dias de Liberty e a F1 segue sem futuro após 2020
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Sábado de manhã em Abu Dhabi. Os comissários da FIA tinham sido chamados, dois dias antes, a julgar um protesto da Haas contra a Force India. Por conta do processo de falência pelo qual o time passou em julho, os norte-americanos julgavam que o novo time formado a partir da compra por parte de Lawrence Stroll não poderia usar propriedade intelectual do antigo dono, ou seja, todo o conhecimento aplicado na construção do carro em si.
A FIA não faz parte dos contratos firmados entre as equipes e a detentora dos direitos comerciais que regem suas obrigações enquanto construtores. Mas é quem regula o esporte. No final das contas, chegou-se à conclusão que tudo era legal – para complicar mais a história, a FIA tinha feito, sim, parte das negociações para a troca de bastão na Force India e estava enfiada até o pescoço na solução cheia de acordos para lá e para cá (que inclusive precisaram do aval das equipes) para manter o time no grid.
Pois bem. As regras da F-1 são ditadas por três contratos principais. O mais importante é Acordo dos 100 Anos, que garante o controle dividido entre FOM e FIA, sendo que a federação não pode entrar nas questões comerciais por determinação da União Europeia.
E o Pacto da Concórdia? O único acordo da Concórdia atualmente vigente é entre a FOM e a FIA e regulamenta basicamente os papéis de ambos. Desde 2013, não existe um Pacto da Concórdia entre a FOM e as equipes, uma vez que a solução que Bernie Ecclestone encontrou para resolver vários impasses na época foi fazer contratos bilaterais com cada time, puxando o acordo feito com um para convencer o outro a assinar. Todos estes contratos, a não ser com a Renault – que é mais extenso – vão até o final de 2020.
Em meio a tudo isso, há várias queixas na parte comercial (promotores dos GPs tentando rever contratos impraticáveis e o foco tardio na internet, preparando a categoria para a queda que já se observa no consumo de TVs e a preferência ao OTT) e na parte esportiva (queda nas ultrapassagens, diferença gritante entre o top 3 e o resto, que tipo de motor usar).
Dá para entender a confusão em que a Liberty Media se meteu?
Ainda que a situação seja complexa, a lentidão em encontrar soluções para problemas que estão, na verdade, interligados já incomoda as equipes. Ora, se a ideia central é distribuir melhor o dinheiro ao mesmo tempo em que as regras garantem uma diminuição de custos a ponto do esporte funcionar com um teto de gastos, o pior que pode acontecer é essas novas regras (especialmente incluindo motores) atrasarem tanto. Já estamos a cerca de 14 meses até que as equipes comecem a executar os projetos de 2021 e nada de regras.
Nesse quesito, a maior insatisfação das equipes é com Ross Brawn, que não vem fazendo seu papel de ponte técnica entre os interesses dos times e as decisões acerca do regulamento. Era esperado pulso mais firme por parte do ex-chefe de equipe, ainda que ele esteja no meio de outra encruzilhada: quem define o regulamento não é a FOM, para quem ele trabalha, mas sim a FIA… Se as novas regras precisam estar alinhadas com a distribuição de lucros para que se corte gastos e se tenha mais equilíbrio entre as equipes, as duas entidades precisam se entender, e se entender com as equipes grandes também. Bom, boa sorte!
Não que do lado comercial os problemas sejam mais simples. Por um lado a Liberty vem gastando muito mais que Ecclestone, aumentando consideravelmente a estrutura da FOM, especialmente do lado digital, negligenciado pelo antigo dono. Esse investimento visa lucrar lá na frente com diversos produtos on demand, tirando a F-1 da TV. O problema é que muita gente ainda não enxerga isso como o futuro, embora os números gerais de audiência venham caindo no mundo.
Por outro lado, a partir do momento em que os norte-americanos acenaram para a entrada de Miami sem o pagamento das taxas milionárias da era Ecclestone, é claro que os demais promotores quiseram renegociar seus contratos, ameaçando o outro – além dos contratos de TV – grande pilar de receita da F-1. Então como a categoria pode pensar no orçamento que estará disponível se há toda essa incerteza em relação à receita mesmo a médio prazo?
É nesse caldeirão que a Liberty finaliza 700 dias no comando da F-1 no final deste mês, com a missão de virar o esporte de ponta-cabeça nos próximos 700.
Turistando off-season: por que não dar um pulinho na Nova Zelândia?
Houve uma época em que o GP da Austrália terminava a temporada, mas era logo depois do Japão, então pelo menos o fuso não era um problema. Depois houve os tempos da dobradinha Austrália e Malásia no começo do ano, o que também fazia sentido. Agora a Austrália está sozinha no calendário. É uma das viagens mais caras do ano, para o bolso, e fisicamente, já que a diferença de fuso é tão grande que leva uns 4 dias para acostumar. Ou seja, bem na hora de voltar. Depois, você chega em casa e… quem é que dorme?
É por essas e outras que neste ano decidi aproveitar que já teria que lidar com as 38h de voo (comprei com milhas uma passagem só de ida São Paulo – Londres – Dubai – Melbourne) e toda a insônia da noite e o cansaço do dia e dei um pulinho em um país que estava no topo da minha lista há algum tempo. E é com essa viagem que começa a série de posts do Turistando off-season. Destino: Nova Zelândia.
Teria oito dias para explorar o máximo que pudesse das duas ilhas. Tarefa difícil. A Nova Zelândia não só fica muito mais achatada no mapa do que realmente é, como também tem atrações interessantes por praticamente todos os cantos. No final, fechei o seguinte roteiro: voaria a Queenstown na madrugada da terça. Depois seguiria também por avião a Auckland e viajaria por barco e ônibus até Coromandel e Rotorua, voltando à capital para voar para o Bahrein.
Logo de cara o país já se mostrou tudo o que eu esperava. Mesmo do avião as paisagens são belíssimas e dramáticas, e em terra firme é como se você estivesse em um mundo paralelo recheado de esportes radicais e culto à natureza. Com direito a trilha sonora que estaria em qualquer documentário do canal Off.
Economizei ficando em albergues e comendo em supermercado para abater um pouco dos gastos que teria com o que, afinal, eu tinha ido até o fim do mundo para fazer: saltei de costas em um canyon, fiz rafting em cachoeiras, saltei de bungee jump na primeira ponte usada para isso no mundo, caiaque no Pacífico e, para terminar relaxando, stand up paddle em cavernas cheias de vagalumes… (sim, eu disse que era um mundo paralelo!)
Mesmo se nenhuma dessas coisas te atrair, ainda recomendaria a Nova Zelândia pelas paisagens (que podem ser curtidas da tranquilidade de um barco, por exemplo, sem pulos em precipícios – ainda que não tenha metade da graça!) que variam muito entre as ilhas norte e sul e até mesmo dentro delas.
Auckland em si não tem muita graça – na verdade, achei o clima da cidade pesado, ou talvez estava leve demais depois de Queenstown – mas as baías de Coromandel e Whitianga são belíssimas, com destaque merecido ao cartão-postal Cathedral Cove (que não é uma catedral, e sim uma praia). Rotorua foi a última parada, mais pela curiosidade de estar em uma cidade que fica em cima de geysers, com muita atividade geotermal. Apesar do cheiro forte de enxofre, o colorido diferente e a cultura maori ainda presente na cidade compensam.
Uma semana e algumas horas depois de ter chegado e com vontade de ver mais desse país tão diverso, lá fui eu via Melbourne, Abu Dhabi e Mascate (capital de Omã para quem não sabe, que tem o melhor aeroporto em que estive no Oriente Médio, inclusive) em direção ao Bahrein.
E, depois daquela corrida, viveria mais um capítulo que vai para o Turistando Off-Season. Mas essa fica para o ano que vem.